
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006091-67.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA HELENA TEIXEIRA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: SANDRA REGINA DA SILVA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RODRIGO TREVIZANO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006091-67.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA HELENA TEIXEIRA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: SANDRA REGINA DA SILVA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RODRIGO TREVIZANO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 13.10.2016, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora "a partir da data da citação, no valor correspondente a um salário mínimo mensal. As prestações vencidas serão acrescidas de correção monetária, mês a mês, desde a data dos respectivos vencimentos, bem como de juros de mora, nos termos da lei (artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a nova redação dada pela Lei 11.960/2009), a partir da citação. Por força do princípio da sucumbência, arcará o Instituto réu com o pagamento das custas das quais não seja isento, bem como com honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do montante da condenação, monetariamente atualizado até a data do efetivo pagamento, excluídas as parcelas vincendas (Súmula 111 do STJ).Ciência ao Ministério Público.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a extinção do feito sem julgamento do mérito por falta de interesse da agir, ante a falta de prévio requerimento administrativo. No mérito, pugna pela improcedência do pedido eis que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão do benefício, posto que a renda per capita familiar supera o limite legal. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício.
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006091-67.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA HELENA TEIXEIRA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: SANDRA REGINA DA SILVA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RODRIGO TREVIZANO
V O T O
Inicialmente, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (09.09.2015 - citação), seu valor e a data da sentença (13.10.2016), que o valor total a condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015.
Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a questão preliminar arguida pelo INSS.
Conforme extrato do sistema CNIS trazido aos autos pela autarquia com a contestação (ID 87571669 – pag. 46), verifica-se que parte autora requereu o benefício assistencial administrativamente três vezes. O documento ID 87571669 - pag. 24, indica ainda que a parte autora fez requerimento administrativo de benefício assistência em 26.03.2015, não havendo que se falar em falta de interesse se agir.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Com efeito, a prova pericial realizada comprovou ser a autora portadora de doença mental crônica, grave, incurável, o que a torna totalmente incapaz para o trabalho, consoante laudo de fls. 70/72.Ressalte-se que o réu não apresentou qualquer prova visando infirmar essa conclusão pericial, resultando, portanto, incontroversa nos autos. Outrossim, não logrou, também, o réu carrear aos autos qualquer prova que infirmasse o relatório social realizado (fls. 88/92) ou a presunção da autora necessitar do benefício em questão. E, ainda que assim não fosse, de mais a mais, reputo inconstitucional a exigência contida no artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93, no sentido de que a o benefício assistencial somente seja deferido a pessoa cuja renda mensal familiar seja inferior a um quarto do salário mínimo. É que dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, insculpidos no artigo 1o., da Constituição Federal, encontra-se o da dignidade humana. Neste diapasão, exsurge hialino que a exigência contida na Lei n.º 8.742/93 não pode prevalecer, pois ofende frontalmente ao princípio da dignidade da pessoa humana, agasalhado constitucionalmente, inviabilizando a implementação do dispositivo constitucional, tornando-o totalmente inócuo e inoperante, o que é inadmissível. Válido, nestes termos, transcrever a seguinte ementa jurisprudencial: “É inconstitucional a norma contida no artigo 20 da Lei n.º 8.742/93, que impõe a necessidade de comprovação de que a renda própria ou familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo”(TRF 3a. Região AC 03068000-96, Rel. Juiz Aricê Amaral).Insta salientar, por oportuno, que não há necessidade de cumprimento do período de carência, visto que o benefício tem natureza assistencial, nos termos do artigo 203, da Constituição Federal, combinado com o artigo 20 da Lei 8.742/93.Portanto, a autora preenche os requisitos legais e faz jus à percepção do benefício de prestação continuada objeto destes autos, cujo termo a quo será a data da citação, data em que a autarquia entrou em mora, porquanto o laudo pericial indica que a doença é adquirida e não congênita (fl. 72, resposta quesito 2, do INSS), porém, não aponta que na ocasião do pleito administrativo a autora já era portadora da doença.”
Por sua vez, o estudo social elaborado em 19.05.2016 (ID 87571669 – pag. 90/93), revela que a autora vive com sua irmã (curadora) e a mãe, em imóvel próprio.
Informa que a renda da casa advém da pensão que a mãe da autora recebe no valor de um salário mínimo (R$ 880,00).
Não foram informados os valores das despesas.
A Expert emitiu parecer nos termos que seguem: “Na visita domiciliar, foi constatado que a requerente é uma senhora com debilitações, tendo vários problemas de saúde, sem condição mental de trabalhar, vale ressaltar ainda que conforme se depreende dos documentos médicos, a Autora da presente ação apresenta esquizofrenia, sendo direito o benefício a que faz jus a autora, está previsto na Lei 8.742/93, artigo 20, que dispõe que "O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família", sem condições de obter uma atividade laborativa, sobrevivendo apenas da pensão de sua genitora Sra. Benedita, sendo que precisa de uma renda para suprir suas necessidades ou para eventuais emergências.”
Depreende-se da leitura do estudo social que a parte autora padece de patologias psiquiátricas que trazem isolamento social e vulnerabilidade socioeconômica, eis que impossibilitada de promover seu sustento.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, evidenciada a existência de vulnerabilidade socioeconômica no laudo social, de rigor a manutenção da sentença de procedência parcial do pedido por seus próprios fundamentos.
Quanto à data de início da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.
Nesta seara, tratando-se de interesse de incapaz, e constatada a existência de requerimento administrativo em 26.03.2015 – ID 87571669 – pag. 24, é nesta data que deve ser fixado, de ofício, o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal do INSS, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, fixo o termo inicial do benefício e corrijo a sentença para estabelecer os critérios de atualização do débito, rejeito a questão preliminar arguida pelo INSS e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à sua apelação, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006091-67.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA HELENA TEIXEIRA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR REJEITADA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. FIXAÇÃO DE OFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar de extinção do feito sem julgamento do mérito por falta de interesse de agir ante a ausência de prévio requerimento administrativo, rejeitada. Consta nos autos que a parte autora requereu o benefício assistencial administrativamente três vezes.
2. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
3. Laudo social evidencia a existência de vulnerabilidade socioeconômica. Parte autora padece de enfermidade psiquiátrica que traz isolamento social e impossibilidade de promover o próprio sustento.
4. Termo inicial do benefício fixado, de ofício, à vista de interesse de incapaz, na data do pedido administrativo ocorrido em 26.03.2015. Precedentes STJ.
5. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
6. Sucumbência recursal do INSS. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
7. Sentença corrigida de ofício. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu de ofício fixar o termo inicial do benefício e os critérios de atualização do débito rejeitar a questão preliminar e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
