
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025036-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA PORTUGAL - SP311196-N
APELADO: ELSA MARIA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: MARILENE AUGUSTO DE CAMPOS JARDIM - SP100031-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025036-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA PORTUGAL - SP311196-N
APELADO: ELSA MARIA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: MARILENE AUGUSTO DE CAMPOS JARDIM - SP100031-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 06.10.205, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR o réu a implementar em favor da autora benefício assistencial de prestação continuada, no importe de um salário mínimo mensal, contado da data do indeferimento administrativo. Os valores atrasados deverão ser pagos de uma vez, devidamente corrigidos e acrescidos dos juros legais de mora desde a data da citação, nos termos da Lei n° 9.494/97. Condeno o réu a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, os últimos fixados em 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas, até esta data, nos termos da Súmula n° 111 do Eg. STJ, nos termos do art. 20, §§3° e 4° do Código de Processo Civil. Por fim, presentes os requisitos legais, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, nos termos do art. 273 do CPC, para DETERMINAR que o réu implemente tal benefício em prol da autora, no prazo de 10 dias. Oficie-se à AAJD Piracicaba para cumprimento desta decisão. P.R.I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 06.10.205, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR o réu a implementar em favor da autora benefício assistencial de prestação continuada, no importe de um salário mínimo mensal, contado da data do indeferimento administrativo. Os valores atrasados deverão ser pagos de uma vez, devidamente corrigidos e acrescidos dos juros legais de mora desde a data da citação, nos termos da Lei n° 9.494/97. Condeno o réu a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, os últimos fixados em 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas, até esta data, nos termos da Súmula n° 111 do Eg. STJ, nos termos do art. 20, §§3° e 4° do Código de Processo Civil. Por fim, presentes os requisitos legais, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, nos termos do art. 273 do CPC, para DETERMINAR que o réu implemente tal benefício em prol da autora, no prazo de 10 dias. Oficie-se à AAJD Piracicaba para cumprimento desta decisão. P.R.I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025036-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA PORTUGAL - SP311196-N
APELADO: ELSA MARIA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: MARILENE AUGUSTO DE CAMPOS JARDIM - SP100031-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No que concerne à admissibilidade da apelação do INSS, observo que não consta nos autos a certidão de intimação pessoal da autarquia da sentença, e que o MM. Juiz a quo determinou a remessa dos autos a esta Corte Regional para exame de admissibilidade do recurso, nos termos do art. 1.010, §3° do NCPC.
Nesta seara, em que pese a ausência de intimação pessoal da autarquia, considerando os princípios da celeridade e economia processual, conheço do recurso de apelação interposto pelo INSS, eis que a apresentação do recurso constitui ciência tácita.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas no § 2º do artigo 475 do CPC/1973, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Neste caso, o documento pessoal acostado à inicial comprova que o requisito etário foi atingido. Além disso, incontroverso que a autora, por si só, não aufere renda. Indo além, o estudo social corroborou a afirmação de que o núcleo familiar, composto por duas pessoas, sobrevive apenas com a aposentadoria do companheiro, no valor de um salário mínimo. Tal benefício, porém, não pode ser computado no cálculo de sua renda familiar, por interpretação analógica do já transcrito art. 34 do Estatuto do Idoso, por não superar o valor de um salário mínimo mensal. (...) Ainda que assim não fosse, é certo que mesmo a inclusão da aposentadoria na base de cálculo não seria capaz de infirmar a procedência do pedido. Isso porque o entendimento mais consentâneo com a teleologia da norma constitucional é o de que a hipossuficiência do idoso, apta a torná-lo passível de receber o benefício assistencial, pode ser constatada através de outros elementos de convicção, ainda que exacerbado o limite financeiro legalmente estabelecido. Colocando de outra forma, entende-se, hoje, que o requisito do art. 20, §3° da Lei n° 8.742/93 apenas estabelece uma presunção iure et de iure de miserabilidade, de forma que, nesses casos, não se admite prova em sentido contrário. No entanto, não impede que a mesma miserabilidade possa ser configurada, ante as particularidades do caso concreto. Trata-se, por certo, da única alternativa capaz de resguardar adequadamente o princípio da dignidade da pessoa humana. (...) E, neste caso, a hipossuficiência restou comprovada. Afinal, trata-se de idosa que não aufere renda, que reside em moradia humilde juntamente com seu marido, também idoso. Todas as considerações, friso, foram comprovadas pelo estudo social, não infirmadas por quaisquer outros elementos de convicção.”
De fato, o estudo social (ID 87805466 – pág. 82/85), elaborado em 28.07.2015, revela que a parte autora reside com um filho deficiente em imóvel próprio nas seguintes condições: “A residência é composta de 04 cômodos, sendo 01 quarto, onde dorme o casal e o filho João, 01 cozinha, 01 sala e um banheiro. A casa é simples e não se encontra em bom estado de conservação. Quanto à higiene, o ambiente encontrava-se estava limpo e organizado. Os móveis da residência são necessários para a sobrevivência da família, porém, não são novos e, segundo a mesma, a maioria foram doados por terceiros. Há apenas um quarto na residência, dormindo mãe e filho. A residência possui água, energia elétrica e pavimentação asfáltico. A área externa possui um quintal grande, com outra casa no terreno. Segundo Elsa, pertence a parentes.”
A renda da casa advém de benefício previdenciário recebido pelo filho da autora no valor de um salário mínimo (R$ 788,00).
Relataram despesas com alimentação (R$ 350,00), água (R$ 25,00), energia elétrica (R$ 80,00), farmácia (R$ 80,00), gás (R$ 53,00) e IPTU (R$ 83,00).
Trata-se de grupo familiar composto pela parte autora idosa e um filho portador de retardo mental, com 29 anos de idade, que em razão de sua deficiência recebe pensão por morte do pai. Evidencia-se, portanto, a existência de vulnerabilidade socioeconômica da família, especialmente ante a impossibilidade de incremento da renda familiar.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, demonstrada a vulnerabilidade socioeconômica e hipossuficiência da parte autora, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025036-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA PORTUGAL - SP311196-N
APELADO: ELSA MARIA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: MARILENE AUGUSTO DE CAMPOS JARDIM - SP100031-N
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Requisito etário preenchido.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que o grupo familiar apresenta vulnerabilidade socioeconômica.
4. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
5. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
