Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002211-97.2018.4.03.6134
Relator(a)
Desembargador Federal MARCELO GUERRA MARTINS
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
02/09/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 10/09/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. UNIÃO
ESTÁVEL POR PERÍODO SUPERIOR A 02 ANOS ANTES DO ÓBITO. CONJUNTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. SUCUMBÊNCIA
RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.
1. Insuficiente o conjunto probatório a demonstrar a união estável entre a autora e o segurado
falecido por período superior a 02 anos antes do óbito.
2. Não comprovados os requisitos para concessão do benefício de pensão por morte de forma
vitalícia, nos termos dos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/91.
3. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
4. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002211-97.2018.4.03.6134
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 24 - JUIZ CONVOCADO MARCELO GUERRA MARTINS
APELANTE: ANA CRISTINA BARBIERI BERTAIOLLI ZOCA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE REIS DE SOUZA - SP275159-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002211-97.2018.4.03.6134
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANA CRISTINA BARBIERI BERTAIOLLI ZOCA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE REIS DE SOUZA - SP275159-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada por ANA CRISTINA BARBIERI BERTAIOLLI ZOCA em face do
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão do benefício de pensão por
morte em decorrência do óbito de Messias Zoca, ocorrido em 18/03/2018.
A sentença julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de comprovação da
união estável por período superior a 02 anos antes do óbito, condenando a parte autora ao
pagamento das custas, despesas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% do
valor da causa, observando-se o parágrafo 3º do artigo 98 do CPC/2015.
Apela a parte autora sustentando, em síntese, o preenchimento dos requisitos necessários à
concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002211-97.2018.4.03.6134
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANA CRISTINA BARBIERI BERTAIOLLI ZOCA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE REIS DE SOUZA - SP275159-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Os requisitos a serem observados para a concessão da pensão por morte estão previstos nos
artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991, sendo necessária a comprovação, cumulativamente: a) do
óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa) da
Previdência Social; b) da existência de beneficiário dependente do de cujus, em idade hábil ou
preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.110.565/SE,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC, fixou que o deferimento do benefício de pensão por
morte está vinculado ao cumprimento da condição de segurado do falecido, salvo na hipótese
prevista na Súmula 416/STJ: "É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que,
apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de
aposentadoria até a data do seu óbito".
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de
previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de
segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça,
durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária.
Por sua vez, o §4º desse dispositivo legal estabelece que haverá a perda da qualidade de
segurado no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente
ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da
qualidade de segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o
término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus
dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do
tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário,
conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível
a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o
período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Nesse passo, importa consignar que a redação original do inciso I do artigo 26 Lei de
Benefícios, bem como aquela que lhe foi dada pela Lei nº 9.876/99, mantida pela Lei nº
13.135/2015, dispensa o cumprimento de carência para fins de concessão do benefício de
pensão por morte.
Acresça-se, também, que será garantida a condição de segurado ao trabalhador rural que não
tiver vínculo de emprego devidamente registrado em CTPS desde que comprovado o labor
mediante ao menos início de prova documental, consoante estabelecido na Súmula nº 149 do
STJ.
No tocante aos dependentes do segurado falecido, o direito à pensão por morte encontra-se
disciplinado na Lei n. 8.213/91, art. 16, in verbis:
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes
do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de
qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência
intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado
judicialmente; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21
(vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta
ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente."
Por sua vez, o § 4º desse mesmo artigo estabelece que "a dependência econômica das
pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada".
O caso dos autos
Nos termos do §6º do artigo 16 do Decreto nº 3.3808/99, a união estável é aquela configurada
na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com
intenção de constituição de família, observado o §1º do art. 1.723 do Código Civil (Lei nº
10.406/2002).
No tocante à condição de dependente da autora o juiz de primeiro grau, após analisar a prova
material acostada aos autos, bem como a prova testemunhal produzida em audiência, entendeu
que:
(...)
