Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5793477-38.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/10/2020
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5793477-38.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA FERREIRA DA COSTA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: CLAITTON AFFONSO ANGELUCI - SP251010-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA FERREIRA DA
COSTA
Advogado do(a) APELADO: CLAITTON AFFONSO ANGELUCI - SP251010-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR REJEITADA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE
ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Mantidos os efeitos da tutela antecipada. Conforme avaliação do Juízo a quo restaram
configurados os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada. A presente demanda
possui natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano irreparável tornando viável a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
antecipação dos efeitos da tutela.
2. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
3. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de
deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
4. A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial e concluiu
que acarretam incapacidade para as atividades da vida diária e para seu sustento, restando
configurada a existência de impedimento de longo prazo no sentido exigido pela legislação
aplicável à matéria.
5. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
6. Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo. Precedentes STJ.
7. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
8. Honorários de advogado mantidos em 10% do valor da condenação, consoante o
entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015
e Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
9. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor
arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
10. Sentença corrigida de ofício. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS não provida. Apelação da
parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5793477-38.2019.4.03.9999
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OUTROS PARTICIPANTES:
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 08.11.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistencial à parte autora conforme
dispositivo que ora transcrevo: “Dessa forma, à vista do exposto e do mais que dos autos consta,
JULGO PROCEDENTE a pretensão ajuizada por MARIA FERREIRA DA COSTA em face do
INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL INSS, e, em conseqüência, CONDENO o instituto-
réu ao pagamento à parte autora do benefício assistencial de prestação continuada, no importe
de um salário mínimo, devido desde a data da citação, e que deve ser revisto a cada dois anos
para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, conforme determina o artigo
21 da Lei n° 8.742/93. Condeno, ainda, o Instituto Nacional do Seguro Social a pagar todas as
parcelas vencidas até a data em que o benefício for efetivamente implantado. O débito deverá ser
atualizado da seguinte forma: 1) correção monetária com incidência sobre as prestações em
atraso, desde as respectivas competência, conforme o Manual de Orientação de Procedimentos
para os cálculos na Justiça Federal, disponibilizado pelo Conselho da Justiça Federal e com os
índices estabelecidos por lei ou por decisão em declaração de inconstitucionalidade, adotando-se,
para a fase que vai até a elaboração do cálculo (fase de conhecimento). 2) juros de mora, a
contar da citação ou eventual indeferimento na via administrativa, são devidos nos termos da lei,
sendo: A) até 10.01.2003, juros de 0,5% ao mês; B) de 11.01.2003 até 06/2009, juros de 1% ao
mês; C) após, juros de 0,5% ao mês, observando-se a Medida Provisória 567/2012, convertida na
Lei 12.703, de 7 de agosto de 2012, que alterou o artigo 12 da Lei nº 8.177/1991), aplicando-se a
remuneração por juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic
ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos
por cento) ou 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, mensalizada, vigente na
data de início do período de rendimento, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for igual ou
inferior a 8,5%. Caberá ao Banco Central do Brasil divulgar a taxa e índices e, para tanto, é
disponibilizado o link http://www4.bcb.gov.br/pec/poupanca/poupanca.asp visando a consulta.
Para cálculo utilizando o programa mencionado no item 1, deverá ser escolhido "12% a.a. até
06/2009; 6% a.a até 06/2012 com juros da Poupança. Ante a sucumbência da autarquia-ré,
condeno-a ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre as
parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111 do STJ). Para a realização dos
cálculos, há disponível o programa JUSPREV II - Programa para Cálculo de Ações
Previdenciárias Concessivas de Benefícios no Valor do Salário Mínimo, disponível em
https://www.jfrs.jus.br/jusprev2/ e devendo ser utilizadas as opções de correção monetária
"Benefícios Previdenciários - Manual de Cálculos da JF (Edição 2013) e juros de 12% a.A. Até
06/2009, 6% a.A. Até 06/2012 e juros da Poupança (dia 1º) em diante. O INSS é isento de custas
e despesas processuais. Ademais, tratando-se a autora de beneficiária da justiça gratuita, não há
reembolso de custas e despesas a ser efetuado pela autarquia sucumbente, sem prejuízo do
reembolso das despesas devidamente comprovadas.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a suspensão da
antecipação da tutela. No mérito, pleiteia a reforma da sentença ao fundamento de que não
restou comprovado o requisito de miserabilidade da parte autora e nem sua condição de
deficiente a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pleiteia a reforma do julgado no
tocante aos honorários advocatícios e critérios de atualização do débito.
