
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000896-23.2011.4.03.6116
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCESSOR: BANCO DO BRASIL SA
Advogados do(a) SUCESSOR: ANTONIO ASSIS ALVES - SP142616-A, MICHELLE ARAUJO DA SILVA - SP249183
OUTROS PARTICIPANTES:
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000896-23.2011.4.03.6116
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BANCO DO BRASIL SA
Advogado do(a) APELADO: MICHELLE ARAUJO DA SILVA - SP249183
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS (ID 201569340 – págs. 202/210) em face da r. sentença (ID 201569340 – págs. 193/198) que julgou improcedente pedido formulado nesta demanda, condenando a autarquia previdenciária ao pagamento de honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da causa.
Em síntese, a recorrente argumenta no sentido de que: (i) o BANCO DO BRASIL, sucessor do BANCO NOSSA CAIXA, teria o dever jurídico de restituir a importância que se apoderara (para fins de quitação de dívidas pessoais de correntista) a partir do falecimento da segurada Maria Cabral Pelizon, titular de benefício previdenciário; e (ii) a questão não poderia se resumir à aplicação da regra constante do art. 68, da Lei nº 8.212/1991, devendo haver o enfrentamento da temática com base na inferência de que as importâncias previdenciárias pagas após o óbito da segurada ocorreram de forma indevida e aquele que as recebeu (no caso, a instituição financeira, que quitou dívidas da falecida) teria o dever de restituí-las sob pena de enriquecimento sem causa à custa do erário.
Com contrarrazões (ID 201569340 – págs. 218/228), subiram os autos a este E. Tribunal.
É o breve relatório.
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000896-23.2011.4.03.6116
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BANCO DO BRASIL SA
Advogado do(a) APELADO: MICHELLE ARAUJO DA SILVA - SP249183
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS ajuizou ação de ressarcimento em face do BANCO NOSSA CAIXA S/A (atualmente, BANCO DO BRASIL S/A), uma vez que a instituição financeira teria se apropriado indevidamente de valores pagos pelo ente previdenciário a título de aposentadoria por invalidez após o falecimento da então segurada Maria Cabral Pelizon para que dívidas contraídas por ela fossem quitadas. Assevera o ente previdenciário que Maria Cabral Pelizon faleceu em 25/05/2001, contudo, as prestações mensais continuaram a ser creditadas em conta até a competência de 12/2004, o que culminou em prejuízo na casa de R$ 11.458,64 (atualizado até 31/03/2011).
Com efeito, conforme é possível ser inferido do documento ID 201569340 – págs. 15/44, a autarquia previdenciária concedeu à segurada Maria Cabral Pelizon (que faleceu em 25/05/2001 – ID 201569340 – pág. 46) aposentadoria por invalidez a partir de 01/10/1985, sendo que, em 03/12/2004, encaminhou ofício ao gerente do Banco Nossa Caixa em razão de suspeitas de recebimento indevido de benefício previdenciário, solicitando informar em que condições foram efetuados os pagamentos (na realidade, se houve levantamento de valores por ordem judicial) e se haveria certidão de óbito da correntista (ID 201569340 – pág. 45).
Após reiteração de ofícios, o Banco Nossa Caixa informou, nos idos de 11/04/2005, a inexistência de saldo em conta bancária em nome de Maria Cabral Pelizon em razão do cumprimento de alvará judicial expedido pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Assis/SP, que autorizou, em 19/10/2004, Rina Josselen Cabral Pelizon, filha da segurada falecida, a efetuar o levantamento total do saldo bancário (ID 201569340 – pág. 52 c.c. pág. 67). Apurou-se, ademais, que o alvará judicial permitiu o recebimento da quantia de R$ 4.187,36 em 20/10/2004 (zerando, assim, o saldo da conta), sendo que os valores depositados pelo ente previdenciário ao longo do período em que ativa indevidamente a aposentadoria foram usados pela instituição bancária para cobertura de saldo devedor e para pagamento de parcelas de empréstimo que Maria Cabral Pelizon tinha tomado (ID 201569340 – pág. 87).
