
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018556-74.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDEVALDO PATROCINIO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO PORTO SIMOES - SP307756-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018556-74.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDEVALDO PATROCINIO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO PORTO SIMOES - SP307756-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 07.12.2017, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para condenar o INSS a pagar ao autor EDVALDO PATROCÍNIO DOS SANTOS o benefício de assistência social no valor de um salário mínimo por mês, com DIB correspondente ao requerimento administrativo (fls. 17- 29/01/2016). As parcelas vencidas deverão ser pagas de uma só vez. As prestações vencidas serão corrigidas monetariamente a partir do mês da respectiva competência (Súmulas TRF3/8 e STJ/148), devendo ser pagas de uma só vez. A correção será pelo IPCA-E, nos termos da modulação do E. STF no julgamento da ADIN 4357, Relator o Ministro Ayres Britto. Incidirão juros legais de mora de 1% ao mês a contar da citação. O INSS é isento de custas. Pela sucumbência, condeno o INSS a pagar verba honorária ao advogado da autora que arbitro em 12% das prestações vencidas até hoje (Súmula STJ/111), permitindo que, em caso de eventual recurso, o Tribunal fixe verba honorária adicional, nos termos do art. 85, §11 do CPC (a condenação em verba honorária de 10% fica reservada para os casos de revelia).P.R.I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a nulidade da sentença ante a ocorrência do cerceamento de defesa, face ao indeferimento do seu pedido de complementação do laudo social. Afirma que há necessidade de “apresentação da certidão de casamento, bem como oitiva do dono da propriedade na qual o autor trabalha, objetivando constatação do estado civil do autor (se possui companheira), bem como dos valores efetivamente recebidos a título de contraprestação dos serviços prestados". No mérito, pugna pela reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a reforma do julgado no tocante ao termo inicial do benefício e critérios de juros e correção monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018556-74.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDEVALDO PATROCINIO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO PORTO SIMOES - SP307756-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pelo INSS.
Da leitura do procedimento administrativo carreado aos autos (ID 87777225 – pag. 88/119) extrai-se que no momento do pedido administrativo o autor declarou-se divorciado, e tal afirmação encontra amparo na cópia da certidão de nascimento do autor, na qual consta que em 2008 houve separação judicial.
Por sua vez, o relatório social informa que o autor vive sozinho em imóvel cedido.
No mais, o laudo social descreve minuciosamente a vida socioeconômica do autor, não havendo que se falar em complementação do laudo ou mesmo produção de prova testemunhal.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“O estudo social constatou que o autor mora sozinho e ganha R$150,00 mensais. É irrelevante o argumento do réu de que o rendimento do autor seja igual ou superior a 1/4 do salário mínimo, pois, no julgamento da RCL 4374 e dos REs 567985 e 580963, o E. STF reconheceu "a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, sem pronúncia de nulidade, mantendo sua vigência até 31 de dezembro de 2014" (RE 567.985), prazo em que o Congresso Nacional poderá estabelecer outro critério para a concessão do amparo social. Conforme decidido pelo E. STF em tais processos, a renda familiar per capita mensal de um quarto do salário mínimo era critério válido até 31.12.2014.Não sendo mais constitucional a regra do art. 20, §3º, da LBPS, deve-se avaliar o caso concreto, isto é, os rendimentos da parte e suas necessidades para que possa levar uma vida digna. A renda mensal de R$150,00 implica numa renda diária de pouco mais de R$5,00por dia, notoriamente insuficiente para que uma pessoa possa levar uma vida digna, especialmente no caso do autor que é idoso, portanto, com mais dificuldades, além dos normais gastos que ele deve ter com medicamentos, entre outros. Diante disso, fica provado que o autor faz jus ao benefício de amparo social, pois é idoso e seus rendimentos são insuficientes para manter seu sustento para que leve uma vida digna, além do que ele não pode ter esse sustento provido pela família, tudo isso levando à procedência do pedido.”
Por sua vez, o estudo social (ID 87777225 – pág. 66/68), elaborado em 15.07.2017, revela que a parte autora vive sozinho em imóvel cedido por amiga em um sítio. Trata-se de construção de alvenaria, simples, velha, sem forro, servido de luz e água (fornecida através de bomba). O autor usa fogão de lenha para cozinhar e as condições para moradia são ruins. Possui um veículo modelo Belina ano 1980.
Quanto à condições socioeconômicas do autor, costa que “Conforme relato o autor recebe R$150,00 (cento e cinquenta reais) mensal para olhar e ajudar a tratar do gado (30 cabeças) do seu amigo conhecido por apelido Esquerdinho", não apresentou comprovante, não recebe valores pagos por programas assistenciais. Informa que o gado fica na propriedade da Sra. Zoraide Monfeiro, onde mora em casa cedida gratuitamente pela proprietária.”. informa que a Sra. Zilda (pessoa conhecida há muitos anos) que reside em São Jose do Rio Preto, custeia os medicamentos.
Acerca da manutenção das despesas do autor consta que, conforme relato, o autor recebe ajuda do seu amigo “Esquerdinha” com alimentos (arroz, feijão, leite e pão), a conta de luz a proprietária do sítio custeia, os medicamentos, a Sra. Zilda está custeando e gasta em torno de R$ 30,00/mês com combustível. Informa que usa o cavalo da propriedade para andar.
Evidencia-se a existência de vulnerabilidade socioeconômica da parte autora, eis que sobrevive com renda incerta, dependendo do auxílio de terceiros para sobreviver.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, demonstrada a vulnerabilidade socioeconômica e hipossuficiência da parte autora, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Quanto ao termo inicial da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.
Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo efetuado em 29.01.2016 (ID 87777225 – pag. 18), é nesta data que deve ser mantido o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.
As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Diante do exposto rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pelo INSS e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à sua apelação para reformar a sentença no tocante aos critérios de juros e correção monetária, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018556-74.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDEVALDO PATROCINIO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO PORTO SIMOES - SP307756-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO PREENCHIDO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Desnecessidade de complementação do laudo social e produção de outras provas. Conjunto probatório suficiente para o deslinde da lide.
2. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
4. Termo inicial do benefício mantido na data do pedido administrativo. Precedentes STJ.
5. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
6. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a questão preliminar arguida pelo INSS e no mérito dar parcial provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