Apela a parte autora pleiteando a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício
que entende ser devido a partir do pedido administrativo.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS e
provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5793477-38.2019.4.03.9999
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas no § 2º do artigo 475 do CPC/1973, restrinjo o julgamento apenas
à insurgência recursal.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Questão preliminar arguida pelo INSS rejeitada.
Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil/2015, o juiz poderá antecipar os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que existam elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo.
No caso, conforme avaliação do Juízo a quo, restaram configurados os requisitos autorizadores
da concessão do benefício, pelo que mantenho seus efeitos.
Ressalte-se que a presente ação é de natureza alimentar o que por si só evidencia o risco de
dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula
nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a
vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no laudo pericial médico e no estudo social, produzidos
pelos peritos do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e
miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Realizada a necessária perícia médica, o expert constatou que a autora se encontra
incapacidade para a vida laboral. Preenchido o primeiro requisito, resta saber se a parte autora
está abrangida no conceito de hipossuficiência financeira, estabelecido pela Lei n° 8.742/93. No
estudo social, ficou constatado que a parte autora reside com seu esposo e dois netos menores e
a renda mensal familiar é composta do salário de seu esposo, no valor de R$ 1.022,00; ocorre
que a família tem gastos elevados com aluguel, alimentação e remédios, já que a autora possui
idade avançada (63 anos) e diversos problemas de saúde, o que denota “a vulnerabilidade em
que vive a família, sem condições de arcar com a própria manutenção, menos ainda, com as
necessidades básicas e indispensáveis à sobrevivência da requerente”. O fato de a renda per
capita exceder o limite do previsto em lei não impede a concessão do benefício. Embora não se
verifique a inconstitucionalidade da referida norma (§ 3º do art. 20 da Lei nº 8.74/93), esta apenas
estabelece um critério para aferir a miserabilidade da autora, não sendo o único. Pode o Juiz,
diante de outros elementos de prova, constatar a condição de penúria da requerente, o que
ocorre neste caso. Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, tanto o idoso como o
deficiente que forem membros de entidade familiar com renda mensal superior a ¼ do salário
mínimo, terão direito ao benefício assistencial, se comprovarem através de outros meios de prova
a insuficiência dos rendimentos familiares para sua manutenção. Nesse sentido: (...)”
Da deficiência/impedimento de longo prazo.
O laudo médico pericial, elaborado em 05.12.2017 (ID 73757243), revela que a parte autora, com
62 anos de idade no momento da perícia, é portadora de espondiloartrose cervical, tendinopatia
do manguito rotador, artralgia em mãos e pés e lombalgia. Informa a existência de incapacidade
para o trabalho total e permanente. Acrescenta que a autora necessita de assistência permanente
de terceiros.
Depreende-se da leitura do laudo que o Expert do Juízo concluiu que a parte autora está
acometida de patologias que resultam em impedimento de longo prazo com incapacidade para as
atividades da vida diária e para seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à
matéria.
Da hipossuficiência.
O estudo social (ID 73757303), elaborado em 06.2018, revela que a parte autora vive com seu
marido e dois netos menores de idade em imóvel alugado, de madeira com dois quartos, cozinha,
banheiro e uma sala. A construção apresenta-se com pintura desgastada, sem forro (quando
chove molha dentro da casa), em condições muito humilde, compatível com a realidade
apresentada. A casa está guarnecida com móveis em precário estado.
A renda da casa advém do salário do marido da autora que aufere R$ 1.022,00/mês.
Relata despesas com água (R$ 72,40), luz (R$ 96,24), alimentação (R$ 400,00), gás (R$ 68,00),
aluguel (R$ 400,00), remédios (R$ 300,00) e outros gastos (R$ 200,00), perfazendo total de R$
1.536,64.
