
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030394-82.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EUNICE VIEIRA SIQUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME HENRIQUE BARBOSA FIDELIS - SP209097-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LESLIENNE FONSECA DE OLIVEIRA - SP175383-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030394-82.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EUNICE VIEIRA SIQUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME HENRIQUE BARBOSA FIDELIS - SP209097-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LESLIENNE FONSECA DE OLIVEIRA - SP175383-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando as decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG, representativos de controvérsia, que assentaram o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, aplica-se, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso para fins de exclusão de benefício previdenciário percebido por idoso, no valor de um salário mínimo, do cálculo da renda per capita prevista no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o qual, por sua vez, não deve ser tido como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030394-82.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EUNICE VIEIRA SIQUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME HENRIQUE BARBOSA FIDELIS - SP209097-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LESLIENNE FONSECA DE OLIVEIRA - SP175383-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o acórdão ID 89937089 – pag. 19/26, que, por unanimidade, negou provimento à sua apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acórdão em comento negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso concreto estudo social elaborado em 09.03.2015 (fis. 87/88) revela que a parte autora reside com seus dois filhos, em imóvel nos fundos da casa de sua mãe e curadora, de alvenaria, com dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro. A mãe reside em área com um quarto, sala, cozinha e banheiro. A renda do grupo familiar advém das pensões alimentícias recebidas pelos filhos da autora, que somam R$ 410,00. Um dos filhos da requerente recebe benefício assistencial no importe de um salário mínimo (R$ 788), e a mãe da parte autora recebe dois benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo cada (aposentadoria e pensão). A família perfaz R$ 2.774,00 mensalmente. As despesas da casa somam R$ 1.274,00, tendo sido relatados gastos com alimentação (R$ 700,00), farmácia (R$ 300,00), água e luz (R$ 168,00), telefone fixo (R$ 56,00) e gastos extras (R$ 50,00). A parte autora está amparada pela família, e não há notícia de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. Nota-se que as despesas relatadas são muito inferiores à renda familiar. Vale a pena ressaltar que o benefício assistencial não se presta à complementação de renda. Dessa forma, diante do conjunto probatório que se apresenta, verifico que não restaram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício.”
Por sua vez, o estudo social (ID 89937088 – pag. 94/96), elaborado em 26.02.2015, revela que a parte autora vive com dois filhos (15 e 11 anos de idade) e sua mãe, em imóvel cedido pela genitora. A autora e seus filhos ocupam 03 cômodos (01 sala e cozinha, 02 quartos e banheiro), nos fundos da casa de sua mãe que reside em 02 cômodos (01 sala e cozinha, 01 quarto e 01 banheiro). Trata-se de construção simples.
Sobre a renda da casa, consta que:
- o filho da autora recebe benefício assistencial no valor de um salário mínimo (R$ 788,00);
- o filho da autora recebe pensão alimentícia no valor de R$ 150,00;
- a filha da autora recebe pensão alimentícia no valor de R$ 260,00;
- a mãe da autora recebe aposentadoria e pensão por morte, cada benefício no valor de um salário mínimo;
Relatam despesas no importe de R$ 1.274,00 mensais (água, energia elétrica, supermercado, farmácia, telefone e material escolar).
A perita social emitiu parecer informando que: “Após estudo social realizado, conclui que no momento a concessão do benefício será de extrema importância a requerente.”
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua família encontram-se abrigados em imóvel cedido por sua genitora e contam com rendimento formal, o que, a princípio afasta a vulnerabilidade econômica.
Verifica-se ainda que a mãe da requerente recebe dois benefícios previdenciários totalizando R$ 1.576,00/mês, e presta auxílio à autora.
Anoto que a perícia social não reporta a existência de miserabilidade, e não evidencia o não atendimento das necessidades básicas.
Observo ainda que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030394-82.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: EUNICE VIEIRA SIQUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME HENRIQUE BARBOSA FIDELIS - SP209097-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LESLIENNE FONSECA DE OLIVEIRA - SP175383-N
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. Resp 1.112.557/MG. REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015. REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG.
2. Aplicação, por analogia, do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. RESP 1.355.052/SP.
3. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RESP 1.112.557/MG.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família. Não comprovada a existência de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
5. Juízo de retratação negativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial.A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão negou provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
