
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0029975-96.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DARCI DE OLIVEIRA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANDRE RICARDO DE OLIVEIRA - SP172851-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0029975-96.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DARCI DE OLIVEIRA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANDRE RICARDO DE OLIVEIRA - SP172851-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 15.08.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial para CONDENAR o INSS a: a) CONCEDER à parte autora o benefício assistencial ao idoso desde a DII em 12/08/2013 (DIB). b) PAGAR à autora as verbas vencidas com juros e correção monetária calculados segundo os parâmetros fixados no capítulo da "Liquidação da Sentença". Os valores atrasados serão oportunamente executados, na forma de requisição ou precatório. Com base no critério da causalidade, ante a sucumbência total do réu, CONDENO o INSS ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios a incidir sobre o valor da condenação em percentual a ser apurado em liquidação (art. 85, §4º, II, do CPC) de acordo com as faixas de valores previstas no art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil. Destaque-se que, nos termos da Súmula 178, do Superior Tribunal de Justiça, o INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual. Registre-se, por fim, que o novo Código de Processo Civil suprimiu o exame de admissibilidade prévio que, na vigência do Código revogado, era exercido pelo juízo de origem no recurso de apelação, por força do que dispõe o art. 1.010, § 3º. Em virtude desta nova sistemática, bem como da edição do Provimento n.º 17/2016 pela egrégia Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, fica a Serventia dispensada do cálculo do preparo. Caso seja interposto recurso, intime-se para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias e, decorridos, remetam-se ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com as nossas homenagens. Nos termos do § 3º, do art. 496, do Código de Processo Civil, desnecessária a remessa de ofício para o duplo grau obrigatório, pois a condenação não atinge o valor de cem salários mínimos. Transitada em julgado, aguarde-se provocação eficaz por um mês. No silêncio, cadastre-se a extinção, com baixa definitiva. Registre-se. Publique-se. Intimem-se.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a nulidade da sentença eis que Extra Petita, aduzindo que: “pleiteou a autora a concessão do benefício de amparo social ao deficiente, posto que quando do ajuizamento da ação estava com 60 anos de idade. Entretanto a r. sentença monocrática julgou procedente o pedido da requerente para conceder benefício de amparo social ao idoso em seu favor com DIB em 12.8.2013, o que se configura juridicamente impossível, já que o benefício de amparo social ao idoso tem como um dos requisitos a idade mínima de 65 anos. Assim, requer-se a nulidade da r. sentença monocrática nos termos do artigo 492 do Código de Processo Civil.”. No mérito, requer a reforma da sentença ao fundamento que não restaram comprovados os requisitos de deficiência de longo prazo e de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício, consoante disposto no §§2º e 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011. Quanto condição de deficiente da parte autora, afirma que: “Observa-se dos autos que não foi realizada perícia judicial a fim de se constatar a existência da alegada deficiência daquela, sendo que o laudo de fis. 18/19, produzido em outro processo no qual requereu a autora benefício diverso, não pode ser acolhido como prova pericial nestes autos. Referida perícia foi realizada em razão de pedido de aposentadoria por invalidez, sendo que não foi oportunizado o contraditório nestes autos, e tampouco restaram respondidos os quesitos formulados em fis. 63 pelo requerido, essenciais para a comprovação da configuração ou não da alegada deficiência da autora. Assim, não restando devidamente comprovada a alegada deficiência da requerente, de rigor a improcedência da ação.”. Acrescenta que o requisito de miserabilidade também não restou preenchido, pois a renda per capita familiar é superior ao limite estabelecido e o laudo social indica que não vive em situação de vulnerabilidade.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0029975-96.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DARCI DE OLIVEIRA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANDRE RICARDO DE OLIVEIRA - SP172851-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
Rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
Da leitura da sentença, prolatada em 15.08.2018, verifica-se o MM. Juiz a quo apreciou a condição de deficiente da parte autora estando afastado o julgamento extra petita. Observa-se em verdade a ocorrência de erro material no dispositivo, que ora, de ofício, corrijo.
