
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018047-80.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEBASTIANA DOS SANTOS MACHADO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO DOS SANTOS SALES - SP214574
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018047-80.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEBASTIANA DOS SANTOS MACHADO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO DOS SANTOS SALES - SP214574
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 14.12.2016, julgou procedente o pedido inicial conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido e o faço para: (a) determinar que o INSS conceda o benefício Assistencial à parte requerente, nos moldes do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e do artigo 20 da Lei 8.742/93, devendo ser pago mensalmente um salário mínimo por mês a contar da citação, na forma da lei. Quanto aos juros e correção monetária das parcelas vencidas, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em diversas reclamações julgadas recentemente, tem afirmado que as ADIs 4.357 e 4.425 declararam a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, tão somente naquilo que tem pertinência lógica com o art. 100, §12º, da Constituição Federal, ou seja, a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública no período entre a respectiva inscrição do precatório ou RPV e o efetivo pagamento. Por isso, os Senhores Ministros têm determinado a observância dos critérios de correção monetária instituídos pela Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, e pela Lei nº 11.960, 29 de junho de 2009, no período que antecede à expedição do precatório ou RPV, pelo menos até que sobrevenha decisão específica do próprio Colendo Supremo Tribunal Federal sobre a questão no RE 870.947, que tramita conforme a sistemática de repercussão geral. Nesse sentido: Reclamação 19.050, Relator Ministro Roberto Barroso; Reclamação 21.147, Relatora Ministra Cármen Lúcia; Reclamação 19.095, Relator Ministro Gilmar Mendes. Assim, fica estabelecido que a correção monetária incida sobre as prestações inadimplidas, desde o momento em que deveriam ter sido pagas, conforme variação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional 62, e do art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009.Condeno, ainda, a requerida no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça). Não há condenação em custas e despesas processuais em razão do disposto no artigo 6º da Lei Estadual n.º 11608/2003, que afasta a incidência da Súmula 178 do E. Superior Tribunal de Justiça. Concedo a antecipação da tutela para efeitos do pagamento das parcelas futuras, devendo o INSS imediatamente implantar o benefício em favor da parte autora, pois determinados valores constitucionais não podem se submeter à lei ordinária, a bem de satisfazer os interesses econômicos do governo, ausente risco de prejuízo irreparável ou lesões irreversíveis para o Estado. Atento aos termos do art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC, e, não se aplicando ao caso a ADC n.º 04, conforme entendimento do próprio STF, antecipo os efeitos da tutela pretendida, determinando que o INSS implante, no prazo de 60 dias, o pagamento da prestação mensal referente ao benefício. Comino, em caso de descumprimento, multa diária no importe de R$100,00 (cem reais) que serão revertidos em favor da parte autora. Oficie-se, em cumprimento ao disposto na súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça: "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer". Libere-se o pagamento do perito e da assistente social fixado em fls. 65. P.R.I.C. Após as cautelas de praxe, arquive-se.”.
Apela o INSS requerendo preliminarmente a extinção do feito sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, ante a ausência de prévio requerimento administrativo. No mérito, pugna pela improcedência do pedido, eis que a Lei veda a cumulação do benefício assistencial com outro de natureza previdenciária.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018047-80.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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APELADO: SEBASTIANA DOS SANTOS MACHADO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO DOS SANTOS SALES - SP214574
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
Rejeito a questão preliminar.
O art. 5º, XXXV, da Constituição, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito. Contudo, essa garantia fundamental não deixa de trazer em si a exigência da existência de uma lide, justificando a atuação do Poder Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como interesse de agir (necessidade e utilidade da intervenção judicial).
Existindo lide (provável ou concreta), é perfeitamente possível o acesso direto à via judicial, sem a necessidade de prévio requerimento na via administrativa.
