Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5188503-07.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/10/2020
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5188503-07.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EVANIR TADEU PERES
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN ROBERTA DE OLIVEIRA TOURO - SP192636-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5188503-07.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EVANIR TADEU PERES
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN ROBERTA DE OLIVEIRA TOURO - SP192636-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5188503-07.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EVANIR TADEU PERES
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN ROBERTA DE OLIVEIRA TOURO - SP192636-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 05.09.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: “Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, I, CPC, julgo extinto o
processo com resolução de mérito e ACOLHO o pedido formulado na inicial para condenar o
Instituto Nacional do Seguro Social a pagar ao autor o benefício consistente em amparo
assistencial, no valor de um salário mínimo por mês. Sucumbente, arcará o requerido com as
custas processuais (Súmula 178 do STJ) e com a verba honorária, que fixo em 10% sobre o valor
das parcelas vencidas, considerando-se como tais as compreendidas entre o termo inicial do
benefício e a data da prolação da sentença, salvo as isenções legais. Sentença não sujeita ao
reexame necessário, tendo em vista o disposto no art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo
Civil. Oportunamente, com o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, remetam-se os
autos ao arquivo, com as cautelas de praxe. P.I.C. Sentença Registrada Eletronicamente.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a reforma da sentença ao fundamento que
não restaram comprovados os requisitos de deficiência de longo prazo e de miserabilidade da
parte autora a amparar a concessão do benefício, consoante disposto no §§ 2º e 3º do artigo 20
da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011. Subsidiariamente, pleiteia a
reforma do julgado no tocante aos critérios de atualização do débito.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5188503-07.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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Advogado do(a) APELADO: MIRIAN ROBERTA DE OLIVEIRA TOURO - SP192636-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação do INSS.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula
nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a
vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos nas perícias médica e social, produzidas por peritos do
Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade e deficiência
necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Realizada perícia médica, o expert concluiu que o autor é portador de nefropatiagrave
sintomático realizando hemodiálise. Veio o estudo social, informando que “os genitores do autor
são idosos, portadores de enfermidades e aposentados, recebendo cada um deles um salário
mínimo mensal. As informações apontam que a família enfrenta dificuldades financeiras, devido
às despesas mensais que possuem, principalmente com medicamentos. Evanir vive na
companhia dos genitores, sendo o imóvel de propriedade do casal de idosos, o qual apresenta
condições simples de estrutura, conservação e acomodação”. No caso em apreço, além da
incapacidade para o trabalho, a hipossuficiência restou comprovada, eis que, o autor não possuí
renda e os valores auferidos pelos seus genitores são insuficientes para cobrir as despesas,
restando demonstrado que sobrevive com dificuldades. (...) Dessa maneira, ainda que a entidade
familiar do autor tivesse renda mensal per capita superior a ¼ do salário mínimo, a prova colhida
demonstra a situação excepcional de miserabilidade e a insuficiência dos rendimentos dos
genitores dele para a manutenção da família, fazendo jus, portanto, ao benefício pleiteado na
inicial. Assim, tendo comprovado tratar-se de pessoa totalmente incapacitada para o trabalho e a
situação de miserabilidade, à luz das decisões referidas, em conjunto com os demais dispositivos
da Constituição Federal de 1988, uma vez que não possui condições de manter seu próprio
sustento nem de tê-lo provido por sua família, de rigor seja concedido o benefício.”
Quanto à condição de deficiente da parte autora, o laudo médico pericial (ID 28773774),
elaborado em 28.09.2017, revela que o autor, com 54 anos de idade no momento da perícia, é
portador de nefropatia grave e concluiu que: “CONCLUSÃO. Atualmente é portador de nefropatia
grave sintomático realizando hemodiálise. Apresentando nefropatia da fase 4 e 5 (insuficiência
renal moderada) são enquadradas como Nefropatia Grave quando acompanhadas de sinais e
sintomas que determinem a incapacidade laborativa total e permanente do examinado. O
transplante renal pode ser indicado é considerado a mais completa alternativa de substituição da
função renal. Tendo como principal vantagem a melhor qualidade de vida, pois o transplante renal
garante mais liberdade na rotina diária do paciente. Considerei data do atestado médico DID E DII
21/08/2015.”
Depreende-se da leitura do laudo que a parte autora está acometida de patologias que resultam
em deficiência ou incapacidade para as atividades que lhe garantam o sustento, no sentido
exigido pela legislação aplicável à matéria.
Todavia, não restou comprovada a existência de miserabilidade.
O estudo social (ID 287737769), elaborado em 02.02.2018, revela que a parte autora reside com
seus pais em imóvel que a eles pertence, de alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha, dois
banheiros e garagem com modestas condições de estrutura, conservação e acomodação. A casa
está adequadamente guarnecida com equipamentos domésticos, simples e em condições
razoáveis de uso.
Declararam que a renda da casa advém das aposentadoria dos pais do autor, no valor de um
salário mínimo cada (R$ 954,00), totalizando R$ 1.908,00.
Relataram despesas com alimentação (R$ 750,00), água (R$ 90,00), energia elétrica (R$ 140,00),
gás (R$ 70,00), medicamentos (R$ 600,00) e telefone (R$ 110,00), perfazendo total de R$
1.760,00.
Reportaram a existência de dificuldades financeiras, principalmente em razão dos elevados
gastos com medicamentos.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiros, da leitura do estudo social não se
extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, verifica-se que autor encontra abrigo em
imóvel que pertence aos pais, e o grupo familiar conta com rendimento formal que supre as
despesas relatadas, não havendo indícios de que suas necessidades básicas não estejam sendo
supridas.
Especialmente acerca da renda familiar, embora tenham informado que o pai do autor recebe
aposentadoria no valor de um salário mínimo, o extrato do sistema CNIS/PLENUS (ID 28773776)
indica que em 02/2018 auferia R$ 2.084,31, valor significativamente superior ao salário mínimo
vigente à época.
No mais, consta que o autor possui cinco filhos com vida independente, mas que guardam o
dever legal de socorrê-lo em caso de necessidade.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido
inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5188503-07.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EVANIR TADEU PERES
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN ROBERTA DE OLIVEIRA TOURO - SP192636-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