Diante de tal cenário, defeso reconhecer a existência de qualquer espécie de culpa em detrimento do BANCO NOSSA CAIXA S/A (atualmente, BANCO DO BRASIL S/A) pelo pagamento de prestação previdenciária pela autarquia federal para além do marco temporal do falecimento da então segurada Maria Cabral Pelizon, uma vez que a instituição financeira, além de não ter como saber do passamento de sua correntista (o que somente tomou conhecimento a partir do momento em que interpelada pelo ente previdenciário em razão de suspeitas de fraude em 03/12/2004 – ID 201569340 – pág. 45), mantinha, tão somente, obrigação de executar, a partir de ordem advinda da administração pública (no caso, do próprio INSS), o correto creditamento dos benefícios previdenciários concedidos aos segurados nas respectivas contas correntes mantidas perante aquela instituição financeira.
Na realidade, a comunicação do óbito de qualquer beneficiário do sistema de seguridade social deve recair, por uma questão de lealdade, de honestidade, de probidade e de boa-fé, nos herdeiros/sucessores da pessoa falecida – nessa toada, de plano, tal incumbência estava a cargo da única herdeira de Maria Cabral Pelizon, Rina Josselen Cabral Pelizon, que, aliás, foi quem esteve perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Assis/SP para declarar a morte de sua mãe em 28/05/2001 (a propósito, vide a certidão de óbito acostada ao documento ID 201569340 – pág. 46).
Sabedor que, no mais das vezes, esses deveres de lealdade, de honestidade, de probidade e de boa-fé não são seguidos à risca, entendeu por bem o legislador estipular, por meio de comando legal, a obrigação de que o titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunique as lavraturas de óbitos ocorrentes em dado mês até o dia 10 do mês subsequente, conforme é possível ser inferido do art. 68, da Lei nº 8.212/1991, na redação conferida pela Lei nº 8.870/1994 (vigente ao tempo dos fatos):
“Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida”.
Dentro de tal contexto, tendo como base os documentos carreados aos autos, a responsabilização vindicada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS deveria ter sido direcionada a Rina Josselen Cabral Pelizon (uma vez que ela tinha a plena ciência do falecimento de sua genitora, Maria Cabral Pelizon, tanto que foi quem declarou o óbito ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Assis/SP – ressalte-se, por oportuno, que a autarquia previdenciária tentou ver-se ressarcida em tal contexto, não logrando êxito) ou, subsidiariamente, ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Assis/SP (que, aparentemente, não teria cumprido a regra então disposta no art. 68, da Lei nº 8.212/1991, na redação conferida pela Lei nº 8.870/1994, vigente ao tempo dos fatos), razão pela qual não tem cabimento a pretensão ressarcitória postulada em face do BANCO NOSSA CAIXA S/A (atualmente, BANCO DO BRASIL S/A).
Ressalte-se, por oportuno, não proceder ilação aventada pela autarquia previdenciária no sentido de que a instituição financeira teria incorrido em enriquecimento ilícito (e, nessa toada, deveria ser aplicado o art. 876, do CC: “Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”). Firma-se tal convicção tendo como base a inferência de que a instituição financeira não tinha qualquer ciência do falecimento de sua então correntista (o que, repita-se, somente poder-se-ia ser sustentado a partir do instante em que instada a responder ofício encaminhado pelo INSS em 03/12/2004 relatando potencial fraude) e, ao realizar o pagamento de débitos existentes em conta, apenas os efetivou em razão de Maria Cabral Pelizon ter celebrado contratos de empréstimo enquanto viva (de molde que a instituição financeira acabou por receber dinheiro que lhe era, de fato, devido).
