
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-39.2017.4.03.6005
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APOLINARIO BOEIRA FIGUEIREDO
Advogado do(a) APELADO: PAULO INSFRAN PERCIANY - MS19455-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-39.2017.4.03.6005
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APOLINARIO BOEIRA FIGUEIREDO
Advogado do(a) APELADO: PAULO INSFRAN PERCIANY - MS19455-A
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 24.04.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para condenar o INSS: a) a implantar o benefício assistencial à pessoa idosa em favor do autor, a partir da data do requerimento administrativo (15/04/2015), bem como: b) a pagar o valor das parcelas em atraso devidas desde então, sobre as quais deverá incidir correção monetária a partir do dia em que deveriam ter sido pagas e juros de mora a partir da citação, ambos calculados nos moldes da Resolução CJF n. 134/10, com as alterações promovidas pela Resolução nº 267, de 02/12/2013 (Manual de Cálculos da Justiça Federal).Sem custas (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 9.289/96). Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo previsto no 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte autora, devendo observância ao disposto no 4º, II e 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago. O valor da condenação (base de cálculo dos honorários) fica limitado ao valor das parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença (Súmula nº 111 do STJ). Defiro a tutela provisória de urgência e determino ao INSS a implantação imediata do benefício assistencial à autora. Cumpra-se, servindo o dispositivo desta sentença como OFÍCIO. Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, de acordo com o art. 496, inciso I, e 3º, inciso I, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado, observadas as cautelas de praxe, arquive-se.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pleiteia a reforma do julgado no tocante ao termo inicial do benefício, honorários advocatícios e critérios de atualização do débito.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-39.2017.4.03.6005
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APOLINARIO BOEIRA FIGUEIREDO
Advogado do(a) APELADO: PAULO INSFRAN PERCIANY - MS19455-A
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V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Segundo o estudo socioeconômico (fls. 126/133), o autor reside com o irmão Sergio Boeira Figueiredo e sobrevive da renda decorrente da aposentadoria deste último. O parecer da assistente social é favorável à concessão do benefício. Em suas palavras: "evidenciou-se através de visita domiciliar que o senhor Apolinário Boeira Figueiredo, está vivendo em uma situação de vulnerabilidade social e devido a situação vivenciada, considera-se que o mesmo esteja apto a receber o BPC de acordo com a Lei 9.742/93 [...]" (sic). De fato, as fotos e relatos apresentados no laudo socioeconômico indicam que o autor - solteiro e sem filhos, ressalte-se - encontra-se em estado de vulnerabilidade social, fazendo jus à concessão do benefício ora pleiteado. É certo que o valor da renda per capita familiar não deve ser o único critério para se comprovar a miserabilidade, de modo que a jurisprudência pátria definiu que o benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não deve integrar o cálculo para fins de aferição da vulnerabilidade, por aplicação analógica do artigo 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03. É o que se observa pelos seguintes julgados: (...) Diante disso, a renda mensal per capita do grupo familiar, composto pelo autor e seu irmão equivaleria a ZERO, visto que Apolinário e Sérgio não possuem qualquer renda além da aposentadoria rural recebida por este, pois ambos estão desempregados no momento. Portanto, estão preenchidos os requisitos necessários para concessão do valor assistencial.”
Por sua vez, o estudo social (ID 124095064 – pag. 40/47), elaborado em 06.09.2017, revela que a parte autora reside com seu irmão (75 anos) em imóvel que pertence à família, de alvenaria, com quatro cômodos em ótimo estado de conservação.
A renda da casa advém da aposentadoria por idade do autor do autor no valor de um salário mínimo (R$ 937,00).
Relataram despesas básicas com luz (R$ 17,00), água (R$ 42,00), alimentação (R$ 380, 00) e gás (R$ 65,00) perfazendo total de R$ 504,00.
A perita social emitir parecer favorável à concessão nos termos que seguem: “CONCLUSÃO: Segundo a Resolução CFESS,1993, a Defesa intransigente dos direitos humanos (...); Ampliação e consolidação da cidadania[...]; Posicionamento em favor da equidade de justiça social(...) Empenho na eliminação de todas as formas de preconceitos[...] e Exercício do Serviço Social sem discriminar, nem discriminar por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. Contudo, evidenciou-se através de visita domiciliar que o senhor Apolinário Boeira Figueredo, está vivendo em uma situação de vulnerabilidade social e devido a situação vivenciada, considera-se que o mesmo esteja apto a receber o BPC (Benefício de Prestação Continuada) de acordo com a LEI 9742/93 LOAS, todo idoso a partir de 65 (sessenta e cinco anos), e toda pessoa portadora de deficiência que não possua meios de prover sua subsistência nem de sua família, é assegurado um salário mínimo nos termos da Lei.”
Consta ainda que: “segundo o senhor Apolinário a três anos está vivendo nesta situação e mesmo ele já sendo idoso o INSS recusou de lhe conceder o Benefício pelo fato do mesmo viver em companhia cio irmão, mas ele relatou que vive do benefício do irmão por não ter como sobreviver já que ele não tem emprego e com a idade avançada não consegue mais trabalhar, pois só sabe fazer trabalhar de serviço braçal em fazendas e roça e hoje não consegue mais, segundo o senhor Apolinário ele hoje depende totalmente do irmão o que o deixa em depressão, pois ele não pode comprar nem mesmo a pasta de dente que usa, ele declarou não tem filhos e que não outro lugar pra morar, já que não possui meios de sobreviver.”.
Evidencia-se a existência de vulnerabilidade socioeconômica do grupo composto por dois idosos impossibilitados de promover o incremento da renda familiar. Nota-se ainda que o autor vivencia o desamparo familiar ante a ausência de filhos.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, demonstrada a vulnerabilidade socioeconômica e hipossuficiência da parte autora, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Quanto ao termo inicial da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.
Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo em 15.04.2015 (ID 124095063 – pag. 31), é nesta data que deve ser mantido o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial.
Os honorários de advogado devem ser mantidos conforme fixados na sentença eis que de acordo com o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, no que tange à aplicação da norma prevista no § 11 do artigo 85 do CPC/2015, matéria afetada pelo Tema Repetitivo nº 1.059 do C. STJ, não obstante a atribuição de efeito suspensivo aos processos que a envolvam, entendo ser possível a fixação do montante devido a título de honorários de sucumbência recursal, ficando, todavia, a sua exigibilidade condicionada à futura decisão que será proferida nos recursos representativos de controvérsia pela E. Corte Superior de Justiça, cabendo ao I. Juízo da Execução a sua análise no momento oportuno.
Assim, condeno o apelante ao pagamento de honorários de sucumbência, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, ficando a exigibilidade suspensa, consoante já dito acima.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-39.2017.4.03.6005
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APOLINARIO BOEIRA FIGUEIREDO
Advogado do(a) APELADO: PAULO INSFRAN PERCIANY - MS19455-A
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Requisito etário preenchido.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
5. Termo inicial do benefício mantido na data do requerimento administrativo. Precedentes STJ.
6. Honorários de advogado mantidos nos termos da sentença, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015 e Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
7. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade suspensa. Tema Repetitivo nº 1.059 do C. STJ.
8. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
