
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018697-82.2021.4.03.6315
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: DOUGLAS TEIXEIRA PIRES
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA DIAS DE ALMEIDA ALVES GUTIERRES - SP338080-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018697-82.2021.4.03.6315
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: DOUGLAS TEIXEIRA PIRES
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA DIAS DE ALMEIDA ALVES GUTIERRES - SP338080-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Trata-se remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação ajuizada por DOUGLAS TEIXEIRA PIRES representado por sua genitora SONIA MARIA DOS SANTOS MINEIRO TEIXEIRA PIRES, objetivando o restabelecimento do benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal) e a declaração da inexigibilidade dos valores recebidos no importe de R$ 78.620,57 relativo ao período de 17/09/2004 até 01/08/2021. Requerida tutela antecipada (ID 291236622, fl. 4).
A r. sentença de ID 291236913 (fls. 1/13), julgou procedente o pedido da autora para declarar a inexigibilidade do valor de R$ 78.620,57 relativo ao período de 17/09/2004 até 01/08/2021, além de condenar o INSS a restabelecer o benefício assistencial desde a data da sua cessação ocorrida em 01/08/2021. Ainda, fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação consideradas as prestações devidas até a data da sentença, conforme Súmula n. 111, do E. STJ. Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de ID 291236916 (fls. 1/7) o INSS pugna pela improcedência do pedido da inicial.
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 291236917, fls. 1/16)
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer (ID 292498968, fls. 1/7), manifestou pelo desprovimento do recurso da Autarquia.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018697-82.2021.4.03.6315
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: DOUGLAS TEIXEIRA PIRES
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA DIAS DE ALMEIDA ALVES GUTIERRES - SP338080-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
DA REMESSA NECESSÁRIA
Em que pese não ser possível se aferir, de plano, o valor exato da condenação, considerando o termo inicial do benefício, seu valor aproximado e a data da sentença, verifica-se que o montante total será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos, limite estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496, do Código de Processo Civil de 2015.
Assim, incabível a remessa necessária no presente caso.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A assistência social deve ser definida e interpretada como elemento do Estado Democrático, tendo a participação da sociedade como característica marcante. Para delimitar esse ponto, convocamos o auxílio de doutrina especializada:
“O exemplo da assistência social no Brasil é emblemático nesse sentido. Quando reconhecemos, no primeiro capítulo, que a desigualdade social era bem mais do que a diferença de recursos materiais a disposição dos indivíduos, levantamos indiretamente uma questão central para a democracia. Se por um lado parece imperioso, sob riscos de abalar a coerência de uma ideia contemporânea e radical de democracia, o reconhecimento da cidadania e do direito à participação nas questões que afetam o indivíduo independa de qualquer requisito prévio, como educação, saúde, moradia, estabilidade familiar etc.; de outro, seria ingênuo considerar que a condição de pobreza não limita gravemente a liberdade comunicativa dos indivíduos. Como vimos, a pobreza pode ser entendida como uma forma de desrespeito na medida em que afeta a construção da identidade pessoal, a partir de um sofrimento de indeterminação causado pela baixa autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O problema, a nosso ver, pelo menos no debate sobre o direito à assistência social no Brasil, é bem mais simples do aquele tratado por Iris Marion Young (2001) sobre a necessidade de inclusão de outras formas discursivas e de expressão que não o discurso moral como a base de uma democracia deliberativa aberta à diferença. O problema aqui é, antes de qualquer coisa, de equidade política.” (CHAVES, Vitor Pinto. O direito à assistência social no Brasil: reconhecimento, participação e alternativas de concretização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 137/138).
