
| D.E. Publicado em 17/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023497-72.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Excelentíssimo Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em defesa dos interesses de Carlos Tosim e Creusa Veras Tosim, contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Sustenta o D.D. órgão a situação de extrema vulnerabilidade da família e a necessidade de concessão do benefício, "ao deficiente Carlos Tosim ou, alternativamente, à idosa Creusa Veras Tosim", com base no artigo 203 da CF/88 e nos Recursos Extraordinários n. 567985 e 580.963, julgados sob o regime de repercussão geral. Pede à concessão da tutela antecipada, a qual foi deferida, objeto de agravo de instrumento, convertido em retido.
A r. sentença julgou procedente o pedido para conceder à Carlos Tosim o benefício assistencial de prestação continuada a pessoa portadora de deficiência, dispensando o reexame necessário, nos termos do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei n. 10.352/2001.
Inconformado, apela o INSS. Requer, preliminarmente, a apreciação do agravo convertido em retido, no qual alega a ilegitimidade ativa do Ministério Público e a inadequação da via eleita, para tutela de interesses individuais disponíveis. Aponta, ainda, "a ilegitimidade do Ministério Público Estadual para exercer a defesa dos direitos dos segurados em face de órgãos da administração pública federal direta ou indireta". No mérito, aduz que ao julgador não é permitido ampliar o alcance do artigo 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, para abarcar situações por ele não contempladas, sob pena de inovação legislativa sem autorização constitucional. Conclui não restar demonstrado o requisito da miserabilidade. Prequestiona a matéria.
Em manifestação às f. 279/281, o Ministério Público estadual refuta as arguições da autarquia.
Distribuídos os autos a esta Corte, vieram conclusos a este Gabinete.
Com vistas ao Ministério Público Federal, em seu parecer sugeriu o desprovimento do recurso de apelação.
Na sessão de julgamento realizada em 14/12/2015, apresentei voto vencido no sentido de dar provimento ao agravo retido, para acolher a preliminar de ilegitimidade ativa e extinguir o processo sem julgamento do mérito, na forma do artigo 267, VI, do CPC/73.
A Nona Turma desta C. Corte, por maioria, rejeitou a matéria preliminar, e entendeu pelo prosseguimento do julgamento quanto ao mérito.
É o relatório.
VOTO
O Excelentíssimo Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: O voto condutor ao pontuar ter o direito previdenciário relevante caráter social, a viabilizar a tutela pelo Ministério Público mediante ação civil pública, pôs uma pá de cal sobre a alegação de ilegitimidade do Ministério Público, e sobre as questões a ela atreladas de inadequação da via eleita e da impossibilidade da ação ser intentado pelo Ministério Público Estadual, já que no caso está a se falar de competência delegada.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS n. 26.690, realizado em 3-9-2008, de relatoria do Min. Eros Grau, afirmou que "no exercício das atribuições previstas nos art. 109, § 3º, da Constituição, e 78 e 79 da LC 75/1993, o Ministério Público estadual cumpre papel do MPF".
Assim, superada a matéria preliminar em anterior decisão colegiada, cabe a apreciação do mérito.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Já o critério do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Em conclusão, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Segundo a cópia da inicial de f. 23/38, os autores - a idosa com 74 anos portadora de esquizofrenia paranoide, e seu filho com 43 anos de idade, portador de retardo mental grave - estão submetidos a processo de interdição por medidas protetivas do Ministério Público Estadual.
Essa peça, corroborada pelo estudo social de f. 139/150, traz, ainda, a informação de que o grupo familiar é composto dos dois autores e de outro idoso - de 82 anos de idade, marido e pai respectivamente. A renda familiar é composta pelo benefício de aposentadoria por invalidez do esposo no valor de um salário mínimo (f. 80), decorrente de acidente de trabalho, que lhe ocasionou ferimento crônico na perna.
Apresentam péssimas condições de habitabilidade. Moram em terreno, fruto de ocupação, onde há presença constante de usuários de substâncias psicoativas. O ambiente interior do imóvel é insalubre, não há janelas para ventilação, não há presença de luz solar, existe fiação solta próxima ao teto.
A despeito da minha convicção pessoal, curvo-me ao entendimento dos Tribunais Superiores para, no caso em tela, aplicar analogicamente o disposto no artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
De fato, consoante precedentes do C. STF, julgado em sede de repercussão geral, e do E. Superior Tribunal de Justiça, o benefício de valor mínimo recebido por idoso, seja qual for sua natureza, deve ser desconsiderado para o cômputo da renda do núcleo familiar.
Confiram-se:
Mesmo que assim não fosse, consideradas as peculiaridades do caso e o fato da renda per capita familiar não superar a metade do valor do salário mínimo, a concessão do benefício é de rigor, de acordo com orientação firmada no REsp 1112557/MG, de relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado em 28/10/2009, sob o rito do artigo 543-C do CPC/73, a qual estabelece que o critério do artigo 20, §3º, da Lei 8.742/1993 deve ser tido como um limite mínimo, contudo não impede que o julgador faça uso de outros meios de prova.
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo do INSS.
Dê-se ciência desta decisão ao DD. Órgão do Ministério Público Federal e Estadual.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 02/08/2016 18:07:40 |
