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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001757-75.2021.4.03.6114
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARIA DO CARMO JUSTINO
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA HELENA PIRES - SP263134-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta por Maria do Carmo Justino contra sentença que julgou improcedente seu pedido de restabelecimento de benefício assistencial formulado contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Em suas razões de apelação Maria do Carmo pugna pela reforma da sentença, alegando, em síntese:
- que preenche todos os requisitos para o restabelecimento do benefício;
-a inexistência de débitos alegados pelo INSS.
- a irrepetibilidade das verbas alimentares recebidas de boa-fé.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.
Oficiando nesta instância, a representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso de apelação da parte autora.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001757-75.2021.4.03.6114
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARIA DO CARMO JUSTINO
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA HELENA PIRES - SP263134-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que os impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva.
Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamento dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), contribui para o cumprimento da Meta 9 do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando especial consonância com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de números 1 e 2 (ODS 1 e 2) desta Agenda, quais sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as metas 1.3 “Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis (...)”; e 2.1 “Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta Magna deve ser compreendido.
O parágrafo 2º do artigo 20 da Lei 8742/1993 define pessoa com deficiência como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Deveras, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei 8.742/93 prevê que, para concessão do benefício, o requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado.
Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 14.176/2021, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário-mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário-mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, adotado pelos Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03); Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002); e Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Nesse sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário-mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário-mínimo como referencial econômico.
O parágrafo 11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a miserabilidade do grupo familiar e a situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidas por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgInt no REsp 1.831.410/SP, 1ª Turma, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJE 27/11/2019; AgInt no AgRg no AREsp 665.981/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, dje 04/02/2019; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016).
Assim sendo, o inconformismo da parte autora procede, devendo ser reformada a r. sentença monocrática ( 265945624 ).
No caso dos autos, no que tange à incapacidade da parte autora, foi comprovado pelo laudo pericial da própria Autarquia( 170413173 PÁG 15 ) que a apelante possui uma visão monocular (cegueira de um dos olhos) desde os 2 anos de idade, causada por sequela de sarampo, que dificulta em subir e descer escadas, cruzar ruas, enxergar no período noturno, realizar atividades diárias que requerem a visão de profundidade e a visão periférica. Ademais, a falta da visão de um olho sobrecarrega a visão permanente, dificultando enxergar de longe, necessitando usar um óculos de grau 7,5.
No estudo social ( 265945619 PÁG 2), Maria relata que foi submetida a um transplante de rim há cerca de 16 anos, sendo que há 6 anos foi diagnosticada com pólipo endometrial (tumor benigno fixado na parede interna do útero), e ainda faz uso dos medicamentos de uso contínuo Azatioprina, Tacrolimo e pomada Estriol, realizando também acompanhamento trimestralmente no Hospital do Rim. Cumprindo os requisitos de incapacidade.
No que pertine à miserabilidade, destaco que o estudo social evidencia a insuficiência de recursos da parte autora, sendo forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta ( 265945619 ):
"Composição familiar:
Maria do Carmo Justino (autora).
Jairo Cruz da Silva, RG 21.468.082-4, CPF 147.627.398-71, data de nascimento: 24/09/1972, filiação: José Lima da Silva e Maria Aparecida da Silva, nacionalidade: Brasileiro, RG 21.468.082-4, CPF 147.627.398-71, grau de parentesco: companheiro, escolaridade: Ensino Fundamental incompleto (4º ano), profissão: Instalador de piso.
Gabriel Justino Cruz da Silva, data de nascimento: 20/12/1999, filiação: Jairo Cruz da Silva e Maria do Carmo Justino, nacionalidade: brasileiro, RG nº 53.692.093-X, CPF 494.412.978-52, grau de parentesco: filho, escolaridade: ensino médio, profissão: auxiliar de escritório.
Kaué Richard Gomes da Silva, RG 60.411.601-9, CPF 900.545.658-20, data de nascimento: 21/01/2015, grau de parentesco: neto do Sr. Jairo, companheiro da pericianda, filiação: Jonathan Pereira Cruz da Silva e Ariene Pamela Gomes, escolaridade: ensino fundamental incompleto (2º ano)".