A autora informa que recebe esporadicamente ajuda dos filhos na forma de alimentação.
A Expert emitiu parecer favorável à concessão do benefício nos termos que seguem: “IV-
CONCLUSÃO Maria Ferreira da Costa, 63 anos, analfabeta, afrodescendente, criada na zona
rural em família de doze irmãos, em precárias condições econômicas. Aos oito anos já trabalhava
em atividade braçal pesada na lavoura, priorizou o trabalho em detrimento aos estudos devido as
mazelas vivenciadas na infância, até porque não havia escolhas. Nestas circunstâncias, as
demais experiências profissionais ocorreram sem qualificação profissional, na informalidade, sem
nunca obter registro em carteira e devido baixo rendimento não restava recurso para a
contribuição previdenciária. Revela que sempre foi responsável pelo seu sustento e de seus
filhos, trabalhou na roça até 61 anos, mas devido problemas graves de coluna não consegue
mais prover o sustento. A periciada apresenta limitação as ações e tarefas para participar da vida
social organizada fora do âmbito familiar, em área da vida comunitária, social e cívica. Hoje é
sustentada por seu cônjuge com rendimento único e fixo bruto de R$ 1.022,00 (mil e vinte e dois
reais), insuficiente para suprir as necessidades básicas da família. Portanto, após avaliar os
dados coletados, ficou comprovado que a família não tem acesso a habitação, compromete parte
do orçamento doméstico com o pagamento de aluguel no valor de R$400,00 (quatrocentos reais),
não tem acesso aos remédios que deveriam ser adquiridos pela rede SUS, arcando com recursos
próprios, o que faz com que passem privações de alimentos para conseguir sanar todas as
despesas. Informo que a família já procurou a assistência social do município por diversas vezes
a fim de inclusão em programas sociais das quais estão de acordo com os critérios de renda,
contudo até o momento não foram atendidos. Nestas condições, a família está em situações de
risco social, com diversas rupturas indivíduo e sociedade, sem a garantia dos direitos sociais
SAÚDE, ALIMENTAÇÃO, MORADIA e ASSISTÊNCIA AOS NECESSITADOS estabelecidos na
constituição.”.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e,comprovada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo exigida no caput do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, que aliada à condição
de miserabilidade atestada no estudo social, preenchem os requisitos indispensáveis para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido.
Quanto ao termo inicial da benesse, é firme a jurisprudência no sentido de que o termo inicial do
benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na
data da citação.
Desta feita, havendo requerimento administrativo em 09.03.2017 (ID 73757210 – pag. 2), é nesta
data que deve ser fixado o termo inicial do benefício assistencial.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do
entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de
repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp
1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de
Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da
conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à
TR – Taxa Referencial.
Os honorários de advogado devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante o
entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015,
considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do
Superior Tribunal de Justiça.
Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do
artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos
honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito,
rejeito a preliminar arguida pelo INSS, no mérito, NEGO PROVIMENTO à sua apelação e DOU
PROVIMENTO à apelação da parte autora para reformar a sentença no tocante ao termo inicial
do benefício, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5793477-38.2019.4.03.9999
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APELANTE: MARIA FERREIRA DA COSTA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA FERREIRA DA
COSTA
Advogado do(a) APELADO: CLAITTON AFFONSO ANGELUCI - SP251010-N
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR REJEITADA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE
ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Mantidos os efeitos da tutela antecipada. Conforme avaliação do Juízo a quo restaram
configurados os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada. A presente demanda
possui natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano irreparável tornando viável a
antecipação dos efeitos da tutela.
2. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
3. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de
deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
4. A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial e concluiu
que acarretam incapacidade para as atividades da vida diária e para seu sustento, restando
configurada a existência de impedimento de longo prazo no sentido exigido pela legislação
aplicável à matéria.
5. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
6. Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo. Precedentes STJ.
7. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
8. Honorários de advogado mantidos em 10% do valor da condenação, consoante o
entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015
e Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
9. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor
arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
10. Sentença corrigida de ofício. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS não provida. Apelação da
parte autora provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito,
rejeitar a preliminar arguida pelo INSS e, no mérito, negar provimento à sua apelação e dar
provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
