Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5652769-35.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 29/04/2021
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652769-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SALVADOR GALETE
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA CRISTINA PIRES - SP144817-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA.
CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. O conjunto probatório apresentado é suficiente
para o deslinde da causa. Desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, pois esta
não possui o condão de desconstituir o laudo pericial e documentos apresentados
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social não informa a
existência de miserabilidade/hipossuficiência. Parte autora recebe ajuda dos filhos. O benefício
assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652769-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SALVADOR GALETE
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA CRISTINA PIRES - SP144817-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652769-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SALVADOR GALETE
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA CRISTINA PIRES - SP144817-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 31.07.2018, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de
que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, conforme dispositivo que ora transcrevo:
“Posto isto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação. Julgo extinto o feito com resolução de
mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC.”
Apela a parte autora requerendo preliminarmente a nulidade da sentença ante a ocorrência do
cerceamento de defesa, eis que o feito foi sentenciado sem a realização de audiência para oitiva
de testemunhas. No mérito, afirma que preenche os requisitos necessários para a concessão do
benefício.
A parte autora requereu a desistência do processo.
O INSS manifesta-se pela renúncia do pedido objeto da ação.
A parte autora não concordou com o pedido de renúncia.
O MM. Juízo de origem proferiu decisão nos termos que seguem: “Tendo em vista que não houve
a concordância do requerido e já fora prolatada sentença, indefiro o pedido de desistência.
Certifique-se o decurso de prazo para apresentação de contrarrazões, remetendo-se os autos ao
Ministério Público. Após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Intime-
se. Indaiatuba, 16 de janeiro de 2019.”
Regularmente intimada do teor da decisão a parte autora não se manifestou (ID 62239219).
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pela intimação do apelante para que esclareça seu interesse
no recurso apresentado.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652769-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SALVADOR GALETE
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA CRISTINA PIRES - SP144817-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
O conjunto probatório apresentado é suficiente para o deslinde da causa. Foi regularmente
oportunizado à parte autora apresentar quesitos e manifestações acerca da prova pericial
produzida, e ainda que realizada a oitiva de testemunhas, esta não teria o condão de
desconstituir o laudo e documentos apresentados.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício.
Confira-se:
“In casu, de acordo com o estudo social, o idoso trabalha consertando eletrodomésticos e deixou
evidente o firme propósito de não responder às perguntas da Assistente Social quanto aos
ganhos efetivos no mercado informal de trabalho. Apesar de sobreviver com dificuldades, a renda
per capta não pode ser aferida com segurança em razão da conduta evasiva do idoso. Desta
forma, não há como deferir o benefício pleiteado.”
Do requisito de hipossuficiência/miserabilidade. Não preenchido.
O estudo social (ID 62239142), elaborado em 20.03.2018, revela que a parte autora reside
sozinho, em imóvel alugado, de alvenaria, com um cômodo e um banheiro, piso com cimento liso,
poucos azulejos, pintura sem conservação e arrumada. A casa está precariamente guarnecida
com móveis e utensílios.
Sobre a renda do autor consta que: “O requerente citou que não tem renda, e que sobrevive das
economias que estão acabando, mas no decorrer da entrevista, citou que trabalha na feira,
consertando eletrodomésticos na banca de um amigo.”
Relata despesas no importe de R$ 475,00 (água, energia, gás e celular).
O autor recebe auxílio de R$ 200,00 dos filhos para pagar o aluguel.
Quanto às condições de sociais e de saúde consta que:
- o autor apresenta problemas de saúde com “entupimento no nasal e garganta” – está com
exames agendados;
- o autor possui ensino médio completo;
- o autor verbaliza e comunica-se com discernimento;
A Expert emitiu parecer nos termos que seguem: “LAUDO TÉCNICO: A situação habitacional do
requerente está sendo suprida, reside sozinho em imóvel alugado. OBS.: Quanto ao aluguel, o
requerente mostrou um depósito bancário no valor de R$ 400,00(Quatrocentos Reais), com data
de 15/09/2017, em nome de João Batista Carlini, mas não comprovou por contrato de locação,
que este é locador. A situação socioeconômica está aparentemente apresentando dificuldade,
pois informou exercer atividade informal, embora não foi revelado o valor real do ganho. Citou que
recebe auxílio dos filhos, no valor de R$200,00 (Duzentos Reais), para complementação do
aluguel. A renda per capita, segue prejudicada para a realização do cálculo, uma vez que o
requerente não informou o valor do ganho na informalidade. Em nosso parecer s.m.j., o
requerente aparentemente apresenta dificuldade, porém utilizou de palavras evasivas em todos
os questionamentos, principalmente quando se é indagado quanto às despesas mensais e
pessoais. Assim, segue prejudicada a realização de cálculo para a renda per capita.”
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, da análise do conjunto probatório
apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade ou desamparo. Nesse sentido, consta
que o autor possui economias e recebe ajuda dos filhos.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida pela parte autora, no mérito, NEGO PROVIMENTO à
sua apelação e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os
honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da
fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652769-35.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SALVADOR GALETE
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA CRISTINA PIRES - SP144817-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA.
CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. O conjunto probatório apresentado é suficiente
para o deslinde da causa. Desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, pois esta
não possui o condão de desconstituir o laudo pericial e documentos apresentados
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social não informa a
existência de miserabilidade/hipossuficiência. Parte autora recebe ajuda dos filhos. O benefício
assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, negar
provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
