
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0039797-41.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GEORGINA NOGUEIRA ISAIAS
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0039797-41.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GEORGINA NOGUEIRA ISAIAS
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
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R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando as decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG, representativos de controvérsia, que assentaram o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, aplica-se, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso para fins de exclusão de benefício previdenciário percebido por idoso, no valor de um salário mínimo, do cálculo da renda per capita prevista no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o qual, por sua vez, não deve ser tido como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0039797-41.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GEORGINA NOGUEIRA ISAIAS
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário-mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID 130788867, que, por unanimidade, rejeitou seus embargos de declaração para manter o acórdão que negou provimento à sua apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acórdão ID 90496283 – pag. 55/64 negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 24.11.2014 (fls. 100/103) revela que a parte autora reside com seu marido e um filho maior de idade, em imóvel cedido que fica no fundo da casa de sua filha, com quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Informaram que a renda da casa advém da aposentadoria do marido da autora no valor de R$ 724,00. Consta ainda que o filho da requerente trabalha e o seu marido faz bicos, mas não foi informado os valores por eles auferidos. Relataram despesas com alimentação (R$ 450,00), energia (R 50,35), água (R$ 69,20) e gás (R$ 45,00), perfazendo um total de R$ 450,00. Observe-se que a renda da casa supera as despesas relatadas. Consta nos autos que a parte autora possui pelo menos mais dois filhos, além do que reside com ela. Por certo que nos termos do § 1º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei no 12.435, de 2011). Contudo, em que pese a princípio os filhos casados não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que o artigo 20, § 3°, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Nesse sentido, aliás, a decisão proferida pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), datada de 23 de fevereiro de 2017, em sede de pedido de uniformização de jurisprudência formulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que firmou posicionamento no sentido que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção ". Dessa forma, em que pese a ausência de rendimentos da apelante, depreende-se do estudo social que coabita com o marido e um filho, e que há possibilidade das suas necessidades básicas serem supridas pela família, pelo que resta indevido o benefício assistencial”
Por sua vez, o estudo social (ID 90496282 – pag. 112/115), elaborado em 24.11.2014, revela que a parte autora vive com seu marido e um filho maior de idade em imóvel cedido por uma filha. Trata-se de construção com um quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço pequena. Consta ainda que: “O chão da casa está afundando, há rachaduras; pois foi construída rápida para abrigar a autora e seu esposo; porque residiam numa fazenda e ao aposentarem pediram para sair. A mobília é o básico (simples e alguns danificados) .”
Sobre a renda da casa, consta que o marido da parte autora recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo (R$ 724,00). Informa que o marido da autora e o filho exercem atividade laboral, mas não foi informado o valor por eles auferido.
Relata despesas básicas no importe de R$ 614,55 mensais (água, energia elétrica, gás e alimentação).
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua família encontram-se abrigados em imóvel cedido por uma filha e contam com rendimento formal, o que, a princípio afasta a vulnerabilidade econômica.
Da leitura do laudo social depreende-se que:
- o filho que reside com a autora aufere rendimento, embora não tenham informado o valor;
- o marido da autora além da aposentadoria, realiza atividade laboral informal esporádica a fim de complementar o orçamento doméstico (não informaram o valor auferido);
- os demais filhos da autora pretendem auxiliar no reparo da casa onde vive a autora;
Nota-se claramente que a parte autora conta o apoio da família e não há situação de desamparo.
Observo que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão ID 130788868 que rejeitou os embargos de declaração da parte autora, mantendo assim o acórdão que negou provimento à sua apelação, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0039797-41.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
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EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. Resp 1.112.557/MG. REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Aplicação, por analogia, do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. RESP 1.355.052/SP.
2. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RESP 1.112.557/MG.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família. Não comprovada a existência de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração da parte autora, mantendo o acórdão que negou provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