Para concluir a caracterização desse segmento, invoco ainda o ensinamento da ilustre magistrada e doutrinadora MARISA SANTOS, a propósito da assistência social:
“(...) o art. 203 da CF prescreve que a Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. E, mais, que: “as prestações de assistência social independem de contribuição para o custeio da seguridade social por parte do beneficiário”. Por fim, que:
“Para a CF a Assistência Social é instrumento de transformação social, e não meramente assistencialista. As prestações de assistência social devem promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja ‘menos desigual’ e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência”. (SANTOS, Marisa. Direito previdenciário esquematizado. Ed. digital. São Paulo: Saraiva Educação, 2020)
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Postula a parte autora a concessão do Benefício Assistencial, instituído pela Constituição Federal, nos termos do artigo 203, caput e inciso V, in verbis:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei n.º 8.742, de 07.12.1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), regulamentada pelo Decreto n.º 6.214, de 26.09.2007, foi recepcionada e deu eficácia plena à referida norma constitucional, criando o benefício de prestação continuada, também denominado benefício assistencial, disposto no art. 20, com a seguinte redação, in verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(Vide Lei nº 13.985, de 2020)
Portanto, a rigor, o BPC subdivide-se em dois tipos, conforme o beneficiário. É prestado ao idoso, maior de 65 anos e à pessoa com deficiência. Em ambos os casos, é exigida a prova da pobreza e do desamparo, ou seja, a inexistência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família
Dada a natureza assistencial do benefício, este independe de qualidade de segurado ou cumprimento de período de carência; tampouco se exige do postulante que desenvolva alguma atividade laboral.
DOS BENEFICIÁRIOS
1) Idosos
A redação original do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, que vigeu no período de 01.01.1996 a 31.12.1997, estabelecia a idade mínima de 70 anos como requisito para a obtenção do benefício.
A partir de 01.01.1998, conforme redação dada pela MP n.º 1.599-39, de 1997, e reedições, posteriormente convertida na Lei n.º 9.720/1998, a idade mínima necessária passou a ser 67 anos.
Com a edição da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 anos como critério etário para o recebimento do benefício assistencial, nos seguintes termos:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas."
Sendo assim, a Lei n.º 12.435/2011 atualizou o art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, para estabelecer que a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais, desde que exposta à situação de hipossuficiência financeira, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial.
2) Pessoa com condição de deficiência
O conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de amparo social, foi previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/1993, que em sua redação original dispunha que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida independente. assim dispunha. Nestes termos:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”
Com o ingresso formal da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no ordenamento pátrio, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado e modificado substancialmente, nos termos do o artigo 1º, que define:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.”
Vê-se, portanto, que não se trata mais de um parâmetro puramente médico, mas a este foi adicionado um conceito social – o impedimento deve ofertar dificuldade para a vida em sociedade.
A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS, foi alterada pela Lei n.º 12.435/2011, de modo que o benefício passou a ser destinado às pessoas com deficiência que: (i) tinham necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii) estavam também incapacitados para a vida independente, in verbis:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
A Lei n.º 12.470/2011 promoveu nova alteração no conceito de pessoa com deficiência, dispensando a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício. A partir de então, o artigo 20 da LOAS passou a ter a seguinte redação:
“Art. 20 (...)
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
(...)
“§ 10 Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
Por fim, com o advento da Lei n.º 13.146/2015, que instituiu a Lei de Inclusão à Pessoa com Deficiência, vigente a partir de 02/01/2016, a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS sofreu nova alteração, passando a ter a atual redação:
“§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Verifica-se, assim, que a definição de deficiente proveio de legislação própria, editada em cumprimento a compromissos internacionais, muito mais ampla do que a noção de incapacidade para o trabalho. A deficiência, essencialmente, é um impedimento de longo prazo que obstrui a participação plena e efetiva na sociedade. Esse impedimento é de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, operando em interação com uma ou mais barreiras. Portanto, não é mera condição de saúde, nem simples invalidez. É considerado em sua relação com óbices de natureza social.
Para a avaliação da condição como deficiente, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 prevê que o requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado.
Logo, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa; como se vê, um conceito biopsicossocial superou a noção anterior, de incapacidade.
O impedimento do requerente deve ser de longo prazo, com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
3) Extensão ao estrangeiro residente
O caput do art. 5º da Constituição Federal, expressamente, assegura a observância dos direitos e garantias fundamentais aos estrangeiros residentes no Brasil.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”
Neste sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE n. 587.970, pacificou que o benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais” (RE 587970, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20-04-2017, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito dje-215 divulg 21-09-2017 public 22-09-2017).
O referido precedente ensejou o Tema nº 173/STF, sendo fixada a seguinte tese:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.”
4) Requisitos formais: CPF e ‘CadÚnico’
De acordo como o art. 12, do Regulamento da LOAS (Decreto n.º 6.214/2007), introduzido pelo Decreto n.º 8.805, de 7.7.2016, são requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício de prestação continuada, as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, in verbis:
Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
Na forma do art. 12, § 1º, do referido regulamento, o beneficiário que não realizar a inscrição ou a atualização no CadÚnico terá o seu benefício suspenso.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
No tocante ao requisito socioeconômico, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do beneficiário, de modo a assegurar-lhe a vida digna.