O benefício ora pleiteado está amparado legalmente no artigo 74, da Lei 8.213/91, cuja redação
vigente à época do óbito era a seguinte:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida (...)
Embora a concessão da pensão independa de carência, é necessária a demonstração da
qualidade de segurado do instituidor quando de sua morte.
O óbito de Messias Zoca restou provado pela certidão na página 7 do processo administrativo
que se encontra no arquivo 13218304; a qualidade de segurado, por sua vez, foi demonstrada
pelos extratos nas páginas 16/18 do mesmo arquivo, que comprova o gozo de aposentadoria
por tempo de contribuição na época do falecimento.
Entre os dependentes do segurado encontra-se o companheiro (artigo 16, I), caso em que a
dependência é presumida (artigo 16, § 4º). A prova da união estável se deu pela escritura
pública firmada perante o 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Americana.
Em tal documento foi consignado que a autora e o segurado divorciaram-se em 08/12/2015,
ocasião em que passaram a residir em locais distintos, mas que reataram a convivência, como
se casados fossem, a partir de 02/09/2016.
Interessa ao caso em tela o teor da redação do inciso V do parágrafo 2º do art. 77 da Lei
8.213/91, que estabeleceu termo para a percepção da pensão por morte, conforme segue:
Art.77.A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte
iguais.(Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1ºReverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.(Redação
dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2oO direito à percepção de cada cota individual cessará: (Redação dada pela Lei nº 13.135,
de 2015)
V - para cônjuge ou companheiro:(Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015)
a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da
deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e
“c”;(Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015)
b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito)
contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos
de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;(Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015)
c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na
data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições
mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:(Incluído
pela Lei nº 13.135, de 2015)
1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;(Incluído pela Lei nº 13.135, de
2015)
2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;(Incluído pela Lei nº
13.135, de 2015)
3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;(Incluído pela Lei nº
13.135, de 2015)
4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;(Incluído pela Lei nº 13.135,
de 2015)
5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;(Incluído pela
Lei nº 13.135, de 2015)
6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.(Incluído pela Lei nº 13.135, de
2015)
Na data do falecimento, a autora contava 47 anos; a autora, com base em alegada união
estável desde 02/09/2016, requereu administrativamente e lhe foi concedida a pensão por
morte pelo prazo de quatro meses (id. 13218311, fls. 43).
Pretende a autora, agora, na presente, que a pensão lhe seja implantada de forma vitalícia, sob
a assertiva de que ela e o de cujus, em que pese o divórcio, nunca deixaram de conviver.
No entanto, o quadro probatório indica que não houve essa alegada continuidade da
convivência.
Consoante o dispositivo legal acima, para o recebimento da pensão vitalícia, para a faixa etária
da requerente, exige-se que o casamento ou união estável tenha ocorrido há pelo menos dois
anos do óbito.
No caso em tela, depreende-se que, conquanto haja elementos de que autora convivia em
união estável com o de cujus ao tempo do óbito, não há elementos a contento, de outro lado,
para lastrear a pretensão de percepção da pensão de modo vitalício, acerca da assertiva de
que, mesmo diante do divórcio, a convivência nunca se interrompeu.
Na espécie, denota-se que a autora e o de cujus se divorciaram e apenas teriam reatado, após
um interregno, a partir de data por eles próprios declarada em escritura pública de declaração
de união estável, na qual, aliás, também relataram que nesse período, entre o divórcio e a
retomada da convivência, residiram em endereços diversos.
Cabe observar que há elementos robustos acerca da ruptura da convivência, ruptura essa que,
aliás, não foi apenas fática. Houve formalização, por meio de divórcio. Não haveria razões, a
propósito, nesse passo, para que houvesse todo um processo de dissolução da sociedade
conjugal, caso a convivência nunca tivesse sido interrompida. Há, pois, forte indicativo de que
não houve a automática continuação, a partir daí, sem interrupção, de uma convivência agora a
título de união estável.