(...)
"A pericianda contou que por conta da deficiência não conseguia atingir a meta na linha de produção, por isso não era efetivada nas empresas.
Além disso, a Sra. Maria do Carmo contou que há cerca de 16 anos, sofria de doença renal crônica, foi submetida ao transplante de rim, por isso toma os medicamentos de uso continuo, Azatioprina e Tacrolimo, que são fornecidos pelo SUS – Sistema Único de Saúde, após o transplante renal veem apresentando infecção urinária com frequência, sendo necessário tomar antibióticos que não são fornecidos pela rede pública, tendo que compra-los, gasta em média o valor de R$ 180,00. Realiza acompanhamento trimestralmente no Hospital do Rim".
(...)
"A pericianda relatou que kauê (é neto do seu companheiro Sr. Jairo. A criança passou a residir em sua casa em razão do desemprego da mãe e a reclusão do pai.
A autora informou que seu filho Sr. Gabriel está desempregado. O seu companheiro, Sr. Jairo trabalha de instalador de pisos, desde 10/12/18, registrado em carteira de trabalho, aufere renda bruta no valor de R$ 1800,00, recebeu neste mês o valor líquido de R$ 1000,00, devido a renda ser insuficiente para as despesas da casa, ela contou que recebe doação de alimentos do seu pai, e gás de cozinha.
A pericianda contou que a casa em que reside é cedida pela sua sogra, composta de três cômodos, distribuídos da seguinte forma: cozinha e dois quartos, nos fundos. A sogra e sua inquilina residem nas casas da frente. O acesso as residências se dão por escada".
(...)
"Com base nas informações obtidas, por meio do processo pericial, foi constatado que a pericianda possui limitações própria de sua deficiência e que a pericianda se encontra em situação de vulnerabilidade, a subsistência da autora e de sua família é irrisoriamente provida pela renda do seu companheiro, Sr. Jairo".
A assistente social chega na seguinte conclusão:
"Com base em pesquisa realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos sobre o salário mínimo ideal para mante família brasileira é de R$ 5400,00). A renda do esposo da pericianda é baixa para proporcionar uma melhor qualidade de vida para ela. Referem que a renda é insuficiente para arcar com despesas de vestuário e lazer.
Diante deste contexto, a pericianda encontra-se em situação de vulnerabilidade socioeconômica, portanto necessita da proteção assistencial do Estado".
Assim, da análise dos autos verifica-se que a renda do núcleo familiar é insuficiente para o pagamento das despesas básicas da casa.
Dentro desse cenário, entendo que a autora demonstrou preencher os requisitos legais, comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
No caso, o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado em 02/11/2020, dia seguinte à data de sua cessação indevida.
Quanto à devolução dos valores recebidos, o recurso da parte autora, igualmente, merece acolhida.
Como bem apontou o Parquet Federal em seu judicioso voto "O ponto de conflito reside no fato de que, em 01/11/2020, o benefício de prestação continuada NB 133.845.238-7, do qual era titular a apelante, foi suspenso pelo INSS, sob o fundamento de que a renda familiar da autora estaria superior ao teto estabelecido pela lei. A conclusão do INSS foi pela cessação do benefício em razão da renda per capita familiar ser superior a ¼ do salário-mínimo, considerando a renda recebida pelo marido da autora, Sr. Jairo Cruz da Silva no valor de R$ 1.800,00 (hum mil e oitocentos reais). No caso em epígrafe, o INSS alegou que a autora recebeu indevidamente o montante de R$ 55.096,90, referente ao pagamento dos valores recebidos a título de benefício assistencial - BPC, no período de 01/09/2015 a 28/02/2017, 02/10/2017 a 30/06/2020 e 01/09/2020 a 31/10/2020. Nesse sentido, defendeu o INSS que “o cônjuge/companheiro da titular, Sr JAIRO CRUZ DA SILVA, integrante do grupo familiar desde 16/09/2005, conforme cadastro único, possui registro de renda presumida de contribuições como contribuinte individual nos períodos de 01/01/2012 a 31/05/2015, de 01/07/2015 a 28/02/2017 e de 01/02/2018 a 31/03/2018 e renda de vínculo empregatício desde 10/12/2018, contudo as rendas das competências 07/2020 e 08/2020 não ultrapassam o limite legal do benefício, o filho solteiro da titular, Sr GABRIEL JUSTINO CRUZ DA SILVA, possui registro de renda proveniente de vínculo