Para a concessão do benefício, não se exige uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o requerente não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
1) Da definição legal de núcleo familiar
A redação original do parágrafo 1º, do art. 20, da LOAS, assim definia a família: “a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes”.
Com a criação da MP n.º 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei n. 9.720, de 30/11/1998, a definição de núcleo familiar alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213, de 24/07/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto.
Presentemente, a redação do artigo 20, §1º, da Lei 8.742/93, alterada pela Lei n.º 12.435/2011, traz como conceito de família o núcleo composto pelo “(...) requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.
2) Da composição da renda
Conforme dispõe o artigo 20, § 4º, da LOAS, alterado pela Lei nº 14.601, de 19/06/2023, o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro benefício social, exceto os da assistência médica, da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda provenientes dos programas de renda básica familiar (art. 6º, parágrafo único, e art. 203, inciso VI, da CF) e de renda básica de cidadania (Lei 10.835/2004), in verbis:
“Art. 20. (...) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)”
Para a aferição da situação de hipossuficiência do requerente, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, que prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda para fins de concessão de BPC. Eis o teor in verbis:
Art. 20 (...)§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
3) Requisito da miserabilidade
O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente, para a obtenção deste benefício, pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Inicialmente, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993. (ADI 1.232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Todavia, os contínuos debates acerca do tema levaram o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, a reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico.
O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF, segundo a qual: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (Leading Case: RE 567.985, Tribunal Pleno, DJe 3.10.2013).
Em que pese o julgado, não houve a declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, de modo que passaram a ser admitidos distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, conforme tese firmada pelo C. STJ, no Tema Repetitivo nº 185/STJ, que dispõe:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”. (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014)”
A Lei n.º 13.146, de 06/07/2015, alterou a LOAS, para incluir o § 11 ao artigo 20, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, dispondo que:
“Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Em 2020, com o advento da Lei n.º 13.981, de 23/03/2020, o § 3º do artigo 20 da LOAS foi alterado para majorar o critério de aferição de hipossuficiência para 1/2 (meio) salário mínimo. Entretanto, teve a sua eficácia suspensa pelo E. STF, por liminar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 662. Assim, a Lei n.º 13.982, de 02/04/2020, alterou novamente o referido parágrafo, fazendo-o retornar a sua redação original.
Ademais, complementado os critérios de concessão do benefício de prestação continuada, a Lei nº 14.176, de 22/06/2021, incluiu o § 11-A ao artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, que concedeu expressa licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capta até ½ (meio) salário-mínimo, in verbis:
Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021).
Há, portanto, supedâneo legal para a ampliação do critério de avaliação socioeconômica para o valor de ½ (meio) salário-mínimo.
A par do que, há que avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere.
Em outras palavras, dita presunção milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício.
O fato de o critério objetivo de renda familiar ser considerado, até certo ponto, compatível com a Constituição não é contraditório com a intenção de se verificar, no caso concreto, se há outras indicações de pobreza e desamparo. Tal verificação poderia ser realizada pela autoridade judiciária. Além disso, leis subsequentes à LOAS, como aquelas que instituíram outros programas sociais (por exemplo, o “bolsa família”) flexibilizaram os critérios para a concessão de outros benefícios assistenciais.
No sentido esposado:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - A 1ª Seção desta Corte, no julgamento do Recurso Especial n. 1.355.052/SP, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, sedimentou entendimento no sentido de afastar do cômputo da renda per capita, prevista no art, 20 § 3º, da Lei n. 8.742/93, o benefício previdenciário ou assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso que faça parte do núcleo familiar, quando do requerimento de benefício assistencial feito por deficiente, diante da interpretação dada ao art. 34 parágrafo único, da Lei n 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
III - No entanto, firmou-se o entendimento segundo o qual a delimitação do valor da renda familiar per capita não é o único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, pois representa apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se a miserabilidade quando comprovada renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
IV - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que concluiu pela ausência da hipossuficiência, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ.
