
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014719-45.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI APARECIDA SEBASTIAO
Advogado do(a) APELADO: KELLY CRISTINA JUGNI PEDROSO - SP252225-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014719-45.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI APARECIDA SEBASTIAO
Advogado do(a) APELADO: KELLY CRISTINA JUGNI PEDROSO - SP252225-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 25.02.2016, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado nestes autos, ajuizado por CELI APARECIDA SEBASTIÃO contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS, para condenar o Réu ao pagamento de prestação pecuniária, a título de assistência social, no valor de um (1) salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo (28/03/2012, fls. 41), incidindo, sobre as parcelas vencidas, atualização monetária e incidência de juros de mora nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 1 1.960/09, até 25/03/2015, aplicando-se, após, a correção monetária pelo IPCA-E e juros de 0,5% ao mês, nos termos da modulação julgada pelo STF na ADIn 4357. De outra banda, nos termos do artigo 273 do CPC, concedo a tutela antecipada (fls. 199), por considerar a relevância do fundamento da demanda (verossimilhança) e o justificável receio de ineficácia do provimento final, e determino a implantação do benefício assistencial, nos termos acima, fixando-se o prazo de 30 (trinta) dias, contado da intimação da sentença, para o cumprimento da determinação judicial, sob pena de multa diária, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), a teor do artigo 461, § 4º, do CPC. Deixo de condenar o Réu ao pagamento das custas e despesas processuais, por ser a Autora beneficiária da assistência judiciária gratuita. Condeno o Réu ao pagamento de honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor, atualizado, da condenação, havendo como termo final a data da prolação da sentença, eis que, consoante o enunciado da Súmula n.º 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, "os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas". Oficie-se à Equipe de Atendimento de Demandas Judiciais do INSS. Arbitro honorários ao Sr. Perito Ivan Ramos de Oliveira em R$ 234,80 (duzentos e trinta e quatro reais e oitenta centavos). Requisite-se o pagamento, expedindo-se o necessário. P.R.I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS pleiteando a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento parcial da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014719-45.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI APARECIDA SEBASTIAO
Advogado do(a) APELADO: KELLY CRISTINA JUGNI PEDROSO - SP252225-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação do INSS.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas no § 2º do artigo 475 do CPC/1973, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Pois bem, conforme Estudo Social de fls. 161/163 constatou que a requerente reside com sua mãe e dois irmãos e que a única renda da família provém de pensão no valor de R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais), percebido pela genitora, enquadrando-se portanto, na situação de miserabilidade exigida por lei.”
Por sua vez, estudo social, elaborado em 05.12.2014 (87571251 – pag. 56/58), revela que a parte autora vive com sua mãe e dois irmãos em imóvel próprio, simples, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecido com móveis básicos em boas condições.
Quanto à dinâmica familiar consta que: “Sra. Maria Inês relata que os filhos não têm condições de trabalhar, pois tanto Celi quanto Márcio, possui deficiência intelectual. A mãe relata ainda que Márcio, a ajuda em alguns afazeres domésticos, já Celi, não tem condições de realizar determinadas atividades sozinhas, precisa sempre da supervisão de alguém. Quanto ao filho Henrique, este tem cirrose e barriga d'água, segundo a mãe também não tem condições de exercer laborativa. A mãe relata que Henrique é alcoólatra, sendo algumas vezes agressivo com ela e com a irmã Celi”
Informa que a renda da família advém da pensão por morte recebida pela mãe da autora no valor de um salário mínimo (R$ 724,00).
Relata despesas com água (R$ 18,00), energia elétrica (R$ 18,00), supermercado (R$ 350,00) e gás R$ 42,00), perfazendo total de R$ 428,00. Acrescenta que pouco compram vestuário e que às vezes ganham de algum vizinho, bem como recebem ajuda esporádica das tias da autora com alimentação.
Também há relato de que em 16.12.2014 a mãe da autora foi internada devido a graves problemas de saúde, e que ao sair do hospital foi levada a casa de uma das irmãs pois os filhos não conseguem cuidar da mãe.
Notória a vulnerabilidade socioeconômica do grupo formado por uma idosa e duas pessoas portadoras de deficiência mental.
Da análise do conjunto probatório extrai-se que a autora é portadora de incapacidade laboral total e permanente, e que apresenta dependência parcial para os atos da vida cotidiana. Nesse contexto, observo que o pesado zelo pelo incapaz dificulta o incremento da renda familiar e onera as despesas do lar.
Por fim, anoto que foi noticiado o óbito da mãe da autora e em razão disso o benefício previdenciário de pensão por morte foi cessado em 28.01.2016 (ID 87571252- pag. 60).
Nesta seara, verifico que a concessão de benefício assistencial à um dos irmãos da autora em 28.01.2015 (ID 87571252 – pag. 65) não possui o condão de descaracterizar a situação apresentada no laudo pericial, especialmente ante a delicada condição de saúde da mãe da autora que veio à óbito em janeiro de 2016.
No mais, em consulta ao sistema CNIS verifico que o benefício assistencial concedido ao irmão da autora foi suspenso em agosto de 2019.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, evidenciada a existência de vulnerabilidade socioeconômica no mandado de constatação, de rigor a manutenção da sentença de procedência.
Quanto à data de início do benefício, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.
Neste sentido confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CUSTAS DO PROCESSO IMPUTADAS À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 178/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido. 2. Deve ser observada a Súmula 178/STJ, considerando que a ação fora ajuizada perante a Justiça Estadual. 3. Agravo interno não provido.
(2016.02.00900-1/201602009001, AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1617493, Relator(a) MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SEGUNDA TURMA, 27/04/2017, Data da publicação 04/05/2017, DJE DATA:04/05/2017) .
Assim, constatada a existência de requerimento administrativo em 28.03.2012 (ID 87571250 – pág. 27), é nesta data que deve ser mantido o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014719-45.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI APARECIDA SEBASTIAO
Advogado do(a) APELADO: KELLY CRISTINA JUGNI PEDROSO - SP252225-N
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA. REQUISITO PREENCHIDO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Laudo social evidencia a existência de vulnerabilidade socioeconômica. Parte autora padece de enfermidade psiquiátrica que traz isolamento social e impossibilidade de promover o próprio sustento.
3. Termo inicial do benefício mantido na data do pedido administrativo. Precedentes STJ.
4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
5. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu de ofício corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
