
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0036476-95.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALMIR CAMPOS VICTORINO
Advogado do(a) APELADO: RUY MOLINA LACERDA FRANCO JUNIOR - SP241326-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0036476-95.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALMIR CAMPOS VICTORINO
Advogado do(a) APELADO: RUY MOLINA LACERDA FRANCO JUNIOR - SP241326-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando a decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.355.052/SP, representativo de controvérsia, que assenta o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0036476-95.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALMIR CAMPOS VICTORINO
Advogado do(a) APELADO: RUY MOLINA LACERDA FRANCO JUNIOR - SP241326-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário-mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar, por primeiro, que o Recurso Extraordinário que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID 90373616 – pag. 100/109, que, por unanimidade, deu provimento à apelação do INSS, reformando a sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acordão ID 90373616 – pag. 100/109 deu provimento à apelação do INSS conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 23.03.2017 (fis. 122/124) revela que a parte autora reside com sua mãe e uma sobrinha, em imóvel próprio com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A residência é simples e está guarnecida com moveis antigos. Informaram que a renda da casa advém da pensão da mãe do autor no valor de R$ 918,00, somada a importância de R$ 918,00, auferida pela sobrinha do requerente que exerce atividade laboral formal, perfazendo rendimento mensal de R$ 1.836,00. Relataram despesas no valor de R$ 930,00, tendo sido reportados gastos com energia elétrica (R$ 70,00), água (RS 60,00), alimentação (R$ 500,00), medicamentos (R$ 250,00) e gás (R$ 50,00). Em que pese a ausência de rendimentos da parte autora, depreende-se do laudo social que está amparado por sua família. Nesse sentido, consta que a família vive em casa própria, e que a renda familiar supera em quantia significativa o valor das despesas relatadas, não havendo indícios de que suas necessidades não estejam sendo supridas. Vale a pena ressaltar que o benefício assistencial não se presta a complementação de renda. Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos autos, verifico que não restou preenchido o requisito de miserabilidade, imprescindível para a concessão do benefício assistencial que resta indevido.”
Por sua vez, o estudo social (ID 90373616 – pag. 25/27), elaborado em 22.03.2017, revela que a parte autora vive com sua mãe idosa e uma sobrinha maior de idade em imóvel próprio com dois quartos, sala, cozinha e banheiro com infraestrutura básica.
Sobre a renda da casa, consta que mãe da parte autora recebe pensão no valor de R$ 918,00 e a sobrinha apresenta vínculo de trabalho auferindo R$ 918,00/mês.
Relatam despesas básicas no valor de R$ 930,00 (com energia elétrica, água, alimentação, medicamentos e gás).
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário e conta com rendimento formal, o que, a princípio, afasta a vulnerabilidade econômica.
Nota-se que a perita social não informa a existência de miserabilidade ou mesmo hipossuficiência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
A mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão que deu provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0036476-95.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALMIR CAMPOS VICTORINO
Advogado do(a) APELADO: RUY MOLINA LACERDA FRANCO JUNIOR - SP241326-A
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação sob a luz do REsp 1.355.052 que assim determina: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
2. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RE 567.985/MT. RESP 1.112.557/MG.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família. Não comprovada a impossibilidade do sustento da parte autora por sua família. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão que deu provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