Aliás, o entendimento ora exposto foi exatamente o que restou plasmado na r. sentença recorrida (ID 201569340 – págs. 193/198), in verbis:
“(...) Segundo consta da cópia do processo administrativo que acompanha a petição inicial, em novembro de 2004, o INSS iniciou procedimento de apuração de irregularidade em virtude de informação de que a segurada Maria Cabral Pelizon havia falecido. Oficiado ao Cartório de Registro Civil, veio a confirmação da notícia de que o falecimento ocorrera em 25/05/2001. Após esta data, como o INSS não foi comunicado do óbito, nem pela herdeira da falecida nem tampouco pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, continuou a efetuar os pagamentos dos benefícios a que referida segurada fazia jus, mediante os créditos mensais em conta corrente junto a instituição financeira Banco Nossa Caixa S/A. Referidos pagamentos perduraram até dezembro de 2004. Durante o interstício entre a morte da segurada até dezembro de 2004, o Banco continuou debitando na conta corrente daquela os valores de empréstimos que por ela haviam sido contraídos. Aduz o autor que o Banco requerido apropriou-se de valores erroneamente pagos pelo INSS após a morte da segurada, para satisfazer obrigações contratuais firmadas por esta. Logo, segundo o autor, o Banco valeu-se de importâncias que não pertenciam a correntista para saldar dívidas e empréstimos contraídas por ela. Entretanto, a questão não é bem assim. Se o próprio INSS, que é o órgão pagador e mantenedor do benefício e que tem a obrigação permanente de revisão da concessão e da manutenção dos mesmos não tinha ciência do óbito da segurada, não se pode exigir do Banco tal conhecimento. A questão cinge-se, portanto, na responsabilidade de quem tinha a obrigação de comunicar ao INSS o óbito da segurada, a fim de que este fizesse cessar os pagamentos dos benefícios. Tal comunicação, que tem por finalidade justamente evitar o locupletamento ilícito dos segurados em detrimento dos cofres públicos, como regra básica da honestidade e boa-fé, cabia à filha da segurada e única herdeira, Sra. Rina Josselen Cabral Pelizon, a qual foi a declarante do óbito, segundo se observa da cópia da certidão encartada à fl. 37. Não tendo a única herdeira da falecida feito a comunicação do óbito de sua mãe ao INSS, a responsabilidade passa a ser do titular do Cartório de Registro Civil competente, nos termos do que dispõe o artigo 68, da Lei n° 8212, de 24 de julho de 1991, com a redação dada pelo artigo 1°, da Lei n°8.870, de 15 de abril de 1994, ‘verbis’: (...). Como o INSS não recebeu a comunicação do óbito a fim de que pudesse providenciar a cessação dos pagamentos dos benefícios, esta responsabilidade não pode ser imputada à agência bancária, que não tinha como tomar ciência do falecimento da beneficiária. A responsabilidade da agência bancária para com o INSS se encerra com o crédito do valor do benefício na conta corrente do segurado, uma vez que os valores depositados não pertencem mais ao agente pagador, mas sim ao beneficiário. A partir daí a responsabilidade do Banco passa a ser com o seu cliente/correntista, na condição de depositário dos valores, o qual confia-lhe os recursos para guarda e conservação. De fato, conforme alegou o réu, não é o caso de aplicação do artigo 876 do Código Civil, uma vez que os débitos efetuados na conta corrente da segurada eram decorrentes das prestações dos empréstimos tomados por ela, o que significa que o Banco recebeu aquilo que lhe era devido. Por outro lado, não há comprovação, nos autos, de que tenha havido má-fé do Banco requerido na utilização dos valores que foram creditados na conta corrente da beneficiária para saldar dívidas desta junto a referida Instituição, até mesmo porque, conforme se sabe e é de praxe nas Instituições Financeiras, quando da negociação, os contraentes firmam autorização para débito em conta das parcelas de financiamento que tomam. Não havendo comprovação de que o Banco requerido agiu com culpa, sua responsabilidade pelo ressarcimento dos valores postulados nesta ação deve ser excluída. Dessarte, o ressarcimento dos valores dos pagamentos indevidamente efetuados deve ser buscado pelo INSS perante a herdeira da segurada falecida, única beneficiária dos recursos. (...)”.
