
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001253-92.2023.4.03.6116
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: GABRIELLE RIBEIRO FERREIRA
Advogados do(a) APELANTE: JANAINA SILVA CAMILO - SP389637-A, MARCELO JOSEPETTI - SP209298-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, GERENTE EXECUTIVO DO INSS EM MARILIA/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001253-92.2023.4.03.6116
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: GABRIELLE RIBEIRO FERREIRA
Advogados do(a) APELANTE: JANAINA SILVA CAMILO - SP389637-A, MARCELO JOSEPETTI - SP209298-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, GERENTE EXECUTIVO DO INSS EM MARILIA/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação contra sentença que denegou a segurança pleiteada com o fim de obter reabertura de processo administrativo perante o INSS, referente a pedido de concessão de benefício assistencial a pessoa com deficiência.
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta que o ato do Gerente Executivo do INSS deve ser anulado para que o processo administrativo tenha prosseguimento. Sustenta que, em relação à análise da renda familiar, não foi observado o disposto no §14 do art. 20 da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 13.982/2020, que estabelece que o benefício previdenciário de até um salário mínimo não será computado para o cálculo da renda per capita familiar. Alega que preenche os requisitos para obtenção do benefício assistencial, tendo em vista seu estado de vulnerabilidade financeira e seu quadro de deficiência. Postula a concessão da segurança para o fim de que sejam realizadas instrução probatória do processo administrativo e nova análise pela autoridade previdenciária.
Sem apresentação de contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso de apelação.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001253-92.2023.4.03.6116
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: GABRIELLE RIBEIRO FERREIRA
Advogados do(a) APELANTE: JANAINA SILVA CAMILO - SP389637-A, MARCELO JOSEPETTI - SP209298-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, GERENTE EXECUTIVO DO INSS EM MARILIA/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A controvérsia recursal refere-se à análise da legalidade do ato de indeferimento do benefício de prestação continuada devido a pessoa com deficiência idoso, NB 714.115.424-9, por suposta superação do limite legal estabelecido para a renda per capita.
O mandado de segurança é a ação constitucional, prevista no artigo 5º, LXIX, da Constituição da República, regulamentado pela Lei 12.016/2009, cabível em casos de afronta a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Pode, inclusive, ser utilizado na matéria previdenciária, desde que vinculado ao deslinde de questões unicamente de direito ou passíveis de comprovação única e exclusivamente pela prova documental apresentada de plano pelo impetrante, eis que seu rito estreito não possibilita dilação probatória.
Além disso, o remédio constitucional visa à garantia de recomposição imediata do direito individual ou coletivo lesado por ato ilegal ou abusivo da autoridade, a exigir prova pré-constituída das situações e fatos que amparam o direito líquido e certo.
Nesse sentido, o C. STJ: “A petição inicial do mandado de segurança deve ser instruída com prova pré-constituída, requisito esse que não pode ser suprido por fato posterior à impetração”, (AgInt no RMS 65.504/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 21/02/2022, DJe 24/02/2022).
Da mesma forma: “O Mandado de Segurança visa proteger direito líquido e certo, ou seja, é pressuposto que o impetrante traga aos autos prova pré-constituída e irrefutável da certeza do direito a ser tutelado, capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco. Logo, somente aqueles direitos plenamente verificáveis, sem a necessidade de qualquer dilação probatória, é que ensejam a impetração do Mandado de Segurança, não se admitindo, para tanto, os direitos de existência duvidosa ou decorrentes de fatos ainda não determinados” (MS 25.175/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, j. 14/08/2019, DJe 06/09/2019).
Benefício de prestação continuada
A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.
Dos beneficiários
O benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017).
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019).
Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo período mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei 12.470/2011. Também, “para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação” - esse é o teor da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). (Redação alterada na sessão de 25/04/2019).
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Décima Turma conforme a ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA EM CASO DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRAZO EXÍGUO PARA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. AMPLIAÇÃO.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 0010184-23.2011.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/11/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021)
Da situação de hipossuficiência econômica
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998).
A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei.
4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal.
II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'.
IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'.
(REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”, (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015).
Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
Da condição de miserabilidade
A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial.
Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.
O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014).
A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos:
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013)
O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF:“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição”.
A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor:
Art. 20 (...)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal.
Dos elementos probatórios
O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS.
Do Caso Concreto
Pretende a recorrente provimento jurisdicional que determine à autoridade impetrada a reabertura do processo administrativo para realização de avaliação social, perícia médica e reanálise do pedido de benefício de prestação continuada (NB 714.115.424-9), o qual foi sumariamente indeferido em razão de a renda per capita familiar superar o limite legal (ID 302042966).