Assim onde se lê: “Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial para CONDENAR o INSS a: a) CONCEDER à parte autora o benefício assistencial ao idoso desde a DII em 12/08/2013 (DIB).”
Leia-se: “Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial para CONDENAR o INSS a: a) CONCEDER à parte autora o benefício assistencial para pessoa com deficiência desde a DII em 12/08/2013 (DIB).”
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“2.2 Sobre os impedimentos de longo prazo. No caso, a parte autora alegou ser portadora de impedimentos que lhe obstruem participar em igualdade de condições em sociedade. Realizou-se perícia médico-judicial (fls.18-20) a qual concluiu que a parte autora é portadora de hipertensão arterial e diabetes mellitus e osteoartrose na coluna vertebral que a incapacita para o trabalho braçal. Segundo o perito, a incapacidade laborativa está presente desde 2004.Para a análise da configuração dos impedimentos de longo prazo, como a própria lei determina, deve ser considerada a condição de saúde e física do autor em confronto com as diversas barreiras que enfrenta, obstruem sua participação igualitária na sociedade. A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, por meio da súmula nº. 48, já pacificou que “a incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada”. Em análise da incapacidade para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, a mesma Turma Nacional entendeu que “uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez” (súmula nº. 47). Pode-se aplicar o mesmo entendimento para o benefício assistencial à pessoa portadora de impedimentos de longo prazo, analisando-se as condições pessoais e sociais do postulante. Embora o perito tenha destacado a incapacidade para o trabalho braçal, vê-se que autora conta com idade avançada e baixa escolaridade (estudou apenas 1 ano). Sua vida se deu no campo e atualmente não pode mais desempenhar suas atividades no meio campesino. Essas condições tornam praticamente impossível a sua colocação do mercado de trabalho. Sem condições de se reinserir no mercado de trabalho, entende-se que as limitações físicas constatadas pela perícia médica configuram os impedimentos de longo prazo que autorizam a concessão do benefício assistencial. 2.3 Sobre a situação Socioeconômica (...) Desse modo, pela adoção de uma aplicação analógica, tendo em vista a não revogação da lei, está preenchido o requisito. Isso porque, desconsiderando-se os valores dos benefícios de salário-mínimo percebidos pelo filho da autora, a renda familiar estaria reduzida zero, dividido pelo número de integrantes da família, seria em valor inferior ao limite legal. Adotando-se o entendimento que aumenta o patamar do valor mínimo, com base na interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, a renda per capita permanece igual a meio salário mínimo tido como padrão. Ora, além das ressalvas à apuração do critério objetivo, num grupo familiar composto por dois idosos, cuja fonte de rendimentos se limita um benefício previdenciário de valor mínimo, emerge-se notória a necessidade de assistência do Estado, mormente porque a análise subjetiva das condições de vida demonstra que a miserabilidade se encontra presente, especialmente diante do caso concreto. Numa situação em que uma pessoa depende exclusivamente do benefício previdenciário do esposo, também idoso, para garantir-lhe o sustento; que ostenta limitações físicas decorrentes da idade e de sua condição física; e que não possui rendimentos próprios revela-se notória a presença da miséria em sua vida, sendo, por outro lado, imprescindível e urgente a intervenção do Estado. Ademais, é de se ressaltar que a concessão do benefício aqui pleiteado respeita, ainda, a atuação subsidiária do Estado na seara assistencial, haja vista que nem mesmo a ajuda dos familiares foi suficiente para afastar a situação de risco social e de proporcionar condições que inibam o aviltamento da sua dignidade. Assim, observada a miserabilidade constatada no caso concreto, reputa-se preenchido o requisito socioeconômico, fazendo jus à concessão do benefício.”
Para comprovar a sua condição de deficiente, a parte autora requereu o uso de laudo médico pericial elaborado em ação para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade (auxílio doença/aposentadoria por invalidez).