Sem prejuízo, imperioso destacar que a jurisprudência deste E. TRF3 caminha no sentido da impertinência em se vislumbrar responsabilização, tendo como base o panorama fático anteriormente descrito, à cargo da instituição financeira – nesse sentido:
“AÇÃO DE COBRANÇA. PAGAMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. I – Hipótese dos autos que é de recurso interposto pelo INSS contra sentença que reconheceu a ilegitimidade da instituição financeira para figurar no polo passivo de ação de cobrança de valores indevidamente creditados em conta de titularidade de segurado já falecido. II - Relação jurídica subjacente ao pagamento do benefício previdenciário que é estabelecida entre segurado e INSS, figurando a instituição financeira apenas como intermediador do pagamento, ademais sendo a autarquia previdenciária quem recebe a informação acerca da ocorrência do óbito pelo cartório de registro civil. Inteligência dos artigos 60, 68 e 69 da Lei 8.212/91. III - Recurso desprovido” (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000192-88.2017.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado em 15/12/2022, Intimação via sistema DATA: 19/12/2022).
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS.
Deixo de aplicar o comando contido no art. 85, § 11, do CPC/2015, tendo em vista que a r. sentença recorrida foi proferida ainda quando vigente o Diploma Processual de 1973.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PAGAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FALECIMENTO DA SEGURADA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO DESPROVIDO.
- O INSS ajuizou ação de ressarcimento em face de instituição financeira, alegando que esta teria se apropriado indevidamente de valores pagos pelo ente previdenciário a título de aposentadoria por invalidez após o falecimento de segurada para que dívidas contraídas por ela fossem quitadas. Assevera que a segurada faleceu em 25/05/2001, contudo, as prestações mensais continuaram a ser creditadas em conta até a competência de 12/2004, o que culminou em prejuízo na casa de R$ 11.458,64 (atualizado até 31/03/2011).
- Defeso reconhecer a existência de qualquer espécie de culpa lato senso em detrimento da instituição financeira pelo pagamento de prestação previdenciária pela autarquia federal após o marco temporal do falecimento da segurada, uma vez que o banco, para além de não ter como saber do passamento de sua correntista (o que somente tomou conhecimento a partir do momento em que interpelado pelo ente previdenciário em razão de suspeitas de fraude em 03/12/2004), mantinha, tão somente, obrigação de executar, a partir de ordem advinda da administração pública, o correto creditamento dos benefícios previdenciários concedidos aos segurados nas respectivas contas correntes mantidas perante aquela instituição financeira.
- A comunicação do óbito de qualquer beneficiário do sistema de seguridade social deve recair, por uma questão de lealdade, de honestidade, de probidade e de boa-fé, nos herdeiros/sucessores da pessoa falecida. Sabedor que, no mais das vezes, os deveres elencados não são seguidos à risca, entendeu por bem o legislador estipular, por meio de comando legal, a obrigação de que o titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunique as lavraturas de óbitos ocorrentes em dado mês até o dia 10 do mês subsequente, conforme é possível ser inferido do art. 68, da Lei nº 8.212/1991, na redação conferida pela Lei nº 8.870/1994 (vigente ao tempo dos fatos).
- Não procede ilação aventada pela autarquia previdenciária no sentido de que a instituição financeira teria incorrido em enriquecimento ilícito (e, nessa toada, deveria ser aplicado o art. 876, do CC). Isso porque o banco não tinha qualquer ciência do falecimento de sua então correntista e, ao realizar o pagamento de débitos existentes em conta, apenas os efetivou em razão dela ter celebrado contratos de empréstimo enquanto viva (de molde que a instituição financeira acabou por receber dinheiro que lhe era, de fato, devido).
- Apelação desprovida.