Outrossim, a par do divórcio, a própria autora e o de cujus celebraram escritura pública
declaratória de união estável, na qual expressamente reconheceram essa interrupção. Passo, a
propósito, a transcrever o principal ponto:
“ENTÃO, pelos mencionados outorgantes DECLARANTES, foi-me dito, sob as penas de lei, o
quanto segue: I) QUE casaram-se em 05/12/1987 e divorciaram-se em 08/12/2015 (cf.
averbação ao lado do assento de casamento emitido aos 08/03/2016 pelo Oficial de Registro
Civil das Pessoas e de Interdições e Tutelas da Sede desta comarca de Americana-SP, sob o
nº de matrícula 121418.01.55.1987.2.00039.025.00009893-07). Por ocasião do divórcio a
declarante continuou a morar e residir no endereço supra citado, qual seja, nesta cidade, na
Rua Itapura, nº 16, Jardim Ipiranga. O declarante, por sua vez, passou a morar e residir
também nesta cidade, na Rua Vital Brasil, nº 329, Jardim Girassol. Afirmam contudo que após o
divórcio, reataram a convivência e entenderam por bem voltarem a residir novamente como se
casados fossem, motivo esse que os levaram a declarar a presente união estável desde 02 de
setembro de 2016, dando a esta união um caráter notório e estável, visando a constituição de
uma família protegida nos termos da lei, respeitando-se mutuamente. ” (páginas 31/32 – id
13218304) (Grifos meus)
Destaque-se, em acréscimo, que, em seu depoimento pessoal, a requerente ratificou
integralmente os termos apostos na escritura pública declaratória de união estável. Ao lado da
fé pública do ato, assim, não houve qualquer vício de consentimento (que, ademais, nem
mesmo foi explanado na inicial).
A declaração de união estável feita por ambos foi precisa ao fixar a data da retomada do
relacionamento em 02/09/2016, que é distinta, ademais, convém frisar – e par da declaração de
que apenas posteriormente passaram a conviver como se casados fossem –, da data da
lavratura da escritura pública (22/09/2016), do que se emerge inequívoca, em consequência, a
data da retomada que quiseram declarar, sem se poder falar, assim, em erro ou equívoco.
Em adição, como elemento a ser acrescentado no quadro probatório, observo que na escritura
pública sobredita também declararam a autora e o de cujus, a par da retomada do
relacionamento somente tempos após, que, inclusive, teriam passado a residir, após o divórcio,
em casas distintas.
De início, ad argumentandum, malgrado cediço que, em conformidade com a jurisprudência, a
coabitação não representa elemento indispensável para a caracterização da união estável (cf.,
aliás, Súmula 382 do STF), sua inexistência, por outro lado, pode consubstanciar considerável
elemento a ser analisado no contexto probatório de que não havia uma convivência como se
casados fossem, já que, em princípio, normalmente há, para essa situação, a coabitação. Por
conseguinte, embora possível a existência de união estável sem que haja coabitação, dimana-
se que a prova, então, nessa hipótese, deve ser mais robusta, com as justificativas pertinentes
a cada caso ou com a comprovação de circunstâncias outras que levem a segura conclusão de
que houve união duradoura para constituição de família, inclusive para se diferenciar, por
exemplo, de um namoro. A propósito, consoante já explicitou o E. TRF2, “(...) A coabitação, em
razão das mudanças sociais, é considerada apenas um indício de união estável, e um
relacionamento sério sem coabitação depende de provas robustas para ser reconhecido como
união estável.” (...) (TRF da 2ª Região, Apelação Cível/Reexame Necessário n.
2014.51.01.004779-4, 7ª Turma Especializada, rel. Des. Sergio Schwaitzer, julgado em
4/3/2016) (Grifo meu). A situação fática, assim, inclusive a considerar as consequências
jurídicas dela decorrentes, deve ser analisada com cautela e reclama, para a sua
demonstração, provas a contento.
