Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001810-46.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/07/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/08/2020
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001810-46.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO MANGABEIRA DA ANUNCIACAO
Advogado do(a) APELADO: KEULLA CABREIRA PORTELA - MS10019-A
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES REJEITADAS. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PERDA
DO OBJETO. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA
SOCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO PREENCHIDO. TERMO INICIAL
DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA
FEDERAL.
1. Preliminar de falta de interesse de agir rejeitada. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
apresentou contestação, o que caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à
lide. RE 631.240/MG. Acrescenta-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito,
tendo sido julgada procedente a pretensão da parte autora com a concessão do benefício
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pretendido. Incabível a exigência do prévio requerimento administrativo nesta fase processual,
posto que mais do que constituída a lide e já foi declarado o direito.
2. Preliminar de perda de objeto da ação rejeitada. A concessão administrativa do benefício no
curso do processo não constitui perda do objeto ante a necessidade de averiguar-se o direito a
parcelas anteriores à concessão administrativa.
3. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
5. Termo inicial do benefício mantido na data da citação. Precedentes STJ.
6. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
7. Sentença corrigida de ofício. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001810-46.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO MANGABEIRA DA ANUNCIACAO
Advogado do(a) APELADO: KEULLA CABREIRA PORTELA - MS10019-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001810-46.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO MANGABEIRA DA ANUNCIACAO
Advogado do(a) APELADO: KEULLA CABREIRA PORTELA - MS10019-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 28.11.2016, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistencial à parte autora conforme
dispositivo que ora transcrevo: “Posto isso, julgo procedente o pedido para condenar o INSS ao
pagamento do benefício de prestação continuada, na forma do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93,
com implantação desde a data de citação, em 02/09/2009, devendo, por óbvio serem
descontados do pagamento todos os meses subsequentes ao mês de dezembro/2009, ocasião
em que o instituto, em via administrativa, implantou o benefício ao autor (fls. 231).”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente o
reconhecimento da falta de interesse de agir ante a ausência de pedido administrativo e da perda
do objeto face à concessão administrativa de benefício assistencial no curso do processo. No
mérito, pugna pela improcedência do pedido, alegando para tanto que não restou preenchido o
requisito de miserabilidade. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença para que o termo
inicial do benefício seja fixado a partir da data do estudo social, e que os critérios de juros e
correção monetária sejam fixados de acordo com o art. 1º F da Lei 9494/97 com a redação dada
pela Lei n. 11.960/2009.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001810-46.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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Advogado do(a) APELADO: KEULLA CABREIRA PORTELA - MS10019-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação do INSS.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Rejeito as preliminares arguidas pelo INSS.
Da falta de interesse de agir.
O art. 5º, XXXV, da Constituição, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção
dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito. Contudo, essa garantia fundamental não
deixa de trazer em si a exigência da existência de uma lide, justificando a atuação do Poder
Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como
interesse de agir (necessidade e utilidade da intervenção judicial).
Existindo lide (provável ou concreta), é perfeitamente possível o acesso direto à via judicial, sem
a necessidade de prévio requerimento na via administrativa.
Contudo, em casos nos quais a lide não está claramente caracterizada, vale dizer, em situações
nas quais é potencialmente possível que o cidadão obtenha a satisfação de seu direito perante a
própria Administração Pública, é imprescindível o requerimento na via administrativa, justamente
para a demonstração da necessidade da intervenção judicial e, portanto, do interesse de agir que
compõe as condições da ação. Imprescindível, assim, a existência do que a doutrina processual
denomina de fato contrário, a caracterizar a resistência à pretensão do autor.
Deveras, de acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta Corte Regional,
tratando-se de ação de cunho previdenciário, ainda que não se possa condicionar a busca da
prestação jurisdicional ao exaurimento da via administrativa, tem-se por razoável exigir que o
autor tenha ao menos formulado um pleito administrativo - e recebido resposta negativa - de
forma a demonstrar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário ante a configuração de
uma pretensão resistida.
Conclui-se, assim, pela aplicação aos segurados da exigência de prévia provocação da instância
administrativa para obtenção do benefício e, somente diante de sua resistência, viabilizar a
propositura de ação judicial.
Aliás, é nesse sentido a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário
631.240/MG, com repercussão geral reconhecida:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art.
5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver
necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se
caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou
se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio
requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento
da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.
4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício
anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação
mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender
da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez
que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da
pretensão.
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo
Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em
curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que
tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o
seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de
anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha
apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à
pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas,
observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30
dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será
intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia
deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for
acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis
ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir
e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial
deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para
todos os efeitos legais.
9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para
determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega
ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de
extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias,
colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada
do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será
comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir." (Tribunal Pleno,
Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 10/11/2014)
Contudo, nas ações ajuizadas em data anterior à essa decisão, há que se observar as regras de
transição nele estabelecidas.
