Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001445-26.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
07/01/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/01/2020
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001445-26.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: V. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA APARECIDA DE SOUZA - MS14898-A
APELADO: SUPERINTENDENCIA REGIONAL NORDESTE
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001445-26.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: V. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA APARECIDA DE SOUZA - MS14898-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001445-26.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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APELADO: SUPERINTENDENCIA REGIONAL NORDESTE
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 25.07.2016, julgou improcedente o pedido inicial nos seguintes termos:
“Ante o exposto, e pelo mais que dos autos consta, hei por bem JULGAR IMPROCEDENTE o
pedido da parte autora e resolvo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, inciso I , do
Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do
art. 85, § 2º , do CPC, suspendendo, todavia, a exigibilidade de tais verbas, nos termos do art. 98,
§ 3º , do mesmo codex. Com o trânsito em julgado, cumpra-se conforme determinado na ordem
de serviço n. 01/ 2016. Publique-se. Registre-se. Intimem -se. Cumpra-se.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial, aduzindo que é surda-muda e encontra-se impossibilitada de
prover seu próprio sustento.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, deu-se por ciente do processado e manifestou-se
tão somente pelo prosseguimento da demanda.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001445-26.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: V. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA APARECIDA DE SOUZA - MS14898-A
APELADO: SUPERINTENDENCIA REGIONAL NORDESTE
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula
nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a
vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos, observa-se que a sentença de primeiro grau
julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo médico pericial e no
estudo social, tendo se convencido não restar configurada a existência de incapacidade laboral e
a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“A vulnerabilidade econômica não restou comprovada, uma vez que de acordo com o estudo
social (f.132-135), a família é composta por três pessoas e possui renda mensal equivalente a R$
1.300,00 (renda genitor), o que ultrapassa o requisito legal da renda inferior a 1/4 do salário
mínimo. Não obstante, o benefício possa ser devido na situação em que a deficiência do menor
gere significativo impacto econômico no seu grupo familiar, o que pode ocorrer basicamente por
duas formas, quais sejam, pela exigência de dispêndios incompatíveis com a condição social da
família, como com remédios ou tratamentos médicos, ou pela afetação na sua capacidade de
angariar renda, como quando limita ou impossibilita algum de seus membros produtivos de
trabalhar pelos cuidados necessários à deficiência do menor, tais situações não se enquadram
aos autos. Senão vejamos: Os deslocamento para os acompanhamentos médicos do menor são
realizados a cada seis meses, com ônibus fornecido pelo Município de Deodápolis, tendo a
família gastos apenas com a alimentação, variáveis de R$ 100,00 a R$ 150,00. Ainda, conforme
informado no estudo social, a criança estuda em período integral no programa Mais Educação,
não havendo óbice para que a mãe exerça atividade laborativa. No que se refere à deficiência
exigida pela lei, como sendo aquela incapacitante para a vida independente e para o trabalho (art.
6º, I do Decreto n. 1744/95, que regulamentou a Lei n. 8.742/93) foi descartada pelo laudo pericial
de f. 86-91 e complementos de f. 106. Com efeito, de acordo com o laudo pericial, embora o autor
seja portador de glaucoma congênito em ambos os olhos (CID Q15.0), decorrente de Eclampsia
na gravidez e de que a patologia seja definitiva e impossível de cura, concluiu o perito que o
requerente "está parcialmente incapaz de exercer definitivamente atividades laborais que exijam
a visão" (f.106). O Decreto-Lei n. 6.214/2007, que regulamentou a Lei n. 8.742/93 (LOAS),
manteve vinculados os conceitos de incapacidade e deficiência. A incapacidade, para o
regulamento, é o fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade d inclusão social, em
correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social (art.
4º, III). O Decreto n. 6564/2008 alterou o § 2º do art. 4º do Decreto-Lei n. 6.214/2007. Com a
alteração, crianças e adolescentes menores de 16 anos ficam dispensadas de comprovação da
incapacidade para o trabalho, porém, devem se submeter à avaliação da existência de deficiência
e seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade. Consoante informado no estudo social a criança estuda em período
integral no programa Mais Educação, portanto está inserida no convívio social, com integração
compatível com sua idade. Portanto, não comprovados os requisitos nos termos da lei e
regulamento de regência”
O laudo médico pericial (ID 1055975 – pág. 26/31), elaborado em 02.05.02013 e complementado
em (ID 1055975 – pág. 46), revela que a parte autora é portador de sequela de glaucoma
congênito. Afirma que se trata de criança com problemas visuais definitivos que tem necessidade
de acompanhamento até a idade adulta para não piorar. Consta que após cirurgia em ambos os
olhos houve melhora, mas o menor ainda não visualiza na claridade, mesmo com uso de óculos.
Em que pese a existência de certo grau restrição para as atividades próprias da idade do autor,
apura-se que não restou demonstrada a existência de miserabilidade.
O laudo social (ID 1055977 – pág. 13/15), elaborado em 24.04.2015, revela que o autor vive com
seus pais emcasa própria, com dois quartos, sala, cozinha ebanheiro, em ótimo estado de
conservação. A casa está adequadamente guarnecida com eletrodomésticos, contando com
geladeira, freezer, fogão, TV e som. A família possui uma moto e um carro.
Informaram que a renda da casa advém do salário do genitor do autor, que aufere R$
1.300,00/mês.
Relataram despesas com supermercado (R$ 300,00), energia elétrica (R$ 95,00), água (R$
28,00) e financiamento da casa (R$ 290,00), perfazendo total de R$ 713,00.
Depreende-se da leitura do estudo social quenão há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação
exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001445-26.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: V. D. S.
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA APARECIDA DE SOUZA - MS14898-A
APELADO: SUPERINTENDENCIA REGIONAL NORDESTE
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
