
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018823-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DAS DORES PEREIRA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GORETE FERREIRA DE ALMEIDA - SP287848-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018823-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DAS DORES PEREIRA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GORETE FERREIRA DE ALMEIDA - SP287848-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 10.01.2018, julgou procedente o pedido conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, resolvendo o mérito da ação nos termos do artigo 487, inciso I, CPC/15, para condenar o Réu a pagar à Autora o benefício assistencial de prestação continuada (CF, 207, V c.c. art. 20 da Lei 8.742/93), no valor de 01 (um) salário mínimo, a partir da data de citação, observada a prescrição quinquenal. As prestações atrasadas deverão ser pagas em parcela única, sendo: a) Os juros de mora, contados desde a citação conforme a seguinte sistemática 1) no patamar de 0,5% ao mês, nos termos dos arts. 1062 do Código Civil de 1916 e 219 do Código de Processo Civil até a entrada em vigor do Novo Código Civil, ou seja, até 11/01/2003; 2) a partir desta data, juros de 1% ao mês, de acordo com o artigo 406 do novo Código Civil c.c. artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, até 30/06/2009 (quando entrou em vigora Lei nº 11.960/09); 3) a partir disso, juros moratórios calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do disposto no art. 1º - F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009. b) Correção monetária, sobre as prestações em atraso, desde as respectivas competências, da seguinte forma 1) pelo INPC, a partir de 11/08/2006 até 30/06/2009,conforme art. 31, da Lei nº 10741/2003, c.c. o art. 41-A, da Lei nº 8.213/91 (redação dada pela MP 316/06 convertida na Lei nº 11.340, de 26/12/2006); 2) após 30/06/2009, com base no índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 2503/2015; 3) após 25/03/2015, Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), de acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal em questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425. Isento o vencido do pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93.Sucumbente, CONDENO a requerida ao pagamento dos honorários advocatícios na importância de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data desta sentença (súmula 111 do STJ), ficando isenta das custas e despesas processuais, conforme dispõe o artigo 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.Apesar do valor da condenação não ser líquido (súmula 490 do STJ), desnecessário o reexame de ofício, tendo em vista que não atinge o patamar previsto no artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil. Transitado esta em julgado, nada mais sendo requerido, remetam-se os autos ao arquivo, depois de feitas as devidas anotações e comunicações. P.R.I.”
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de miserabilidade. Nesse sentido argumenta que a renda per capita familiar é superior ao limite legal. Subsidiariamente, requer a redução da verba honorária e a isenção de custas.
Com contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018823-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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APELADO: MARIA DAS DORES PEREIRA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GORETE FERREIRA DE ALMEIDA - SP287848-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não conheço da apelação do INSS no que se refere ao pedido de isenção de custas, ante a ausência de interesse recursal.
No mais, conheço do recurso
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base no conjunto probatório apresentado, tendo se convencido restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Quanto à condição de miserabilidade, consta no relatório social que a única rendada autora advém apenas do salário mínimo que seu cônjuge percebe a título de aposentadoria. No mais, segundo a assistente social tal valor é direcionado a alimentação e gastos com medicamentos quando não fornecidos por posto de saúde. Como se percebe, a Autora integra grupo familiar que apresenta precárias condições econômicas, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social. Ademais, as disposições do art. 20, §3º, da Lei n.º 8.742/93, não devem ser aplicadas de forma cega, sem considerar as circunstâncias do caso concreto. Vale mencionar que no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n°. 1112557/MG, o STJ assentou que, em prol do princípio da dignidade da pessoa humana, não se mostra plausível considerar como prova da miserabilidade tão somente o valor da renda per capita familiar, devendo o magistrado apreciar por outros meios a condição de hipossuficiência para fins de concessão de benefício pleiteado. In verbis: (...) Dessa maneira, ainda que constatada uma renda mensal per capta superior a ¼ do salário mínimo, não se deve ignorar as informações contidas no Estudo Social, as quais evidenciam o estado de miserabilidade em que se encontra a Autora. Acerca do estabelecimento comercial que o cônjuge da autora possuiu, com baixa na data de 14/07/2017 (fl.151), não vislumbro quaisquer óbices para a concessão do benefício. Todavia, diante da ausência de provas acerca da renda familiar per capita na data do requerimento administrativo, estabeleço o termo inicial do benefício na data da citação.”
Por sua vez, o estudo social, elaborado em 18.10.2016 e complementado em 25.07.2017 (ID 87816332 – pag. 30/33 e 151), revela que a parte autora vive com seu marido em imóvel cedido pelo irmão do marido, de alvenaria, com “03 quartos, 1 cozinha, 1 banheiro, com condições dignas de habitação, estando está limpa e organizada no momento da visita, a residência possui rede de energia elétrica, água, possui poucos móveis como: geladeira, fogão, televisão, cama, microondas, armário de cozinha, tanquinho, cômoda, mesa com cadeiras que já estava na casa, pertinentes a uma casa sem luxo, não possui veículo próprio.”
A renda da casa advém da aposentadoria do marido da autora no valor de um salário mínimo (R$ 880,00).
Relataram despesas com alimentação (R$ 500,00), luz (R$ 150,00), gás (R$ 50,00) e medicamentos (R$ 100,00 – quando não encontram na rede pública), perfazendo total de R$ 800,00. Informam que recebem cesta básica e ajudada com remédios do cunhado, Sr. Paulo Celso Dias.
A perita social emitiu parecer nos termos que seguem: “Mediante ao exposto, o benefício pleiteado apresenta como norte a oferta de melhoria na qualidade de vida da família.”
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, apura-se que a família não apresenta despesa com moradia, vive em imóvel em boas condições e adequadamente guarnecido com os eletrodomésticos necessários e conta com rendimento formal de um salário mínimo, condição que, a princípio afasta a existência de vulnerabilidade econômica.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há comprovação de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas. Observo ainda que a parte autora conta com apoio de familiares em caso de urgência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, DOU-LHE PROVIMENTO, para reformando a sentença, julgar improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018823-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DAS DORES PEREIRA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GORETE FERREIRA DE ALMEIDA - SP287848-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE CONHECIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Ausência de interesse recursal quanto ao pedido de isenção de custas. Pedido não conhecido.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há comprovação de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
6. Apelação do INSS parcialmente conhecida e provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu conhecer de parte da apelação do INSS e na parte conhecida dar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
