APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001204-43.2013.4.03.6131
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SONIA DE LOURDES SILVA PANIGUEL
Advogado do(a) APELANTE: ODENEY KLEFENS - SP21350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ELCIO DO CARMO DOMINGUES - SP72889
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001204-43.2013.4.03.6131
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SONIA DE LOURDES SILVA PANIGUEL
Advogado do(a) APELANTE: ODENEY KLEFENS - SP21350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando a decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.355.052/SP, representativo de controvérsia, que assenta o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001204-43.2013.4.03.6131
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SONIA DE LOURDES SILVA PANIGUEL
Advogado do(a) APELANTE: ODENEY KLEFENS - SP21350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ELCIO DO CARMO DOMINGUES - SP72889
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V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar, por primeiro, que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID 100505552 – pag. 244/254, que, por unanimidade, negou provimento à sua apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acórdão em comento negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 04.12.2013 (fis. 175/188) revela que a parte autora reside com o marido e um filho maior de idade em imóvel próprio, de alvenaria, com três quartos, sala, duas cozinhas e um banheiro, com piso de cerâmica e laje. Informaram que a renda da família advém da aposentadoria do marido da autora no valor de um salário mínimo. Consta ainda que o filho da requerente labora como diarista rural contribuindo com R$ 100,00/150,00 mensais. Relataram despesas com alimentação (R$ 300,00) e gás de cozinha (RS 50,00), acrescentando que a maioria dos medicamentos usados pela família são obtidos na rede pública de saúde. Em que pese a ausência de rendimento a da parte autora, verifica-se que se encontra amparada pelo marido, e que não há notícia de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. Nota-se que a autora possui três filhos maiores de idade, e ainda que a princípio os filhos casados não integrarem o núcleo familiar para fins de que aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assestada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que o artigo 20, § 3°, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Nesse sentido, aliás, a decisão proferida pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), datada de 23 de fevereiro de 2017, em sede de pedido de uniformização de jurisprudência formulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nos autos do processo n° 0517397- 48.2012.4.05.8300, que firmou posicionamento no sentido que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção Desta forma, não demonstrada a existência de miserabilidade, resta incabível a concessão do benefício assistencial.”
Por sua vez, o estudo social (ID 10050552 – pag. 185/198), elaborado em 04.12.2013, revela que a parte autora vive com seu marido e um filho maior de idade em imóvel próprio, de alvenaria, com três quartos, sala, duas cozinhas e banheiro. A casa está guarnecida com mobiliário desgastado pelo uso.
Sobre a renda da casa, consta que o marido da autora recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo (R$ 678,00), e o filho exercer labor rural informal colaborando com R$ 100,00/150,00 mensalmente.
Relatam despesas com básicas no importe de R$ 400,00 (alimentação, gás e medicamentos).
A Expert emitiu parecer nos termos que seguem: “Conclusão do Laudo Pericial: Como resultado da observação sistemática e da pesquisa de campo, apresentamos nossa análise técnica seguida de conclusão: Investigamos o nível de hipossuficiência econômica da autora no contexto das relações sociais, comunitárias e das relações no campo do trabalho do mundo contemporâneo. Utilizamos na nossa análise as mesmas variáveis sociais utilizadas pelo INSS no processo de revisão e avaliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para a compreensão e classificação do nível de pobreza do grupo familiar. Com a visita domiciliar feita, coletamos dados por meio da observação sistemática e direta das condições gerais de vida e convivência comunitária do grupo familiar, bem como com entrevista semiestruturada realizada com a autora e esposo. Por intermédio da análise de nossa observação, de análise de documentos que identificam e registram o discurso dos entrevistados, foi possível compreender que a autora sem qualquer renda própria, permanece financeiramente dependente do esposo e da espontânea colaboração do filho, enfrentado por momentos, complicada situação financeira, principalmente considerando as despesas versus as receitas locais. Posto isto, submetemos a análise supra à consideração superior e colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.”
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a família encontra-se abrigada em imóvel próprio, e conta com rendimento formal, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica.
A perita social não reporta a existência de miserabilidade e nem mesmo de hipossuficiência.
Observa-se que as despesas relatadas não superam a renda da casa, e que a parte autora recebe atendimento médico e parte de suas medicações da rede pública de saúde.
Nota-se ainda que a parte autora possui mais dois filhos que possuem vida independente, mas guardam o dever legal de socorrê-la em caso de urgência.
A mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão ID 100505552 – pag. 244/254 que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001204-43.2013.4.03.6131
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: SONIA DE LOURDES SILVA PANIGUEL
Advogado do(a) APELANTE: ODENEY KLEFENS - SP21350-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ELCIO DO CARMO DOMINGUES - SP72889
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação sob a luz do REsp 1.355.052 que assim determina: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário-mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
2. O teto de ¼ do salário-mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RE 567.985/MT. RESP 1.112.557/MG.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família. Não comprovada a impossibilidade do sustento da parte autora por sua família. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão negou provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.