
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013311-53.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SOLANGE GOMES ROSA - SP233235-N
APELADO: MARIA MARTA DA SILVA RAMOS
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013311-53.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SOLANGE GOMES ROSA - SP233235-N
APELADO: MARIA MARTA DA SILVA RAMOS
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando as decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG, representativos de controvérsia, que assentaram o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, aplica-se, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso para fins de exclusão de benefício previdenciário percebido por idoso, no valor de um salário mínimo, do cálculo da renda per capita prevista no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o qual, por sua vez, não deve ser tido como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013311-53.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SOLANGE GOMES ROSA - SP233235-N
APELADO: MARIA MARTA DA SILVA RAMOS
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar, por primeiro, que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID 89916134 – pag. 149/156, que, por unanimidade, deu provimento à apelação do INSS para reconhecer a ausência de miserabilidade e reformar a sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acórdão atacado de provimento à apelação do INSS conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social de fis. 69/74 revela que a parte autora reside com seu marido, dois irmãos e um cunhado, em imóvel próprio, de alvenaria, em razoável estado de manutenção e conservação. Com relação dos rendimentos do grupo familiar, verifica-se que o marido da requerente recebe aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 724,00). Dois membros do grupo familiar recebem benefício assistencial, cujo valor totaliza R$ 1.448,00. Um dos irmãos da requerente exerce atividade informal de pedreiro e perfaz cerca de R$ 500,00 mensais. A autora, inserida no programa social "São Paulo Amigo do Idoso" recebe mensalmente R$ 100,00. Relataram despesas no importe de R$ 2.350,72, sendo as maiores delas com alimentação (R$ 1.600,00) e medicamentos (R$ 450,00). Verifica-se que a renda familiar supera o valor das despesas relatadas. O laudo social indica que na relação interfamiliar o papel desempenhado pela autora é preponderante, cabendo-lhe a missão de zelar pela direção material, moral e afetiva, cuidando dos entes convalescentes. Informa que a família não se encontra em situação de privações multidimensionais e nem tão pouco em desequilíbrio financeiro, sendo, portanto, desfavorável à concessão do benefício. Em que pese a ausência de rendimentos da autora, nota-se que encontra-se amparada pela família, e que as suas necessidades básicas estão sendo supridas. Nesse sentido, importante ressaltar que o benefício assistencial não deve se prestar à complementação de renda. Por fim assinalo que o relatório social indica ainda que a autora possui uma filha que mora no mesmo quintal, em condição financeira estável, e que nos termos dos artigos 3° e 4° do Estatuto do Idoso, tem a obrigação de ampará-la. Desta forma, diante do conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico que não restou preenchido o requisito de miserabilidade necessário à concessão do benefício assistencial pleiteado.”
Por sua vez, o estudo social (ID 89916134 – pag. 76/80), elaborado em 16.09.2014, revela que a parte autora vive com seu marido, dois irmãos e um cunhado maiores de idade em imóvel próprio, de alvenaria, com seis cômodos e um banheiro. No mesmo quintal há uma construção de quatro cômodos em bom estado em que vive a filha da autora.
Sobre a renda dos integrantes da casa, consta que:
- o marido da autora recebe aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 724,00),
- um dos irmãos da autora exerce atividade informal de pedreiro auferindo cerca de R$ 500,00/mês;
- o segundo irmão da autora e seu cunhado recebem benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo cada;
A soma dos valores descritos alcança a importância de R$ 2.672,00.
Relata despesas no total de R$ 2.350.72/mês (água, energia elétrica e alimentação).
A perita social emitiu parecer nos termos que seguem: “8. PARECER SOCIAL Face ao exposto, entendemos que a família não se encontra em privações multidimensionais e nem tão pouco em desequilíbrio financeiro, contudo, percebe-se a existência de impedimentos ou eventuais barreiras em relação ao quadro de saúde da família que merece atenção e cuidados de reabilitação por parte dos profissionais de Atenção Básica. Em relação ao benefício ora requerido, entendemos que a núcleo familiar possui condições de manter a usuária em suas necessidades básicas, ademais, s.m.j., o benefício é concedido aqueles cuja per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo, razões pelas quais esta Técnica Social é pelo indeferimento à concessão.”
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua família encontram-se abrigados em imóvel próprio e contam com rendimento formal, o que, a princípio afasta a vulnerabilidade econômica.
O laudo social não reporta a existência de miserabilidade, em verdade, revela que a família da parte autora possui condições de suprir suas necessidades básicas.
Observo que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Diante do teor do presente julgado, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado no ID 135257084.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão deu provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013311-53.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SOLANGE GOMES ROSA - SP233235-N
APELADO: MARIA MARTA DA SILVA RAMOS
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. Resp 1.112.557/MG. REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015. REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG.
2. Aplicação, por analogia, do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. RESP 1.355.052/SP.
3. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RESP 1.112.557/MG.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família. Não comprovada a existência de miserabilidade/hipossuficiência. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
5. Juízo de retratação negativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão que deu provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
