
| D.E. Publicado em 10/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0034479-77.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da CF, condenando-o a pagar o benefício a partir do indeferimento administrativo (15/04/2016 - fl. 08), respeitada a prescrição quinquenal, juros de mora nos termos do art. 1º-F, da Lei 9494/97 com a redação dada pela Lei 11.960/09, correção monetária, após 25/03/2015, pelo IPCA-E, honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, antecipando, ainda, os efeitos da tutela para imediata implantação do benefício.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
O recorrente pede, preliminarmente, que o recurso seja recebido no efeito suspensivo e que a sentença seja submetida ao reexame necessário por se tratar de sentença ilíquida.
No mérito, o recorrente pede a reforma da sentença, em síntese, sob os seguintes fundamentos:
a) não comprovação dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado;
b) juros de mora e correção monetária nos termos da Lei 11.960/09 e
c) honorários advocatícios consoante súmula 111 do STJ.
Regularmente processado o feito, com contrarrazões, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: (Relatora): Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
Preliminarmente, a antecipação da tutela foi concedida na sentença, o que permite o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 1012, § 1º, inciso V, do CPC/2015.
Impõe-se, portanto, rejeitar o pedido de suspensão da tutela antecipada.
Ademais, a presente ação é de natureza alimentar, a evidenciar o risco de dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
A sentença recorrida foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, que afasta a submissão da sentença proferida contra a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ao reexame necessário quando a condenação imposta for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos (art. 475, inciso I e parágrafo 2º). Desta forma, considerando o valor do benefício e o lapso temporal desde a sua concessão, não há que se falar em sentença iliquida e a hipótese dos autos não demanda reexame necessário.
Superadas as preliminares, ingresso no mérito.
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
Concebida dentro de uma perspectiva do Estado Social de Direito, a Constituição valoriza e protege os direitos sociais básicos, estabelece normas pragmáticas, enfim, apresenta conteúdo contrário ao de uma Constituição do Estado Liberal, afastando-se do repouso, do formalismo e do divórcio entre Estado e Sociedade.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
A estrutura do Estado brasileiro insculpida no texto constitucional está informada pelos direitos e valores nela declarados, que necessitam de permanente conformação com às demandas sociais. Como destaca Paulo Bonavides, seguindo o norte das constituições democráticas, a Constituição brasileira carrega traços do conflito, dos conteúdos dinâmicos, do pluralismo, da tensão sempre renovada entre igualdade e a liberdade.
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para a perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Andou bem o legislador, ao incluir o § 11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente possam ser comprovadas por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Para efeito da mensuração da renda per capita, o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, instituído pelo Decreto nº 6.214/2017, definiu Grupo Familiar em seu artigo 4º, assim dispondo:
Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e §2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:
Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supracitado:
De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.
O STJ, em sede de Recurso Repetitivo, já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.
Vejamos:
Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (7ª Turma, Ap 2015.03.99.030993-0, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; 7ª Turma, Ap 2014.03.00.013459-1, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; 8ª Turma, ApReeNec2013.61.39.001566-7, Rel. Des. Fed. Tania Marangoni, e-DJF3 04/09/2017).
CASO CONCRETO
A autora apresenta deficiência física incurável, sendo portadora de retardo mental grave, conforme laudo de fls. 32/33, fato que restou incontroverso e não foi objeto de questionamento pelo INSS.
O estudo social de fls. 37/40 informa que a autora reside com sua genitora (Simone) e seu irmão (Mateus), em imóvel simples, próprio, de cinco cômodos pequenos. A renda familiar é composta de R$ 468,50 por mês, de doação que sua genitora recebe da filha (Milian).
Portanto, a renda per capita da autora é de R$ 156,16. As despesas da família totalizam quase R$ 450,00, comprometendo a renda familiar.
É de se reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.
Dentro desse cenário, sem perder de vista o princípio in dubio pro misero, havendo comprovação de sua deficiência e hipossuficiência financeira, resta comprovado sua situação de vulnerabilidade social, fazendo, assim, jus ao benefício assistencial requerido.
Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF (RE nº 870.947/PE, repercussão geral) e, por isso, não pode ser acolhido o apelo do INSS.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral.
De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Portanto, irretorquível a sentença sob esse aspecto.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, mantidos em 10%, mas restringindo a sua base de cálculo ao valor das prestações vencidas até a data da sentença, para adequá-los aos termos da Súmula nº 111/STJ.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para que os honorários advocatícios sejam mantidos em 10%, mas restringindo a sua base de cálculo ao valor das prestações vencidas até a data da sentença, para adequá-los aos termos da Súmula nº 111/STJ.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 29/08/2018 17:35:51 |
