
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002245-03.2016.4.03.6111
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ODILON MARQUES DE ARAUJO
Advogado do(a) APELANTE: CLARICE DOMINGOS DA SILVA - SP263352-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002245-03.2016.4.03.6111
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ODILON MARQUES DE ARAUJO
Advogado do(a) APELANTE: CLARICE DOMINGOS DA SILVA - SP263352-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício previdenciário por incapacidade ou benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 10.04.2017, julgou os pedidos improcedentes conforme dispositivo que ora transcrevo: " Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte ré, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, atualizado, condicionada a execução à alteração de sua situação econômica, nos termos do artigo 98, 3º, do novo CPC. Sem custas, em virtude da gratuidade conferida à parte autora. No trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive o MPF."
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial. Aduz que: “o MM. Juiz entendeu que a ajuda dos filhos que não residem na mesma casa compõe a renda per capta, equivocou-se o MM. Juiz sentenciante, vez que a Lei claramente informa de maneira restritiva a classe de dependência e de composição de renda per capta, sendo de rigor o afastamento da ajuda voluntária efetuada ao autor e sua esposa pelos 3 filhos que são casados e não moram sob o mesmo teto”
Com contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002245-03.2016.4.03.6111
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ODILON MARQUES DE ARAUJO
Advogado do(a) APELANTE: CLARICE DOMINGOS DA SILVA - SP263352-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no mandado de constatação, tendo se convencido não restar configurada a condição de miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Já no tocante à hipossuficiência econômica, o mandado de constatação, encartado às fls. 225/245, demonstra que o autor mora somente com sua esposa, Sra. Neuza. Residem em imóvel próprio, amplo, confortável, com bom acabamento e em ótimo estado de conservação, como evidencia o relatório fotográfico de fls. 231/245. Possuem, ainda, um veículo da marca Fiat, modelo Uno Way, ano 2010, financiado e alienado fiduciariamente ao Banco Panamericano. Consta, também, do auto de constatação que o autor e sua esposa não auferem qualquer renda e vivem da ajuda que recebem de seus dois filhos Roberto e Fabiano. Observa-se que entre as despesas mensais mencionadas no auto de constatação, há pouco gasto com medicamentos e, na verdade, o autor tem todas as demais despesas supridas por sua família, incluindo internet banda larga, tv a cabo, plano de saúde, combustível e até a prestação do financiamento do carro do autor. Nesse contexto, conquanto o autor não tenha meios de prover sua própria subsistência, existem totais condições de tê-la provida por sua família. Apesar de não auferir renda alguma, o autor não se encontra em estado de penúria. Pelo contrário, possui uma casa própria que lhe proporciona conforto, conforme revelam as fotos de fls. 271/272. Por fim, convém registrar que, como vem sendo reiteradamente apregoado por nosso Tribunal, o benefício de amparo social não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas se destina ao idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da Lei .Assim, ausentes ambos os requisitos legais exigidos para concessão do benefício assistencial de prestação continuada, a improcedência do pedido é de rigor.”
Por sua vez, o mandado de constatação (ID 87789960 – pág. 23/49), cumprido em 14.07.2016, revela que a parte autora reside sua esposa em imóvel próprio, de alvenaria, amplo, confortável, com bom acabamento, constituído por dois banheiros, três quartos, sala, cozinha, despensa, lavandaria e churrasqueira. A casa conta com circuito fechado de tv, computador com internet banda larga da NET e TV a cabo da mesma operadora. O autor possui um automóvel marca Fiat, modelo UNO WAY, ano 2010, financiado.
Relataram despesas com água (R$ 50,00), luz (R$ 70,00), gás (R$ 54,00 – um botijão a cada 90 dias), IPTU (R$ 36,00), celular (R$ 30,00), medicamentos (R$ 110,00) e combustível (R$ 150,00), perfazendo total de R$ 500,00.
Informa que o casal não possui renda alguma e que suas despesas são custeadas por um dos filhos, que fornece ainda alimentação, vestuário e plano de saúde.
O oficial de justiça observa que: “Não há um gasto elevado com medicamentos e as despesas custeadas pelos filhos incluem internet banda larga, tv a cabo (por assinatura), plano de saúde, combustível e até a prestação do financiamento do carro do requerente. Logo, a provisão, a cargo dos filhos, garante ao autor e sua esposa o mínimo necessário para uma existência digna.”
Depreende-se da leitura do mandado de constatação que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas.
O autor vive em casa própria que lhe oferece abrigo e conforto, e está muito bem assistido por seu filho que, em verdade, guarda o dever de socorrê-lo sempre que necessário. Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002245-03.2016.4.03.6111
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Mandado de constatação indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
