
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-06.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA DE LOURDES CASTRO MONCAO
Advogado do(a) APELANTE: FATIMA APARECIDA DA SILVA CARREIRA - SP151974-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-06.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA DE LOURDES CASTRO MONCAO
Advogado do(a) APELANTE: FATIMA APARECIDA DA SILVA CARREIRA - SP151974-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
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R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando a decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.355.052/SP, representativo de controvérsia, que assenta o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-06.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA DE LOURDES CASTRO MONCAO
Advogado do(a) APELANTE: FATIMA APARECIDA DA SILVA CARREIRA - SP151974-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar, por primeiro, que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID 89914987 – pag. 06/10, que, por unanimidade, negou provimento aos embargos de declaração da parte autora para manter a decisão que negou provimento à sua apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
A decisão monocrática (ID 89914986 – pag. 174/177) negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“No caso dos autos, verifico que a autora preenche o requisito etário, pois conta com mais de 65 anos de idade, pois nascida em 23/02/1941 (fis. 13). O Laudo Social de fis. 81/87, assinala que o núcleo familiar é formado pela autora com 70 anos, pelo marido com 70 anos e pelo filho com 30 anos. Residem em casa própria, composto por 4 cômodos e banheiro, em fase de construção. Os rendimentos familiares advêm da aposentadoria recebida pelo marido da autora no valor de R$ 545,00 e pelo salário auferido pelo filho no valor de R$ 800,00, sendo que as despesas giram em torno de R$ 680,00. Embora a autora preencha o requisito etário, pois conta com mais de 65 anos de idade, ela não preenche o requisito da miserabilidade, vez que a renda auferida pela família é suficiente para prover sua manutenção, afastando eventual situação de vulnerabilidade social. Cumpre ressaltar, ainda, que o benefício em questão possui caráter nitidamente assistencial, devendo ser destinado somente àquele que dele necessita e comprova a necessidade, o que não é o caso dos autos. Em suma, as provas coligidas para os autos são suficientes para evidenciar que a autora não faz jus ao restabelecimento do benefício pleiteado.”
Por sua vez, o estudo social (ID 89914986 – pag. 91/97), elaborado em 05.05.2011, revela que a parte autora vive com seu marido e um filho maior de idade em imóvel que a ele pertence, com quatro cômodos e banheiro em fase de construção. A parte autora informa que em breve o filho vai se casar e ela e o marido terão que se mudar.
Sobre a renda da casa, consta que o marido da autora recebe aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 545,00) e o filho exercer atividade informal de pedreiro, auferindo cerca de R$ 800,00/mês.
Relatam despesas com alimentação básica, água, luz, gás, telefone e leite no importe de R$ 646,00.
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e seu marido encontram-se abrigados na casa do filho, e contam com rendimento formal. Observa-se ainda que o filho da autora apresenta rendimento próprio que supre o valor das despesas básicas reportadas.
Nota-se ainda que a parte autora possui mais quatro filhos que possuem vida independente, mas guardam o dever legal de socorrê-la em caso de urgência. Nesse sentido, consta que uma das filhas auxilia na compra de medicamentos.
A mera menção de que futuramente o casal não poderá continuar residindo com o filho não autoriza a concessão do benefício assistencial. Nesta seara, considerando a própria natureza do benefício assistencial, eventuais mudanças nas condições socioeconômicas da parte autora ocorridas após a realização da perícia social/prolação da sentença ensejam novo pedido administrativo.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão ID 89914987 – pag. 06/10 que rejeitou os embargos de declaração da parte autora, mantendo assim a decisão que negou provimento à sua apelação, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003284-06.2009.4.03.6103
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA DE LOURDES CASTRO MONCAO
Advogado do(a) APELANTE: FATIMA APARECIDA DA SILVA CARREIRA - SP151974-A
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Advogado do(a) APELADO: FLAVIA CRISTINA MOURA DE ANDRADE - SP202311-N
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação sob a luz do REsp 1.355.052 que assim determina: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
2. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RE 567.985/MT. RESP 1.112.557/MG.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família. Não comprovada a impossibilidade do sustento da parte autora por sua família. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial.A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração da parte autora mantendo a decisão que negou provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
