
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021016-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA HONORIA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO FREIRE MARIM - SP133245-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021016-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA HONORIA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO FREIRE MARIM - SP133245-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 01.11.2017, julgou o pedido improcedente ao fundamento de que não restou preenchido o requisito de hipossuficiência/miserabilidade, conforme dispositivo que ora transcrevo: " Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado por MARIA HONÓRIA DOS SANTOS em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS. Condeno a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários que arbitro em R$ 500,00, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, ficando a execução condicionada aos termos do art. do art. 98, § 3º, do CPC, eis que a(o) parte autora é beneficiária da justiça gratuita. Ciência ao Ministério Público. P.I.C."
Apela a parte autora requerendo preliminarmente a nulidade da sentença “POR CERCEAMENTO DE DEFESA, vez que sequer houve análise dos argumentos do Apelante quanto a Impugnação à perícia social (fls. 82/87 e 105/108 "in fine"), CAUSA DE NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA NESTE FEITO, com nova decisão diretamente nesse Tribunal ("Teoria da Causa Madura") ou, se assim julgado necessário, com remessa dos autos à origem para as providências, requeridas neste recurso;”. No mérito, alega que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento parcial do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021016-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA HONORIA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO FREIRE MARIM - SP133245-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
O laudo social foi elaborado com boa técnica e forneceu ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda. Não se vislumbram no laudo as inconsistências alegadas. A conclusão desfavorável à parte autora não desqualifica, por si só, a perícia.
Verifica-se que a perita nomeada pelo Juízo "a quo" realizou a visita social e entrevistou os moradores facultando-lhes expor e apresentar os documentos que achar pertinentes, evidenciando conhecimento técnico e diligência. Ademais, nota-se que os questionamentos apresentados pela parte autora estão contemplados no laudo, sendo desnecessária a complementação da perícia.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“De outro lado, o estudo social (fls. 75/78) revela que:(...) A renda familiar advém do salário obtido com pensão e aposentadoria da mãe e irmão da requerente, com um salário mínimo cada, perfazendo um total de três salários mínimos mensais, no valor de R$2.811,00. Considerando os membros do grupo familiar (3 pessoas) a renda per capta é de: R$ 937,00; se considerarmos a sobrinha Luana que mora na casa durante as aulas, a per capta será de R$702,75. ...) PARECER Considerando o relatado no presente estudo, pela per capta apresentada, a requerente aparentemente não se encontra (juntamente com a família) enquadrada entre pessoas de baixa renda, e de acordo coma Lei nº.8742/93- Lei orgânica de Assistência Social, consolidada pela Lei12.435/2011, concluímos, do ponto de vista social, que a requerente não se enquadra dentro do público elegível para recebimento de Benefício de Prestação Continuada, tendo em vista a per capta familiar que é maior que¼ do salário mínimo. A discordância lançada pela parte autora em relação ao relatório social é genérica e não impugna de forma técnica a conclusão lançada pela perita, razão pela qual fica afastada. Deste modo, a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício pretendido, na forma do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 - Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS.”
Por sua vez, o estudo social (ID 87780805 – pág. 76/79), elaborado em 19.07.2017, revela que a parte autora reside com sua mãe e um irmão maior de idade, em imóvel próprio, “de alvenaria, localizada na zona urbana do município, em local de fácil acesso, piso de cerâmica bem gasta, dotada de todos os melhoramentos públicos, tais como água encanada, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo, sendo a moradia de construção antiga, TV de 21 polegadas de tubo em cima de um estante; na cozinha fogão e geladeira em bom estado de conservação; possuem um tanquinho de lavar roupas, na frente da casa um pequeno quintal; a residência localiza-se em local de fácil acesso, em bairro próximo ao centro da cidade, em bairro valorizado”.
Informa que a renda da casa advém “do salário obtido com pensão e aposentadoria da mãe e irmão da requerente, com um salário mínimo cada, perfazendo um total de três salários mínimos mensais, no valor de R$ 2.811,00 da aposentadoria da mãe do autor no valor de um salário mínimo (R$ 880,00).”
Relata despesas com luz (R$ 40,00) e fraldas para a mãe da autora (R$ 80,00). Afirmam que há despesas com alimentação especial da genitora da autora.
A perita social emitiu parecer conforme segue: “VI – PARECER. Considerando o relatado no presente estudo, pela per capta apresentada, a requerente aparentemente não se encontra (juntamente com a família) enquadrada entre pessoas de baixa renda, e de acordo com a Lei n°.8742/93 Lei orgânica de Assistência Social, consolidada pela Lei 12.435/2011, concluímos, do ponto de vista social, que a requerente não se enquadra dentro do público elegível para recebimento de Benefício de Prestação Continuada, tendo em vista a per capta familiar que é maior que 1/4 do salário mínimo.”.
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, apura-se que a parte autora vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e o grupo conta com rendimento formal, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica.
Também não há relato de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas.
Note-se que não trouxe a apelante, em suas razões de apelo, qualquer elemento apto a elidir o teor do laudo social, produzido por perito de confiança do juízo, sob o crivo do contraditório.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, anoto que o noticiado óbito da genitora da parte autora, por si só, não enseja a concessão do benefício assistencial. Considerando a natureza do benefício assistencial, a eventual alteração nas condições socioeconômicas da autora, após a prolação da sentença, enseja novo pedido perante à autarquia.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pela parte autora, no mérito, NEGO PROVIMENTO à sua apelação e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021016-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA HONORIA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO FREIRE MARIM - SP133245-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pela parte autora. Cerceamento de defesa não caracterizado. O laudo pericial foi elaborado com boa técnica e forneceu ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda. Ausência de elementos aptos a descaracterizar o laudo pericial
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, negar provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
