
| D.E. Publicado em 22/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conhecer do agravo retido e negar provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0037560-83.2007.4.03.9999/MS
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
Foi interposto agravo retido pelo INSS contra a decisão que nomeou o médico perito às fls. 232/234.
A sentença recorrida julgou procedente o pedido, para condenar o INSS a conceder o benefício à autora, a partir da data do requerimento administrativo (05/09/2005 - fls. 12/15). Condenou o réu, também, ao pagamento das custas e dos honorários de advogado, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, considerado como termo final desta a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C. STJ.
Foi determinada, ainda, em sede de antecipação de tutela, a implantação imediata do benefício.
Sentença submetida ao reexame necessário.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS sustentando, em síntese, a ausência de caracterização da miserabilidade. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício, para que seja fixado na data da juntada do laudo médico pericial que concluiu pela incapacidade, a redução do montante arbitrado a título de honorários advocatícios e o afastamento da condenação ao pagamento das custas.
Contrarrazões pela parte apelada, requerendo a manutenção da sentença.
O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação e da remessa necessária.
Não conheço do agravo retido interposto pelo INSS, nos termos do art. 523, §1º, do CPC/73, vigente à época da interposição.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
No caso em tela, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade da postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
A autora, menor de idade, representada por sua avó e guardiã, Lurdes Lima de Oliveira, relata que é portadora de epilepsia, condição que a torna incapaz para o trabalho.
O laudo médico pericial de fls. 261/284 e complementos às fls. 295/298 e 300/303 constatou a existência de deficiência com impedimento de longa duração e relatou que a autora é portadora de epilepsia tipo grande mal (CID: G 40.3), que seu aspecto facial pode estimular a condição de estigma e asco às pessoas comuns (verrugas tipo moluscos abundantes na face), que necessita de acompanhamento médico frequente e assistência de terceiros para os atos mais elaborados da vida independente.
O laudo social relatou que a autora, com 16 anos de idade no momento do estudo social, cursou até o 8º ano, que em razão dos desmaios frequentes que a acometiam, foi aconselhada pela direção da escola a interromper os estudos, considerando as quedas e ferimentos que ocorriam. Informa ainda que a autora não possui vida social, seu dia a dia é restrito ao contato com parentes, ida ao hospital e consultas médicas e isolamento, o que demonstra que a condição de saúde da autora constitui impedimento de longo prazo, que obstrui sua participação na sociedade de forma plena, em condições de igualdade com as demais pessoas, nos termos do art. 3º da Lei nº 12.470/2011, restando caracterizada sua deficiência.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, §3º da Lei nº 8.742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei nº 10.741/03 assim preceitua:
Entretanto, a Suprema Corte no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Dessa forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social de fls. 109/111, elaborado em 24/07/2006, revela que a parte autora reside com seus avós e guardiões em imóvel próprio, de alvenaria, bem conservado e em boas condições de higiene.
A renda da família advém do salário do avô da autora que aufere R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) como vigia.
As despesas somam aproximadamente R$ 300,00. Relataram ainda gastos com medicamentos que nem sempre conseguem na rede pública.
A perita conclui que embora a renda per capita familiar seja superior a ¼ do salário mínimo, a autora encontra-se socialmente desfavorecida, órfã de mãe e pai ausente, cuidada por seus avós maternos que se encontram fragilizados diante das adversidades da vida e necessitam de amparo que supra as necessidades básicas da criança.
No estudo social de fls. 324/326, realizado em 03/09/2014, a perita constata a necessidade da continuação do benefício à autora, considerando não haver mudanças no que se refere à condição econômica, que continuam fragilizados socialmente, que os avós não têm condições de prover a neta com dignidade e dependendo do benefício para proporcionar atendimento médico e exames.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício.
Quanto ao termo inicial do benefício, havendo requerimento prévio administrativo em 05.09.2005 - fls. 12/15, é nesta data que deve ser mantido o início do benefício, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
Neste sentido, confira-se:
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Nesse passo, acresço que os embargos de declaração opostos perante o STF contra tal julgado tem por objetivo único a modulação dos seus efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, pelo que o excepcional efeito suspensivo concedido por meio da decisão proferida em 24.09.2018 e publicada no DJE de 25.09.2018, surtirá efeitos apenas no tocante à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, que deverá ser observado quando da liquidação do julgado.
Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando, também, as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
O art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal.
Entretanto, consoante disposto no § 1º do artigo 1º da mencionada lei, "rege-se pela legislação estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal.". Conclui-se, assim, que a isenção de custas nas causas processadas na Justiça Estadual depende de lei local que a preveja.
Nesse passo, verifico que no que se refere às ações que tramitam perante a Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul, como in casu, o pagamento compete à autarquia, considerando que a benesse anteriormente prevista nas Leis nºs 1.135/91 e 1.936/98, com a redação dada pelos artigos 1º e 2º da Lei nº 2.185/00, foi expressamente revogada pela Lei nº 3.779/2009.
Ante o exposto, corrijo de ofício a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conheço do agravo retido e nego provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 15/03/2019 14:17:36 |