V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VII - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.831.410/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 27/11/2019.)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. FATOS NARRADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PERMITEM CONCLUIR PELA MISERABILIDADE DO BENEFÍCIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, DJe 20.11.2009, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
3. No presente caso, conforme analisado pela sentença, o beneficiário preencheu os requisitos legais, tendo logrado comprovar sua condição de vulnerabilidade social por outros meios de prova, motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado.
4. Não há que se falar em violação à Súmula 7/STJ, uma vez que a decisão agravada não reexaminou o conjunto fático-probatório dos autos, tendo adotado os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias.
5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(AgInt no AgRg no AREsp n. 665.981/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absoluta a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).
2. Hipótese em que o Tribunal a quo, ao analisar as provas dos autos, concluiu que o ora agravante reúne condições de prover a própria manutenção, possuindo sua família renda mensal per capita superior a 1/4 de salário mínimo. A revisão desse entendimento pelo STJ é obstada pelo disposto na Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.514.461/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/4/2016, DJe de 24/5/2016.)
CONCLUSÃO: REQUISITOS
Conclusivamente, considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
DA DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE
Quanto a controvérsia a respeito da devolução de valores indevidamente pagos pela Autarquia Previdenciária, no âmbito do Código Civil, a obrigação da devolução de valores recebidos ilicitamente foi prevista em alguns dispositivos atinentes às obrigações por atos ilícitos, ao pagamento indevido e ao enriquecimento sem causa:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Mas tais institutos não existem apenas no Direito Comum. São conhecidos, também, no Direito Público.
Especificamente no âmbito previdenciário, a Lei nº 8.213/1991 prevê a cobrança de valores pagos indevidamente, que devem ser identificados por intermédio de processo administrativo:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
O Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade da Administração Pública rever seus atos (autotutela), com sua revogação ou anulação em caso de nulidades ou vícios, conforme pacificado nas Súmulas 346 e 473:
Súmula 346 – “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”
Súmula 473 – “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
A Lei nº 8.112/1990 também previu a revisão dos atos administrativos em casos de ilegalidade:
Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.
O processo administrativo, em que restou disciplinada a anulação dos próprios atos pela Administração Pública, encontra-se delineado pela Lei nº 9.784/1999:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A Corte Suprema ainda tratou da questão em repercussão geral (Tema n. 138), em que restou fixada a seguinte tese: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”.
Esta última exigência, a de processo administrativo quando produzidos efeitos concretos, está ligada ao princípio “due process”.
E o artigo 154, §2º, do Decreto nº 3.048/1999 prevê que a restituição deverá ser efetuada de uma só vez nas hipóteses de dolo, fraude ou má-fé.
Constatada a controvérsia acerca da restituição, o Superior Tribunal de Justiça submeteu a questão à delimitação no sistema de recursos repetitivos, no âmbito do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, resultando na pacificação da interpretação no Tema 979/STJ: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". Ainda, a Corte Superior modulou os efeitos da decisão, em atenção ao princípio da segurança jurídica, bem como do interesse social do tema e da repercussão do julgamento, de modo que o entendimento fixado no Tema 979 só seria aplicável aos processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão, ocorrida em 23/04/2021.
Transcrevo a ementa do julgamento do Tema 979/STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp n. 1.381.734/RN, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021, DJe de 23/4/2021.)
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações, passo ao exame do mérito recursal.
Em relação à hipossuficiência econômica, emerge do estudo social elaborado com base em visita realizada à residência do requerente, no dia 30/12/2023 (ID 291236901, fls. 1/14), que o núcleo familiar é formado por três pessoas, quais sejam, o autor e seus genitores (SONIA MARIA DOS SANTOS MINEIRO TEIXEIRA PIRES e RONILDO TEIXEIRA PIRES).
De acordo com o laudo socioeconômico, “Residem em imóvel fruto de herança em vida por parte da avó materna do autor, desde o ano de 2018. Anteriormente residiam no Município de Cercado e relatam que no ano 2014 a TV Tem que é uma rede regional de televisão brasileira, afiliada a TV Globo, com sede na cidade de Sorocaba, esteve na casa da família e gravou uma matéria sobre as condições de vida em que viviam. Na época tinham os 3 filhos, todos na mesma condição de saúde e dependência. Pela repercussão da matéria, receberam muita ajuda, com alimentos e doações de mobílias para a casa. Algumas pessoas daquele tempo, ainda ajudam a família financeiramente, pois, apenas a renda auferida é insuficiente. Informam também que ocorreu a realização de um bingo para arrecadação de recursos para a compra da cama hospitalar, assim como a doação de um veículo fiat palio, ano 2013, para deslocamento com os filhos na época. Mencionam que a maior parte da ajuda veio do Município de Sorocaba”.