O mencionado laudo médico pericial, elaborado em 19.03.2011 (ID 87785122 – pág. 20/22) concluiu que: “8-DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Paciente 58 anos, portadora de hipertensão arterial e diabete mellitus e osteoartrose de coluna vertebral. Paciente incapacitada para o trabalho braçal.”. Fixa a data de início da incapacidade em 2004.
Tendo sido produzido em outra ação, ainda que contra a própria autarquia, o uso da prova emprestada deve ser feito somente na impossibilidade de se produzir a prova pericial necessária neste feito.
Anote-se que a incapacidade laboral necessária para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade, nem sempre confirma a condição de deficiente do requerente. A comprovação da existência de deficiência/impedimento de longo prazo abrange uma série de fatores, e não somente a existencial pontual de incapacidade para o trabalho.
Neste feito, contudo, verifica-se que a incapacidade atestada no laudo apresentado, somada às condições sociais apuradas neste feito resulta em deficiência ou incapacidade para as atividades lhe garantam o sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
Nesse sentido, apura-se que a parte autora apresenta baixo grau de escolaridade (semialfabetizada) e idade avançada (60 anos na data da perícia social), o que obsta o desempenho de atividade compatível com suas restrições físicas.
Todavia, não restou comprovada a existência de miserabilidade.
O estudo social (ID 87785122 – pag. 144/153) apresentado em 10.07.2017, revela que a parte autora reside com seu marido em imóvel próprio, de alvenaria, com três quartos, sala, cozinha e banheiro em boas condições. A casa está guarnecida com móveis e eletrodomésticos básicos, contando com: “uma geladeira, um fogão, uma televisão, um micro-ondas, um guarda louça e um balcão de pia: segundo a examinada, ganhou dos filhos. Uma cama em bom estado e alguns colchões que ganhou na época da enchente que ocorreu em janeiro de 2013. Um sofá em bom estado comprado por ela mesma.”
A renda da casa advém da aposentadoria do marido da autora no valor de um salário mínimo (R$ 954,00).
Não foram relatados os valores das despesas essenciais.
A Expert emitiu parecer nos termos que seguem: “PARECER SOCIAL. A requerente e o seu esposo residem em casa própria, sendo ela de alvenaria, inacabada, ou seja, sem reboco e sem forro. Os móveis e eletrodomésticos foram adquiridos através de doação feita pelos filhos e por uma ação comunitária, em virtude da enchente que sofreram em janeiro de 2013. Reside em um bairro onde não há saneamento básico, localizado a quatro quilômetros da cidade de ltaoca, sendo que o meio de transporte que possuem é um ônibus de linha, tendo que se deslocar de sua casa até a rodovia (cerca de um quilômetro de distância). A requerente faz uso de medicamentos, como anti-hipertensivos, diabetes, anticonvulsivos e para osteoporose, alguns são doados pela prefeitura do município onde reside e outros precisa comprar. Relatou, também, fazer tratamento médico mensal em outra cidade com especialistas. Seu esposo também faz uso de remédio para hipertensão. A requerente relatou ter dor no membro inferior esquerdo após um trauma que sofreu e ficou com sequelas. Apesar de a requerente realizar os afazeres domésticos, ela encontra dificuldade para ficar em pé, devido às fraquezas nos ossos (osteoporose). Atualmente a renda familiar é de um salário mínimo, auferido pelo esposo da requerente através de sua aposentadoria. É dessa renda que a família tira o seu sustento, o que incluiu alimentação, a compra de alguns medicamentos, conta de luz, gás, entre outras despesas. Todas as informações fornecidas foram colhidas verbalmente, com exceção dos medicamentos que utiliza no dia a dia.”