No caso, o feito foi ajuizado em 06.08.2009, data anterior ao julgamento do paradigma de
repercussão geral. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, citado em 02.09.2009,
apresentou contestação, o que, consoante a modulação de efeitos ali consignada, caracteriza o
interesse de agir consubstanciado na resistência à lide.
Ademais, verifica-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito, tendo sido
julgada procedente a pretensão do autor com a concessão do benefício pretendido. Desta forma,
ainda que não tenha havido o requerimento administrativo prévio, que em um primeiro momento
poderia se caracterizar como um impeditivo para o prosseguimento do feito, nesta fase
processual não se mostra aceitável a sua exigência, posto que mais do que constituída a lide, já
foi declarado o direito.
Da perda do objeto.
Nota-se que o feito foi ajuizado em 06.08.2009 e que o benefício assistencial foi concedido
administrativamente em 03.12.2009, pelo que remanesce o interesse processual, ante a
necessidade de apurar-se a existência parcelas devidas entre o ajuizamento da ação e a
concessão administrativa do benefício.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso, restou comprovado, por meio do laudo pericial médico e do estudo social, que o autor
não detém condições para o exercício do trabalho regular, pois é portador de doenças crônicas,
além de não ter nenhuma qualificação profissional que pudesse levá-lo à inserção no mercado de
trabalho. O benefício da prestação continuada, inserido em nossa Carta Política de 1988, tem
como principal escopo a minimização das diferenças sociais, das quais são, principalmente,
acometidos os deficientes físicos e os idosos. Desta feita, somado aos laudos técnicos favoráveis
à concessão do benefício, percebe-se pelas provas dos autos que o autor não possui a menor
condição de prover o seu sustento, necessitando habitualmente da ajuda de seus filhos (fls. 215).”
Por sua vez, o estudo social (ID 1840532 – pág. 45/48), elaborado em 12.03.2015, revela que a
parte autora reside com sua esposa e uma filha na fazenda onde filho trabalha. Trata-se de
construção de alvenaria, com três quartos, sala, cozinha, despensa, banheiro, área de serviço e
varanda. O filho mora com sua esposa em outro imóvel, localizado a poucos metros da casa do
autor.
Informa que a renda da casa advém do benefício assistencial que o autor recebe no importe de
um salário mínimo (R$ 788,00), e que o filho do autor recebe salário no valor de R$ 1.300,00.
Relataram que não pagam pela habitação, nem pelo consumo de água e luz, mas estão
preocupados pois o filho está de aviso prévio e precisarão se mudar.
A Expert emitiu parecer apontando a existência de vulnerabilidade socioeconômica ante a
incapacidade laboral do autor, e a falta de políticas publicas para eventual reinserção do mercado
de trabalho.
Da leitura do laudo social extrai-se que o grupo vive em imóvel cedido por empregador do filho do
autor, e assim a condição de desemprego leva necessariamente a ausência de abrigo para a
família. A falta de rendimento e de moradia demonstra a existência de situação de extrema
fragilidade, que aliada às precárias condições de saúde do autor e ao baixo nível de escolaridade
do grupo demonstram a existência de hipossuficiência/miserabilidade.
Vale a pena observar que em 02.12.2009 houve concessão administrativa do benefício
assistencial, o que indica que naquele momento o autor preenchia os requisitos necessários para
a concessão da benesse.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e, demonstrada a vulnerabilidade socioeconômica e hipossuficiência da parte autora, de
rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Quanto ao termo inicial da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do
benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na
data da citação.
Nesta seara, ausente o requerimento administrativo, o termo inicial do benefício assistencial
concedido neste feito deve ser mantido na data da citação.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do
entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de
repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp
1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de
Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da
conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à
TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que
objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia
prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito,
rejeito as preliminares arguidas pelo INSS e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à sua apelação,
nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001810-46.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO MANGABEIRA DA ANUNCIACAO
Advogado do(a) APELADO: KEULLA CABREIRA PORTELA - MS10019-A
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES REJEITADAS. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PERDA
DO OBJETO. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA
SOCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO PREENCHIDO. TERMO INICIAL
DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA
FEDERAL.
1. Preliminar de falta de interesse de agir rejeitada. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
apresentou contestação, o que caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à
lide. RE 631.240/MG. Acrescenta-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito,
tendo sido julgada procedente a pretensão da parte autora com a concessão do benefício
pretendido. Incabível a exigência do prévio requerimento administrativo nesta fase processual,
posto que mais do que constituída a lide e já foi declarado o direito.
2. Preliminar de perda de objeto da ação rejeitada. A concessão administrativa do benefício no
curso do processo não constitui perda do objeto ante a necessidade de averiguar-se o direito a
parcelas anteriores à concessão administrativa.
3. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
5. Termo inicial do benefício mantido na data da citação. Precedentes STJ.
6. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
7. Sentença corrigida de ofício. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu de ofício corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito
rejeitar as questões preliminares arguidas pelo INSS e no mérito negar provimento à sua
apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