O laudo afirma, ainda, que “A residência está localizada em um bairro com boa estrutura de serviços públicos e comércios. Quanto aos serviços públicos o bairro tem escola, transporte público, e Unidade Básica de Saúde. Serviço como o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) está localizado em bairro vizinho. “
Quanto à renda da família, segundo o laudo socioeconômico, “O núcleo familiar sobrevive da renda auferida pelo genitor do autor no valor de R$2.571,16 bruto e uma cesta básica fornecida pela empresa. Alguns moradores de Sorocaba ajudam a família financeiramente desde a época da reportagem da Tv Tem no ano de 2014, segundo relata a família. ” (ID 291236901, fl. 5).
Dividindo-se a referida renda mensal, consistente no valor de R$ 2.571,16, e tomando por base que o salário-mínimo, o qual, à data da perícia, equivalia a R$1.320,00, pelo número de membros do núcleo familiar (03 pessoas), chega-se no valor per capita de R$857,05, a renda excedeu o valor de meio salário-mínimo (R$ 660,00) utilizado como parâmetro jurisprudencial de aferição da hipossuficiência econômica do núcleo familiar, todavia tal diferença se revela ínfima a ser incapaz de desqualificar a hipossuficiência econômica do núcleo familiar, ainda mais levando em conta todos os gastos descritos no laudo social devido ao estado médico do autor, motivo por que restou configurado o estado de hipossuficiência econômica absoluta do requerente.
Quanto a condição como pessoa com deficiência, emerge do laudo médico pericial (ID 291236623, fls. 83/85), que o autor apresenta “Retardo Mental profundo com comprometimento significativo do comportamento, requerendo vigilância ou tratamento. CID-10: F 73.1) ”.
Ainda, afirma que “Estado geral de saúde psíquica própria de um retardo mental profundo”.
Assim, vê-se que, nos termos do art. 20, §2º, da LOAS, restou preenchido o requisito relativo à deficiência do autor.
Dentro desse cenário, entendo que a parte autora demonstrou preencher os requisitos legais, comprovando ser pessoa em condição de deficiência e estar em situação de vulnerabilidade social, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Quanto a inexigibilidade dos valores recebidos, inicialmente, cabe a apreciação do marco temporal indicado na modulação de efeitos do Tema nº 979/STJ, dispondo que a tese fixada somente deveria atingir os processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão em 23/04/2021.
No caso em análise, verifica-se que a ação foi distribuída posteriormente àquela data, em 28/09/2021 (ID 291236622, fls. 01/18), de modo que a tese do Tema n.º 979/STJ se aplica ao caso.
A ação foi ajuizada pela parte autora buscando o reconhecimento de que não deve restituir ao INSS os valores recebidos a título de benefício assistencial no importe de R$ 78.620,57 relativo ao período de 17/09/2004 até 01/08/2021.
Em processo administrativo juntado aos autos (ID 291236623, fls. 37/70), se apurou a irregularidade, constatou-se que a renda per capita da família ultrapassou o parâmetro legal de 1/4 (um quarto) do salário mínimo, de modo a não preencher o requisito necessário a concessão do benefício e, assim, não fazer jus ao benefício.
Da análise, foi verificado que o cônjuge (RONILDO TEIXEIRA PIRES), em 11/08/2021, possuía uma renda mensal de R$ 1.944,74, o que na época perfazia uma renda per capita de R$ 664,91.
Dessa forma, sustenta o INSS que o valor pago é absolutamente indevido e por isso o benefício foi cessado.
Afirmou ainda que o valor recebido indevidamente deve ser ressarcido, tendo em vista a ausência de boa-fé por parte da requerente.
Não obstante a alegação da autarquia acerca da inércia da parte autora para comunicar o INSS sobre alterações na estrutura financeira da família, como regra, tem-se que a ignorância da lei não exime seu destinatário de observar normas de ordem pública. Como diz o adágio tradicional, ‘ignorantia legis neminem excusat’. No direito previdenciário e no assistencial, porém, deve-se relevar o desconhecimento não doloso, pois se trata ordinariamente de parcela da população com pouco acesso à informação de cunho técnico-jurídico. Mesmo quando tal acesso é obtido, o é de modo incompleto ou imperfeito.