Contudo, em casos nos quais a lide não está claramente caracterizada, vale dizer, em situações nas quais é potencialmente possível que o cidadão obtenha a satisfação de seu direito perante a própria Administração Pública, é imprescindível o requerimento na via administrativa, justamente para a demonstração da necessidade da intervenção judicial e, portanto, do interesse de agir que compõe as condições da ação. Imprescindível, assim, a existência do que a doutrina processual denomina de fato contrário, a caracterizar a resistência à pretensão do autor.
Deveras, de acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta Corte Regional, tratando-se de ação de cunho previdenciário, ainda que não se possa condicionar a busca da prestação jurisdicional ao exaurimento da via administrativa, tem-se por razoável exigir que o autor tenha ao menos formulado um pleito administrativo - e recebido resposta negativa - de forma a demonstrar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário ante a configuração de uma pretensão resistida.
Conclui-se, assim, pela aplicação aos segurados da exigência de prévia provocação da instância administrativa para obtenção do benefício e, somente diante de sua resistência, viabilizar a propositura de ação judicial.
Aliás, é nesse sentido a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.
4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir." (Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 10/11/2014)
Contudo, nas ações ajuizadas em data anterior à essa decisão, há que se observar as regras de transição nele estabelecidas.
No caso, o feito foi ajuizado em 21.08.2014, data anterior ao julgamento do paradigma de repercussão geral. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por sua vez, apresentou contestação, o que, consoante a modulação de efeitos ali consignada, caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à lide.
Ademais, verifica-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão do autor com a concessão do benefício pretendido. Desta forma, ainda que não tenha havido o requerimento administrativo prévio, que em um primeiro momento poderia se caracterizar como um impeditivo para o prosseguimento do feito, nesta fase processual não se mostra aceitável a sua exigência, posto que mais do que constituída a lide, já foi declarado o direito.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Argumenta a autarquia que a legislação em vigência veda o recebimento concomitante do benefício de pensão por morte e o benefício assistencial.
Razão assiste ao INSS.
O § 4º, do artigo 20 da lei 8742/93 assim preconiza:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) Vide Lei nº 13.985, de 2020)
(...)
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)“
Da análise dos autos verifica-se que a parte autora recebe benefício previdenciário de pensão por morte (ID 87815304 – pag. 57) desde 05.05.1989, razão pela qual resta incabível a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos benefícios previdenciários.
Diante do exposto rejeito a questão preliminar arguida pelo INSS, no mérito, DOU PROVIMENTO à sua apelação e, consequentemente, revogo a tutela antecipada, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018047-80.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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Advogado do(a) APELADO: MARCELO DOS SANTOS SALES - SP214574
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR REJEITADA. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. FEITO CONTESTADO E SENTENCIADO COM ANÁLISE DE MÉRITO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR SUPERADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL INDEVIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1. Preliminar de extinção do feito ante a falta de interesse de agir por falta do prévio requerimento administrativo rejeitada. Em casos nos quais a lide não está claramente caracterizada - situações nas quais é potencialmente possível que o cidadão obtenha a satisfação de seu direito perante a própria Administração Pública - é imprescindível o requerimento na via administrativa conforme preconiza o RE 631.240/MG julgado em sede de repercussão geral pelo Tribunal Pleno (DJe 10/11/2014). A presente demanda foi ajuizada antes do julgamento do recurso repetitivo e, portanto, deve-se observar as normas previstas na regra de transição estabelecidas no julgado. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS apresentou contestação, o que caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à lide. Acrescenta-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão da parte autora com a concessão do benefício pretendido. Incabível a exigência do prévio requerimento administrativo nesta fase processual, posto que mais do que constituída a lide e já foi declarado o direito.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. O § 4º do artigo 20 da Lei n. 8742/93 veda a cumulação do benefício assistencial com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
4. A parte autora recebe benefício previdenciário de pensão por morte desde 05.05.1989. Impossibilidade de concessão do benefício assistencial.
5. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
7. Preliminar arguida pelo INSS rejeitada. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a questão preliminar arguida pelo INSS e no mérito dar provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
