
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037159-35.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CLEUDMA DE MELO
Advogado do(a) APELADO: DENISE RODRIGUES MARTINS LIMA - SP268228-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037159-35.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CLEUDMA DE MELO
Advogado do(a) APELADO: DENISE RODRIGUES MARTINS LIMA - SP268228-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 30.11.2016, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Em razão do exposto, resolvo o mérito e, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado na inicial para condenar a autarquia requerida a implantar em favor da autora o benefício assistencial de prestação continuada a partir do dia subsequente ao indeferimento administrativo, ocorrido em 28/03/2011 (fls. 24). As parcelas vencidas devem ser corrigidas nos termos previstos pela Lei nº. 11.960/09, com incidência dos juros previstos para a remuneração das cadernetas de poupança e correção monetária pela TR, até 25/03/2015, passando a partir de então a aplicar o índice de correção previsto pela Tabela Prática do E. TJSP. Sucumbente, condeno a parte vencida ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios devidos ao patrono da parte adversa, fixados esses em 10% do valor da causa, de acordo com o art. 85, §2º do CPC. Esse valor deve ser, a partir desta data, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora simples na forma do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97. Expeça-se guia de levantamento. P.I.C.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo improvimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037159-35.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CLEUDMA DE MELO
Advogado do(a) APELADO: DENISE RODRIGUES MARTINS LIMA - SP268228-N
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V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso em tela, a autora reside sozinha e não possui renda, logo, reputo por preenchido o segundo requisito legal. Conforme reporta o relatório de estudo social, as despesas com necessidades básicas e medicamentos para as patologias de osteoporose e hepatite crônica atingem o valor aproximado de R$ 100,00 reais, de modo que a autora depende do auxílio esporádico de conhecidos. Frise-se, ainda, que a assistente social atesta as condições precárias enfrentadas pela autora durante o cotidiano, sendo imperioso concluir que a ausência de renda familiar evidencia a impossibilidade de manutenção do sustento por parte da autora (fls. 87).Uma vez presentes os requisitos, a procedência do pedido, portanto, é medida de rigor.”
Por sua vez, o estudo social (ID 87791474 – pag. 102/109) elaborado em 07.01.2014, revela que a parte autora vive sozinha em imóvel alugado, de madeira, sem forro, de estrutura muito precária, com sala, dois quartos, cozinha e banheiro. O local é de pouca iluminação e há poucos móveis velhos. A requerente reside no local há treze anos.
Informa que a requerente não tem renda, e sobrevive com o auxílio de vizinhos, amigos e da Igreja Adventista.
Relata despesas com água (R$ 12,00), luz (R$ 14,00), aluguel (R$ 70,00) e medicamento (R$15,00), tudo pago por vizinhos, amigos e a irmã. Também recebe cesta básica da igreja.
Nova vista social foi realizada em 04.09.2016 (ID 87791474 – pag. 128/129), na qual constatou-se que a autora estava residindo sozinha em um cômodo de sua propriedade, de alvenaria sem pintura, simples, sem forro com cozinha, quarto e banheiro. A casa está guarnecida com poucos móveis velhos. O local foi construído pelos irmãos da requerente que reside no local há um ano.
Informa que a autora recebe R$ 85,00 do programa social Bolsa Família.
Relata despesas com água (R$ 41,50) e luz (R$ 13,00) e que recebe alimentos de amigos e de sua irmã.
Quanto às condições socioeconômicas a Expert informa que: “Quando chegamos ao local, fomos recebidas por Ana Cleudma que nos conduziu até a cozinha onde realizamos nossa entrevista. Ela disse que e convive com as enfermidades de longa data e tenta se manter paciente diante das dificuldades. Relatou que o benefício do Programa Bolsa Família tem auxiliado no pagamento de algumas despesas, porém, ainda necessita do auxílio da irmã Edith que tem sido suporte fundamental e da doação esporádica de mantimentos de conhecidos. No dia de nossa visita, a requerente encontrava-se um tanto pálida. Percebemos que está ainda mais magra e-continua se locomovendo com dificuldade.”
Notória a vulnerabilidade socioeconômica da autora que, sem rendimento algum, sobrevive por meio de programas sociais e caridade de terceiros.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, atestada a condição de miserabilidade no estudo social, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Quanto ao termo inicial da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.
Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo em 28.03.2011 (ID 87791474 – pag. 26), é nesta data que deve ser mantido o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037159-35.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CLEUDMA DE MELO
Advogado do(a) APELADO: DENISE RODRIGUES MARTINS LIMA - SP268228-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
3. Termo inicial do benefício mantido na data do pedido administrativo. Precedentes STJ.
4. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Correção de ofício.
5. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu de ofício corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
