Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0017720-04.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
11/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/08/2020
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017720-04.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: KEILA MARA FIGUEIRA SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não está comprovada a existência de miserabilidade.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado arbitrados em 2% do valor da causa. Artigo
85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do
artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017720-04.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: KEILA MARA FIGUEIRA SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017720-04.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: KEILA MARA FIGUEIRA SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 15.08.2017, julgou o pedido improcedente conforme dispositivo que ora
transcrevo: "Do exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido de benefício de prestação continuada.
Descabem verbas de sucumbência. P. I. C."
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pela conversão do julgamento em diligência “para retornar ao
juízo de primeiro grau, ordenando a confecção de novo estudo social atualizado e condizente com
a realidade contemporânea vivida pelo núcleo familiar da parte autora, tendo em vista que o
conteúdo narrado naquele estudo social não mais condizem com a existência dos fatos como eles
se evidenciam neste momento.”
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017720-04.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: KEILA MARA FIGUEIRA SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“No caso em tela, o laudo médico de fls. 215/ 42 é categórico, atestando que há "incapacidade
total e definitiva para o caso de incontinência urinário e fecal". O estudo social, entretanto, juntado
a fls. 162/6, não é favorável à concessão almejada. A requerente mora com o marido e filho que
possuem rendimentos que superam o valor de dois salários mínimos (fls. 186 e 194) e, apesar de
possuírem outros dois filhos menores, a renda per capita gira em torno de R$400,00, valor bem
acima de 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Além do mais, apesar da residência não ser própria,
está bem estruturada, com mobília diversa, como micro-ondas, dois televisores, computador etc.,
bens que evidenciam bom poder aquisitivo, incompatível com a condição de pobreza prevista na
Constituição. Respeitado o entendimento do custos legis, a fls. 245/61, o benefício de prestação
continuada não é meio hábil à complementação de renda, destinando-se àqueles que estão em
situação de risco extremo, de penúria, a quem não dispõe do mínimo necessário que lhe
assegure uma vida digna, quadro que não é o descrito no estudo social realizado. Em resumo, é
incabível a concessão do benefício postulado.”
Por sua vez, o estudo social (ID 87572741 – pág. 25.01.2017), elaborado em 25.01.2017, revela
que a parte autora reside com seu companheiro e três filhos em imóvel alugado, de alvenaria,
com três quartos, sala, copa, cozinha e dois banheiros e mal estado de conservação. A casa está
guarnecida com mobiliário humilde em regular estado de conservação.
A renda da casa advém do salário do companheiro da autora que aufere rendimento de R$
1.315,00. Consta ainda que um dos filhos da autora recebe pensão alimentícia de R$ 300,00.
Informaram despesas com água, energia elétrica, aluguel, telefone e alimentação em torno de R$
1.920,00 mensais, ressaltando que, conforme declarações da autora, o aluguel está sendo pago
pela mãe da mesma e pela sogra.
A Expert emitiu parecer conforme segue: “Ressaltamos que segundo informações da autora a
renda atual é insuficiente para manter os gastos necessários imprescindíveis para que a família
mantenha um padrão de vida com dignidade, pois, o aluguel está sendo pago pela sogra e pela
mãe da mesma, contudo, ambas vivem com precariedades econômicas, assim sendo, não
possuem condições financeiras para continuarem a subsidiar o aluguel da autora e sua família.”
Entretanto, depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há comprovação da existência de miserabilidade. Nota-se que a
família vive em imóvel com sete cômodos que oferece o abrigo necessário, e não há notícia de
que a parte autora esteja sendo privada de tratamento médico ou alimentação adequada.
Consta ainda que o grupo conta com elemento jovem e apto ao trabalho.
Nesta seara, o extrato do sistema CNIS que acompanha o parecer ministerial de segundo grau
indica que o filho da autora, além de receber pensão alimentícia, exerceu atividade laboral no
período de 01.09.2015 a 01.01.2017, com salário de contribuição de R$ 440,00. Nota-se ainda
que em 03.02.2017 iniciou novo vínculo de trabalho com rendimento de aproximadamente R$
1.200,00.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Acerca da noticiada prisão do companheiro da parte autora, observo que o competente mandado
de prisão aponta o recolhimento em regime semi-aberto, o que possibilita o labor. E nesse
sentido, tem-se ainda que foi concedida, em 18.09.2018, a progressão ao regime aberto (ID
87572742- pag. 131).
Por fim, encerrada a devida instrução processual, não se mostra viável, neste grau de jurisdição,
a realização de nova perícia social. De fato, considerando a natureza do benefício assistencial, a
eventual alteração nas condições socioeconômicas da autora, após a prolação da sentença,
enseja novo pedido perante à autarquia.
Por fim, no que tange aos honorários de advogado, entendo que a concessão do benefício da
assistência judiciária gratuita não isenta a parte do pagamento das verbas de sucumbência;
cuida-se de hipótese de suspensão da obrigação, que deverá ser cumprida caso cesse a
condição de miserabilidade do beneficiário, nos termos do § 3º do artigo 98 do Código de
Processo Civil/2015.
Contudo, não havendo recurso do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, mantenho a
sentença como proferida nesse sentido. Todavia, condeno o autor ao pagamento de honorários
de sucumbência recursal, fixados em 2% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade fica
condicionada à hipótese acima mencionada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, arbitro os honorários de advogado em favor do INSS em 2%
sobre o valor da causa, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017720-04.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: KEILA MARA FIGUEIRA SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não está comprovada a existência de miserabilidade.
O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado arbitrados em 2% do valor da causa. Artigo
85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do
artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