Neste sentido, além da situação de miserabilidade constatada nos autos, a qual é vivenciada pelo núcleo familiar, deve ser considerado o fato de que tanto o autor, como seus genitores, Ronildo e Sônia, são pessoas de baixa escolaridade e não seria razoável exigir o discernimento sobre a necessidade de avisar à Autarquia sobre a mudança da situação jurídica que redundou na irregularidade do pagamento durante o período contestado. Logo, é absolutamente notório que se trata de situação em que o homem médio não conseguiria constatar a presença de eventual erro.
Ademais, nos termos do art. 21 da LOAS, “O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem”. No caso em tela, a autarquia previdenciária apenas identificou a suposta irregularidade do benefício em 17/01/2020, ou seja, quase dezesseis anos após o início do benefício.
Logo, sem evidências de fraude, dolo ou má-fé atribuída à parte autora no recebimento do benefício assistencial, ainda que posteriormente apurado eventual erro administrativo, é indevida a restituição dos valores.
Nesta senta, colaciono ementa de precedente desta C. 7ª Turma:
PREVIDENCIÁRIO - BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - ERRO DA ADMINISTRAÇÃO - VERBA ALIMENTAR -RECEBIMENTO DE BOA FÉ - IRREPETIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.
(...)
2. Caso em que a ação foi proposta com o intuito de se declarar a inexistência do débito de R$ 84.779,15, relativo ao benefício de prestação continuada (NB 88/7000750457) pago de forma supostamente irregular à parte autora, bem como a manutenção do referido benefício em razão de não haver superação da renda mínima familiar para sua manutenção, e ainda a suspensão de eventual cobrança.
3. Verifica-se que a suspensão do benefício e a consequente cobrança administrativa dos valores pagos pelo INSS se deu a partir da verificação de que a renda per capta do grupo familiar da parte autora seria superior a 1/4 do salário mínimo vigente. A cessação do benefício e a cobrança dos valores irregularmente recebidos pela parte autora deram-se pela verificação de irregularidades, não na sua concessão, mas durante o pagamento do benefício, por ausência do requisito sócio econômico. Pelo consta dos autos, a concessão do benefício se deu após análise das condições sociais da parte autora, inclusive com consultou ao sistema CNIS. Portanto, a situação jurídica verificada naquele momento, permaneceu inalterada no decorrer do tempo.
4. A teor do artigo 21 da Lei 8.742/1993, o benefício assistencial de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. No caso, o INSS somente verificou a suposta irregularidade na concessão do benefício em 2020, ou seja, sete anos após o início do pagamento.
5. No que respeita ao Tema 979 do STJ, acima comentado, a tese submetida ao colegiado com relação aos pagamentos indevidos foi no sentido de que o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício mensal, seria legítimo desde que o segurado, diante do caso concreto, não conseguisse comprovar sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, o que, como se viu, a parte autora logrou comprovar. No caso, a r. sentença ouviu a parte autora em audiência, verificou que ela é analfabeta e não tinha discernimento sobre a necessidade de avisar à autarquia sobre a mudança da situação jurídica que redundou na irregularidade na concessão do benefício, o que demonstra sua boa-fé no recebimento do benefício.
6. Recurso desprovido.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000052-42.2021.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 03/08/2022, Intimação via sistema DATA: 08/08/2022)
Assim, aplicado o entendimento pacificado pelo Tema nº 979, por se tratar de ação ajuizada posteriormente à data indicada na modulação de efeitos, no caso em análise, constata-se que não foi demonstrada a má-fé da parte autora.
Deste modo, entendo pela manutenção da r. sentença na parte em que reconheceu a inexigibilidade do débito.
TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício, em regra, deve ser fixado na data do requerimento administrativo, requisito indispensável para a propositura da ação em face do INSS, consoante a decisão do E. STF com repercussão geral, no RE 631.240 - ou, ainda, na hipótese de benefício cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
No caso, o termo inicial do benefício deve ser, a partir de 02/08/2021, dia seguinte ao da cessação indevida (ID 291236623, fls. 75).
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de alteração de ofício, conforme precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.
Neste sentido:
“AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º -F DA LEI 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960.2009. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. TEMA 810 DO STF. APLICAÇÃO DO INPC, DE OFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
2. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública.
