
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022119-13.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROSANGELA APARECIDA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ANA ROSA RIBEIRO DE MOURA - SP205565-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022119-13.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROSANGELA APARECIDA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ANA ROSA RIBEIRO DE MOURA - SP205565-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 01.09.2016, julgou improcedente pedido inicial por não restar comprovado o requisito de deficiência/impedimento de longo prazo da parte autora exigido no §2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, REJEITO o pedido formulado na ação, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, CONDENO a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no artigo 85, parágrafo 3º, inciso I e parágrafo 4º, inciso III, do Novo Código de Processo Civil , observado, quanto a sua exigibilidade, o disposto no artigo 98, §§ 2º e 3º, do Novo Código de Processo Civil. Ciência ao representante do Ministério Público. P.R”.
Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença ao fundamento que é portadora de deficiência/impedimento de longo prazo, bem como ostenta condição de miserabilidade, preenchendo os requisitos para a concessão do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestou-se pelo provimento da apelação
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022119-13.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROSANGELA APARECIDA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ANA ROSA RIBEIRO DE MOURA - SP205565-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
No caso dos autos, a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base na conclusão do perito médico judicial.
Confira-se:
“No caso em apreço, contudo, não foi preenchido este requisito, eis que o laudo pericial não constatou impedimentos de longo prazo. O laudo pericial concluiu que: "Pericianda de 43 anos de idade, empregada doméstica, com hipertensão, diabetes e dislipidemia. Há 2 anos atrás sofreu infarto agudo do miocárdio e em fevereiro de 2015, com consequência de acidente vascular cerebral, apresenta como sequela parestesia em membro superior direito e dificuldade na fala. Apresenta incapacidade parcial e temporária" (fl. 102, destaquei). Ademais, em resposta ao quesito de nº 06, de fl. 97, o Expert asseverou que "As doenças são consideradas degenerativas. A incapacidade decorrente de sequela do acidente vascular encefálico é temporária. O quadro está sujeito a apresentar melhoras através de fisioterapia e fonoaudiologia". (grifo nosso) Outrossim, em resposta ao quesito nº 18 de fl. 98 o Perito afirmou "As sequelas decorrentes do acidente vascular encefálico aliado ao quadro depressivo manifestado pela autora torna-a incapaz de desempenhar sua atividade laborativa, mas permite que exerça outro trabalho. Considera-se assim incapacidade parcial." (grifo nosso) Assim, como se percebe, não há nos autos uma conclusão incisiva de que a parte autora possui impedimentos de longo prazo, de modo que não há que se falar em deficiência que obstrua a participação plena e efetiva da parte autora na sociedade e que a impeça de prover sua subsistência. Desse modo, não preenchido um dos requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial, de rigor a rejeição do pedido.”
Por sua vez, o laudo médico pericial (ID 87781410 – pág. 107/113), elaborado em 27.10.2015, revela que, a autora, domestica, com 43 anos de idade no momento da perícia, é portadora de hipertensão arterial, diabetes dislipidemia e sequelas de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.
Apontoa que “A pericianda apresenta dificuldade em realizar as tarefas domésticas (d640), dificuldade em comunicação através de palavras, frases mais longas (d330) e apresenta dificuldade em usar os dedos da mão direita para segurar e mover objetos de um lado para outro (d4450).”
Informa a existência multiprofissional temporária e, quanto à data de início da incapacidade, reporta a ocorrência do infarto do miocárdio em 2013 e o AVC em 2015.
Depreende-se da leitura do laudo médico pericial que o Expert do Juízo concluiu que a parte autora está acometida de patologias que resultam em incapacidade laboral multiprofissional (ainda que temporária), e que eventual reabilitação profissional demanda recuperação do quadro clínico apurado. Nesta seara, apura-se que as restrições físicas ora constatadas representam impedimento de longo prazo para o desenvolvimento de atividades da vida diária e que lhe garantam o sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
Por sua vez, o estudo social (ID 87781410 - pag. 73/74), elaborado em 09.11.2014, revela que a autora vive com sua filha (19 anos de idade), em imóvel próprio, de alvenaria, com quatro cômodos em um banheiro em precário estado de conservação. A casa está guarnecida com mobiliário básico.
Informa que não possuem renda alguma e apenas recebem R$ 72,00 do programa social Bolsa Família.
Relatam despesa de R$ 38,11 com energia elétrica e que recebem doação de alimentos da assistência social e de amigos.
Nítida a vulnerabilidade socioeconômica do autor, cuja renda não se mostra suficiente para que possa ter suas necessidades básicas mantidas, especialmente ante a necessidade de tratamento médico para que possa recuperar sua capacidade laboral.
Desta forma, comprovada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo, nos termos do caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, e, demonstrada a condição de miserabilidade/hipossuficiência, de rigor a concessão do benefício assistencial.
É firme a jurisprudência no sentido de que o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.
Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo em 08.10.2013 (ID 87781410 – pag. 22), é nesta data que deve ser fixado o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.
As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015.
O art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal.
Entretanto, consoante disposto no § 1º do artigo 1º da mencionada lei, “rege-se pela legislação estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal.”. Conclui-se, assim, que a isenção de custas nas causas processadas na Justiça Estadual depende de lei local que a preveja.
Nesse passo, verifico que no que se refere às ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo, como in casu, a isenção de custas processuais para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS está assegurada nas Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03.
Diante do exposto DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora para reformando a sentença determinar a concessão do benefício assistencial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022119-13.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROSANGELA APARECIDA DA SILVA
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. CUSTAS. JUSTIÇA ESTADUAL.
1.O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2.Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
3.A perícia médica judicial reconheceu a existência incapacidade laboral multiprofissional temporária que constitui impedimento de longo prazo e obsta o desempenho de atividades que garantam seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
4.Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
5.Preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
6.Termo inicial do benefício assistencial fixado na data do requerimento administrativo. Precedentes STJ.
7.Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
8.Inversão do ônus da sucumbência.
9.A cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal, rege-se pela legislação estadual. Art. 1º, §1º, da Lei 9.289/96. As Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03 asseguram a isenção de custas processuais ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nas ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo.
10. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