empregatício no período de 02/10/2017 a 09/05/2019, sendo assim, o critério objetivo de miserabilidade que o benefício em tela atende ficou descaracterizado nos períodos de 01/01/2012 a 31/05/2015 e de 01/07/2015 a 30/06/2020” (ID Num. 170413171 - Pág. 10). Todavia, a autarquia federal não apresentou documentos que indicassem que a renda familiar da apelante, superou o limite de 1/2 (meio) salário-mínimo per capita em todos os períodos informados. Efetivamente, com relação ao cônjuge da autora, o Sr. Jairo Cruz da Silva, há lançamentos no CNIS como “contribuinte individual”, nos períodos de 01/01/2012 à 31/05/2015, de 01/07/2015 à 28/02/2017 e de 01/02/2018 à 31/03/2018; e de renda proveniente de auxílio-doença nº 31/620.696.953-7 no período de 02/10/2017 à 17/11/2017 e, finalmente, renda de vínculo empregatício desde 10/12/2018, cujo salário inicial é de R$1.285,39 e o salário mais alto é de R$1.841,67. Não há nos autos informações nos períodos como “contribuinte individual” (ID Num. 170413174 - Pág. 38). Por sua vez, com relação ao filho Gabriel, verifica-se que ele teve vínculo empregatício de 10/2017 até 05/2019 (ID Num. 170413174 - Pág. 30) oportunidade em que auferiu um salário-mínimo por mês. Pois bem. Muito embora possa ter havido período em que tanto o cônjuge da autora, quanto seu filho Gabriel tenham auferido renda, é certo também que o núcleo familiar aumentou com a chegada no menor Kauê, e não há informações de que o benefício assistencial deixou de ser necessário à autora. Aliás, o laudo social produzido à ID Num. 265945619 - Pág. 3 demonstrou que a parte autora “possui limitações próprias de sua deficiência e que se encontra em situação de vulnerabilidade, a subsistência da autora e de sua família é irrisoriamente provida pela renda do seu companheiro, Sr. Jairo”. Portanto, não resta afastada a boa-fé da autora na percepção do benefício, de modo que não há de se falar em devolução dos valores."
JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, (i) à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS, observada, quanto ao termo final, a tese firmada em Repercussão Geral no RE 579.431, e, (ii) a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/2021, será aplicada a Taxa SELIC, “para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.”
TUTELA ANTECIPADA
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, é de se antecipar os efeitos da tutela, conforme requerido na exordial.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS/CUSTAS PROCESSUAIS
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo (Lei 9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003).
Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora, para julgar procedente o pedido de restabelecimento do beneficio assistencial, bem como declarar a inexistência do débito no valor de R$ 55.096,90 (cinquenta e cinco mil e noventa e seis reais e noventa centavos ), nos termos expendidos.
É COMO VOTO.
Proceda a Subsecretaria à expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos da parte autora, para que, com fundamento no artigo 497 do CPC/2015, a autarquia cumpra a obrigação de fazer consistente na imediata implantação do benefício, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais).
/gabiv/lupontes
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. RESTRIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR AOS QUE RESIDEM NO MESMO LAR. REQUISITO DE DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE PREENCHIDOS. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
- O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
- A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito etário ou de deficiência e de miserabilidade.
– Restrição do conceito de núcleo familiar aos que residem no mesmo lar. A despeito do dever moral dos filhos, de prestar assistência aos seus pais, não há qualquer garantia de que isso ocorra. Se não vivem mais com os pais, não compõem o núcleo analisado e é possível que possuam seus próprios núcleos, comprometendo a renda percebida para sustentá-los.
– Preenchidos os requisitos de deficiência e miserabilidade, aptos à concessão do benefício.
- Não verificada a má-fé da parte autora na percepção do benefício, não há que se falar em devolução de valores.
- Sentença reformada. Apelação da parte autora provida.