3. Agravo interno não provido. Aplicação, de ofício, do entendimento exarado no RE 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, quanto à correção monetária nas ações previdenciárias.”
(AgRg no REsp n. 1.255.604/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 18/6/2020.)
Assim, as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
Em sendo a parte autora beneficiária da justiça gratuita, deixo de condenar o INSS ao reembolso das custas processuais, porque nenhuma verba a esse título foi paga pela parte autora e a autarquia federal é isenta e nada há a restituir.
Quanto às despesas processuais, são elas devidas, observando os benefícios da assistência judiciária gratuita deferida à parte autora, ficando condicionada eventual cobrança aos requisitos legais.
VERBA HONORÁRIA RECURSAL
O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo.
Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) do valor arbitrado na sentença de primeiro grau.
TUTELA ANTECIPADA
Por fim, considerando que os recursos aos Tribunais Superiores não são dotados de efeito suspensivo (art. 995 CPC/2015) e dado o caráter alimentar do benefício, determino a sua imediata implantação, com fulcro nos arts. 300 e 497, do CPC/2015, com data de início - DIB em 02/08/2021 (ID 291236623, fl. 75) e renda mensal inicial – RMI no valor de 01 (um) salário mínimo.
Comunique-se àquele órgão, instruído com os documentos do segurado DOUGLAS TEIXEIRA PIRES, necessários para o cumprimento da ordem.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e nego provimento ao apelo do INSS, condenando-o ao pagamento dos honorários recursais e, de ofício, determino que a correção monetária e os juros de mora obedeçam aos critérios especificados na fundamentação supra.
Comunique-se ao INSS.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (ART. 203, INC. V, CF E ART. 20, LEI 8.742/93). CONFIGURAÇÃO DA CONDIÇÃO COMO PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. RECEBIMENTO INDEVIDO. TEMA 979/STJ. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS. VERBAS HONORÁRIAS. TUTELA ANTECIPADA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. VERBAS ACESSÓRIAS ALTERADAS DE OFÍCIO.
- Valor da condenação inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos, pelo que de rigor o não conhecimento da remessa necessária.
- O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, caput e inciso V, da CF; art. 20 da Lei 8.742/93).
- Considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
- Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa. A análise é biopsicossocial, sendo o requerente submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do seu corpo, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito (art. 20, § 6º, Lei 8.742/93).
- O parágrafo 14 do artigo 20, da LOAS, da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei nº 13.982/2020, prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda, para a aferição da hipossuficiência econômica do requerente.
- O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente a pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Todavia, o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do referido dispositivo legal. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF.
- Diante da ausência de declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, distintos parâmetros passaram a ser admitidos para aferição da condição de miserabilidade (Tema Repetitivo nº 185/STJ).
- A presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício, devendo-se analisar seu estado de necessidade e as especificidades do caso concreto.
- A parte autora comprovou a sua condição de pessoa com deficiência, segundo o laudo pericial acostado aos autos.
- O estudo social evidencia que a parte autora não possui condições de prover sua subsistência ou de tê-la provida pela sua família.
- Requisitos preenchidos. Benefício deferido.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia seguinte ao da cessação indevida.
- As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
- O INSS busca a reforma da sentença para reconhecer seu direito de reaver o valor indevidamente pago a autora referente ao benefício assistencial, uma vez que a renda individual da família era superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, de modo que ela não fazia jus ao benefício nos períodos de 17/09/2004 até 01/08/2021.
- No presente caso é aplicado o Tema 979, por se tratar de ação ajuizada posteriormente à data indicada na modulação de efeitos, desse modo, constata-se que não foi demonstrada a má-fé da parte autora.
-Não havendo fraude, dolo ou má-fé atribuída à parte autora no recebimento do benefício assistencial, ainda que posteriormente apurado eventual erro administrativo, é indevida a restituição dos valores.
-Parte autora beneficiária da justiça gratuita pelo que não há que se falar em condenação do INSS ao reembolso das custas processuais.
- Quanto às despesas processuais, são elas devidas, observando a justiça gratuita deferida à parte autora.
- O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo. Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, restam majorados os honorários advocatícios em 2% (dois por cento).
- Tutela antecipada requerida na petição inicial concedida.
- Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS desprovida. Condenação ao pagamento da verba honorária recursal. Consectários alterados de ofício.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