Consta dos autos que a renda familiar é oriunda do benefício previdenciário (pensão por morte) recebido por Eliana da Silva Ribeiro Ferreira, com 55 anos, genitora da recorrente, no valor de um salário mínimo.
O artigo 20, § 14, da LOAS é claro ao dispor que, para fins de concessão do benefício assistencial, não será incluído na composição da renda familiar o benefício no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Quanto ao ponto, importa ressaltar a fundamentação do MM Juiz a quo, neste termos:
A regra impõe que, para ser excluída a renda do benefício previdenciário no valor de até um salário mínimo do cálculo da renda per capita do núcleo familiar do(a) requerente, para fins de concessão do BPC/LOAS, o titular do referido benefício deve ser idoso, isto é, deve ter acima de 65 anos de idade, ou ser portador de deficiência.
No caso em apreço, a genitora da requerente, Eliana da Silva Ribeiro, titular do benefício de pensão por morte no valor de um salário mínimo, não preencheu nenhum dos dois requisitos. Não demonstrou ser idosa nem portadora de deficiência. Ao contrário, comprovou ter apenas 55 anos de idade, conforme cópia do RG de pág. 14 do ID 310042963.
(...)
Logo, o indeferimento automático do pedido administrativo de concessão do Benefício de Prestação Continuada/LOAS sem a realização das perícias não pode ser tido como ilegal, pois se fundou no comando contido no artigo 1º, da Portaria INSS nº 1.282/2021, acima transcrito. Visou, na verdade, evitar a prática de diligências desnecessárias por parte do INSS, já tão assoberbado, que fatalmente culminariam no mesmo resultado - o indeferimento do benefício - por não ser a genitora da requerente pessoa com idade superior a 65 anos.
Destarte, não se pode exigir da autoridade impetrada que atue contra as normas que regulamentam sua atuação, o que constituiria violação aos seus deveres funcionais.
Por conseguinte, embora a pensão por morte recebida pela mãe da impetrante deva ser considerada na receita financeira familiar, sobreleva o fato de que a renda per capita corresponde a meio salário mínimo, a qual é consentânea com as disposições do § 11-A do artigo 20 e os incisos do artigo 20-B da Lei 8.742/1993:
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
Nesse contexto, e atendo-se à natureza da deficiência da impetrante (incapaz para os atos da vida civil - ID 302042966, pp. 19/20), evidencia-se indevido o indeferimento sumário, pela autoridade previdenciária, do requerimento administrativo do benefício assistencial.
Com efeito, há de ser anulada a r. sentença para conceder a segurança, determinando-se o prosseguimento do processo administrativo referente ao NB 714.115.424-9 (ID 302042966), com realização de avaliação socioeconômica, de perícia médica e de nova análise conclusiva do requerimento pela autoridade previdenciária, respeitados os prazos legais.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da impetrante, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO SUMÁRIO NA VIA ADMINISTRATIVA. ATO COATOR CARACTERIZADO. RENDA FAMILIAR PER CAPITA NÃO SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. ART. 20, § 11-A, e ART. 20-B da LEI 8.742/1993. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECURSO PROVIDO.
1. O mandado de segurança é a ação constitucional, prevista no artigo 5º, LXIX, da Constituição da República, regulamentado pela Lei 12.016/2009, cabível em casos de afronta a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
2. Pode ser utilizado na matéria previdenciária, desde que vinculado ao deslinde de questões unicamente de direito ou passíveis de comprovação única e exclusivamente pela prova documental apresentada de plano pelo impetrante, eis que seu rito estreito não possibilita dilação probatória.
3. Pretende a recorrente provimento jurisdicional que determine à autoridade impetrada a reabertura do processo administrativo para realização de avaliação social, perícia médica e reanálise do pedido de benefício de prestação continuada, o qual foi sumariamente indeferido em razão de a renda per capita familiar superar o limite legal.
4. Embora a pensão por morte recebida pela genitora da impetrante deva ser considerada na receita financeira familiar, sobreleva o fato de que a renda per capita corresponde a meio salário mínimo, a qual é consentânea com as disposições do § 11-A do artigo 20 e os incisos do artigo 20-B da Lei 8.742/1993.
5. Considerando-se a renda familiar per capita e a natureza da deficiência da impetrante (incapaz para os atos da vida civil), evidencia-se indevido o indeferimento sumário, pela autoridade previdenciária, do requerimento administrativo do benefício assistencial.
6. Há de se concedida a segurança para determinar o prosseguimento do processo administrativo, com realização de avaliação socioeconômica, de perícia médica e de nova análise conclusiva do requerimento pela autoridade previdenciária, respeitados os prazos legais.
7. Apelação provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
