
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001141-78.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EDNA LUZIA NEVES ROQUE
Advogado do(a) APELANTE: MARCO AURELIO CARRASCOSSI DA SILVA - SP213007-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001141-78.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EDNA LUZIA NEVES ROQUE
Advogado do(a) APELANTE: MARCO AURELIO CARRASCOSSI DA SILVA - SP213007-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 18.04.2017, julgou improcedente o pedido inicial ante o não preenchimento do requisito de deficiência, conforme dispositivo que ora transcrevo: “Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado, entre as partes acima mencionadas, extinguindo o processo, com resolução do mérito, com espeque no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sucumbente arcará a parte autora com custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor da causa atualizado, nos termos do art. 85 § 2º do Novo Código de Processo civil, observando-se o art. 98, § 3º do Novo Código de Processo Civil, conquanto que beneficiário da justiça gratuita. Expeçam-se ainda certidões para pagamento dos honorários do perito e da assistente social, se ainda não tomada tal providência. P.I.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001141-78.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EDNA LUZIA NEVES ROQUE
Advogado do(a) APELANTE: MARCO AURELIO CARRASCOSSI DA SILVA - SP213007-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos, observa-se que a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo médico pericial, tendo se convencido não restar configurada a existência de deficiência necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“O laudo pericial (fis. 3 8/48) constatou que a autora esta incapacitada para o exercício de atividade laborativa de forma total e temporária, e é portadora de episódios depressivo não especificado (CID F 32.9). Afirmou o perito que "a periciada é portadora de uma doença psíquica - chamada depressão, não é portadora de nenhuma deficiência, está fazendo tratamento com médico especialista e uso de medicações" (Item 8 - fl. 41). O impedimento apresentado é de 02 (dois) anos. Diante do conjunto probatório (especialmente o laudo pericial produzido), considerado o princípio do livre convencimento motivado do julgador, conclui-se que o estado de coisas reinante não implica incapacidade laboral da parte autora, razão pela qual não faz jus ao benefício assistencial. Embora o laudo pericial não vincule o magistrado, forçoso reconhecer que, em matéria de benefício previdenciário por incapacidade, a prova pericial assume grande relevância na decisão. E, conforme já explicitado, o perito judicial foi categórico ao afirmar que a enfermidade da parte autora não padece de incapacidade permanente, requisito este essencial para a concessão do benefício pleiteado.”
Da deficiência/impedimento de longo prazo.
O laudo médico pericial, elaborado em 19.02.2017 (ID 87570655 – pág. 39/48) revela que a parte autora apresenta quadro de episódio depressivo não especificado. Informa a existência e incapacidade laboral total e temporária. Afirma ainda que se trata de impedimento de dois anos, e que “o uso de medicações controlam e estabiliza o quadro psicótico e a periciada poderá voltar a ter uma vida produtiva” .
Depreende-se da leitura do laudo que a parte autora está acometida de patologia que resulta em restrição para o trabalho, e o obsta a participação plena e efetiva da parte autora na sociedade, constituindo impedimento de longo prazo, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
Da miserabilidade. Requisito não preenchido.
O laudo social (ID 87570655 – pag. 39/48), elaborado em 57/64, revela que a parte vive de favor na casa de uma idosa em imóvel simples, de alvenaria, forro de madeira, com dois quartos, cozinha e banheiro. A casa está guarnecida com mobiliário simples e antigo.
Informa que a família da idosa ajuda a parte autora com R$ 300,00/mês, pois durante a noite é companhia para a idosa.
Relata despesas com medicamentos. Recebe suplemento alimentar do Departamento de Saúde do município.
Consta ainda que:
- a parte autora conta com apoio dos integrantes da casa onde vive de favor e possui bom relacionamento com vizinhos;
- a parte autora não tem limitação em desenvolver e manter as relações e interações interpessoais, porém não tem vontade de conversar, de ficar em grupos, diminuiu totalmente suas atividades sociais;
- a parte autora, tem acesso aos serviços básicos de infraestrutura, como água, energia, saneamento básico, etc. Os serviços de saúde, educação, rede de serviços sócio assistenciais estão disponíveis, mas a periciada tem dificuldades em participar, mas procura os serviços de saúde para seu tratamento, dependendo de alguém para acompanhar;
Da leitura do laudo social não se extrai a existência de miserabilidade. Consta que a autora vive em imóvel que oferece boa infraestrutura, tem acesso à alimentação e possui rendimento próprio. Apura-se ainda que tem acesso à tratamento médico na rede pública de saúde.
Verifico que a perita social não reporta a existência de miserabilidade e nota-se que suas necessidades básicas estão sendo supridas.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar a renda, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001141-78.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EDNA LUZIA NEVES ROQUE
Advogado do(a) APELANTE: MARCO AURELIO CARRASCOSSI DA SILVA - SP213007-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. A parte autora possui rendimento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