Consta ainda que:
- a parte autora recebe apoio da família;
- no bairro em que a parte autora reside, todos os moradores são da familiares (tios e primos);
- a autora faz parte da comunidade da igreja católica e ajuda nas festividades, não possuindo limitação para relações interpessoais;
- a parte autora recebe medicamentos da prefeitura para hipertensão, diabetes mellitus e o seu esposo que mantém a alimentação;
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência não constitui, por si só, óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, apura-se que a parte autora encontra abrigo em imóvel próprio que apresenta boas condições, e conta com rendimento formal, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica.
O laudo social indica ainda que a autora está amparada por familiares que em caso de urgência prestam auxílio, e que possui filhos com vida independente, mas que em caso de urgência guardam o dever de socorrê-la, como de fato o fazem.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há relato de que as necessidades básicas da autora não estejam sendo supridas. O laudo social não informa a existência de miserabilidade ou mesmo hipossuficiência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o § 6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Diante do exposto, de ofício, corrijo erro material contido no dispositivo da sentença, rejeito a preliminar de nulidade arguida pelo INSS e, no mérito, DOU PROVIMENTO à sua apelação, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DES. FED. INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de ação visando a concessão do benefício assistencial, julgada procedente em primeira instância.
Apela a autarquia sob o argumento de que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, imprescindivel à concessão do benefício.
O I. Relator deu provimento à apelação da autarquia, para revogar a tutela antecipada anteriormente concedida e para reformar a r.sentença, por considerar que de fato, o requisito da miserabilidade não foi preenchido no caso em voga.
Ouso discordar em parte, respeitosamente.
O núcleo familiar, no caso em exame, é formado pela requerente e por seu marido. Ainda que vivam em casa própria, o fato é que a única fonte de renda do casal é a aposentadoria recebida pelo esposo, idoso, no importe de um salário mínimo.
Deve ser aplicado ao caso, por analogia, o previsto no artigo 34 do Estatuto do Idoso, não podendo se considerar a aposentadoria percebida para o cômputo da renda per capita do núcleo analisado. Conclui-se portanto, que a renda per capita é zero. Comprovada a miserabilidade da requerente, por consequência faz jus ao benefício pretendido.
Há de se observar ainda que o fato da requerente residir num bairro onde todos tem parentesco, mas vidas independentes, não desnatura seu direito ao benefício. Ainda que a família tenha o dever moral de se assistir em caso de necessidade, na prática, não há qualquer garantia de que isso ocorra. Não compõem o núcleo analisado e possuem seus próprios núcleos, comprometendo a renda percebida para sustentá-los.
A Requerente não pode ser penalizada com a retirada do benefício, apenas pela hipotética possibilidade de receber auxílio dos familiares, ainda mais num momento tão dificil como o que assola nosso país e o mundo: além da própria pandemia, do risco constante de adoecer, todos os cidadãos são obrigados a lidar com a grave crise econômica consequente, agravando-se ainda mais a miserabilidade dos mais carentes.
Diante do exposto, acompanho o I. Relator quanto a rejeição da preliminar de nulidade da sentença e quanto a correção do erro material em seu dispositivo e, no mérito, comprovados os requisitos para a percepção do benefício assistencial, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação da autarquia, mantendo a r.sentença por seus próprios fundamentos.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0029975-96.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DARCI DE OLIVEIRA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANDRE RICARDO DE OLIVEIRA - SP172851-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Não ocorrência de julgamento extra petita. Trata-se de erro material contido no dispositivo da sentença. Sentença corrigida, de ofício, para fazer consta a concessão de benefício assistencial para pessoa com deficiência.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Conjunto probatório indica a existência de restrições físicas que constituem impedimento para atividades que lhe garantam o sustento.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
5. Benefício assistencial indevido.
6. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
7. Sentença corrigida de ofício. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DE OFÍCIO, CORRIGIR ERRO MATERIAL CONTIDO NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA, REJEITAR A PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELO INSS E, NO MÉRITO, POR MAIORIA, DAR PROVIMENTO À SUA APELAÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO E O DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI, VENCIDOS A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA E O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO QUE NEGAVAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTARQUIA. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O RELATOR, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
