
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5226724-25.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: TAMIRES DANIELA DOS SANTOS GOMES
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5226724-25.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: TAMIRES DANIELA DOS SANTOS GOMES
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 04.12.2018, julgou improcedente o pedido inicial por não restar comprovado o requisito de deficiência/impedimento de longo prazo, conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais). Todavia, tais verbas somente serão devidas na hipótese do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil. P.R.I.C.”.
Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença ao fundamento que é portadora de deficiência/impedimento de longo prazo, bem como ostenta condição de miserabilidade, preenchendo os requisitos para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5226724-25.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: TAMIRES DANIELA DOS SANTOS GOMES
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso de apelação.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento"
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
No caso dos autos, a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base na conclusão do perito judicial afirmando a inexistência de deficiência/impedimento de longo prazo.
Confira-se:
“No caso dos autos, a requerente não comprovou qualquer dos requisitos para a concessão do benefício. Ela não é portadora de deficiência que a impeça de trabalhar, tendo o laudo pericial concluído que “NÃO FOI CONSTATADA INCAPACIDADE LABORAL NA AUTORA” (fl. 145) (grifo nosso). Assim, o pedido não comporta acolhimento, vez que a autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.”
Da deficiência. Requisito não preenchido.
O laudo médico pericial (ID 129913122), elaborado em 16.11.2017, concluiu que a parte autora, com 28 anos de idade não apresenta incapacidade laboral. Afirma que a parte autora possui certa limitação o braço direito que não foram impeditivos para o estudo (possui segundo grau completo) e profissão (já trabalhou). Assinala que a autora é canhota e a restrição se dá no braço direito.
Da leitura do laudo pericial depreende-se que a parte autora é portadora de restrição física que, contudo, não acarreta incapacidade laboral e não caracteriza deficiência ou impedimento de longo prazo, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
Por sua vez, o restante do conjunto probatório acostado aos autos não contém elementos capazes de ilidir as conclusões contidas no laudo pericial.
Observe-se que a perícia foi realizada com boa técnica, submetendo a parte autora a testes para avaliação das alegadas patologias e do seu consequente grau de limitação laborativa e deficiência, fornecendo ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda.
Por fim, anoto que a parte autora possui ensino médio completo e conta com apoio familiar, o que favorece o desempenho de atividade compatível com sua restrição, não estando, portanto, caracterizada a impossibilidade do desenvolvimento de suas atividades habituais e para o seu sustento.
Não demonstrada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo, torna-se desnecessário perquirir-se acerca da existência de miserabilidade/hipossuficiência, na medida em que o não preenchimento de um dos requisitos legais é suficiente para obstar a concessão do benefício assistencial.
Nesse sentido, destaco o precedente desta C. Corte Regional Federal:
"ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORATIVA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. 1. O magistrado deve decidir de acordo com sua convicção, apreciando livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias dos autos (art. 131 do CPC). As provas produzidas nos presentes autos são suficientes ao deslinde da causa. Cumpre ressaltar que o laudo médico pericial (51/55) analisou as condições físicas do autor e respondeu suficientemente aos quesitos das partes. (...)3. Considerando-se a ausência do requisito da incapacidade para a vida independente e para o trabalho, resta prejudicada a análise da hipossuficiência da parte Autora. 4. Agravo legal a que se nega provimento." (TRF3ª Reg., AC nº 1522135, Sétima Turma, Relator Des. Federal Fausto de Sanctis, j. 20/02/2013, v.u., e-DJF3 Judicial 1 01/03/2013).
PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DE PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. - Cabe ao juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo (art. 370, CPC), indeferindo diligências inúteis ou protelatórias (art. 370, p.u., CPC), de modo que, realizada a prova médica pericial, necessária à aferição da deficiência, e o estudo social, necessário à aferição da miserabilidade, não há qualquer irregularidade no indeferimento do pedido da autora de produção da prova testemunhal. - A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social. - Para a concessão do benefício assistencial , necessária a conjugação de dois requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família. (...) - O médico conclui que a autora tem "capacidade residual laboral", referindo, também, o fato de que tem ensino médico completo. - Não sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o quadro apresentado não se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011. - Quanto à alegada hipossuficiência econômica, prejudicada sua análise. Para a concessão do benefício, comprova-se, alternativamente, o requisito etário ou a condição de pessoa com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade. - Preliminar afastada. Apelação da autora a que se nega provimento. (Acórdão Número 0010284-91.2018.4.03.9999 / 00102849120184039999, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2299957, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO, OITAVA TURMA, Data 24/09/2018, Data da publicação 08/10/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2018.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a deficiência/impedimento de longo prazo exigida no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a condenação ao valor de 2% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, condeno a apelante ao pagamento de honorários de advogado a título de sucumbência recursal, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5226724-25.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: TAMIRES DANIELA DOS SANTOS GOMES
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RECURSO IMPROVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
3. A perícia médica judicial, apesar de reconhecer a existência de certa restrição física, concluiu que não resta caracterizada a existência de deficiência ou incapacidade para as atividades da vida diária e que lhe garanta o sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado fixados em 2% do valor da causa. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