Para o caso em tela, porém, a ponderação sobredita nem mesmo se faria necessária. A aludida
declaração de que a autora e o de cujus passaram a residir em residências distintas após o
divórcio se deu ao mesmo tempo em que também declararam a retomada do relacionamento
somente a partir de 02/09/2016. Ou seja, declararam que reataram a convivência, agora como
união estável, e que até então, desde o divórcio, estavam residindo em endereços diversos. A
ausência de coabitação, assim, in casu, vem apenas a reforçar os elementos e circunstâncias já
anteriormente explicitadas que demonstram não ter havido uma continuação do relacionamento
– agora a título de união estável – logo após o divórcio. Ademais, a autora e o de cujus também
declararam na escritura pública que, somente após o divórcio e terem passado a residir em
endereços distintos é que “reataram a convivência e entenderam por bem voltarem a residir
novamente como se casados fossem” (grifos meus). Aliás, o fato de ambos terem passado a
residir em casas distintas precisamente após o divórcio e em razão dele, inclusive em
conformidade com as regras de experiência, faz indicar, de per se, a ausência da continuidade
da convivência asseverada. Restou devidamente demarcado, pois, o momento a partir do qual,
conforme a própria declaração, a autora e o de cujus voltaram a residir juntos com affectio
maritalis.
Ressalte-se, nesse contexto, que foram os próprios declarantes, de acordo com suas próprias
percepções e entendimento, que declararam perante o tabelião essa data em que teriam
reatado o relacionamento, inclusive, para tanto, com a descrição de fatos. Descaberia, inclusive
tão só agora, afastar as declarações que a própria autora fez perante o tabelião (e que não são
nem mesmo negadas), sob o fundamento de que os fatos, em verdade, eram outros.
Cabe observar a fé pública do documento, a própria declaração (já que foi ratificada em juízo
pela autora, sem que tenha havido, ainda, alegação de vício de consentimento), a segurança
jurídica e a boa-fé objetiva.
Conquanto saiba-se que a união estável não é estabelecida a partir de um negócio jurídico,
mas, sim, pela análise da situação fática em conformidade com os requisitos legais, depreende-
se que, na espécie, foi justamente com esteio na declaração de fatos feita na escritura pública
que buscou a autora demonstrar seu direito. E na aludida declaração, a teor do já expendido, a
autora declarou que a convivência foi reatada tempos após o divórcio. Há, destarte, in casu,
contradição, em relação aos próprios fatos, entre o declarado na escritura e o agora alegado.
Cabe aqui, então, observância ao instituto da venire contra factum proprium (que estabelece a
proibição de comportamento contraditório), assentado na boa-fé objetiva.
A propósito, conforme, mutatis mutandis, já se decidiu:
COBERTURA POR MORTE DO CÔNJUGE. SEGURADO SEPARADO DE FATO. INCLUSÃO
DE COMPANHEIRA COMO BENEFICIÁRIA E CÔNJUGE NA APÓLICE. FALECIMENTO DE
EXESPOSA. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA INDEVIDA. MÁ-FÉ DO SEGURADO. LIDE
TEMERÁRIA. MULTA. O contrato de seguro está amparado pela boa-fé objetiva, ou seja, a
exigência de comportamento legal e honesto entre as partes contratantes, de modo a preservar
as legítimas expectativas geradas pelo contrato. Resta demonstrada a má-fé do segurado que
pleiteia a indenização pelo falecimento de sua esposa, da qual se encontrava separado de fato
há mais de 18 (dezoito) anos, mormente por ter indicado na apólice de seguro sua companheira
como beneficiária e cônjuge, apresentando escritura pública declaratória de união estável. O
Direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como o
exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido
anteriormente. A seguradora assumiu o risco do contrato ao aceitar a companheira do
requerente como cônjuge, razão pela qual não pode ser obrigada a pagar a indenização pela
morte de uma pessoa que sequer foi incluída como beneficiária do seguro. A parte que altera a
verdade dos fatos e pleiteia vantagem sabidamente indevida deve ser condenada ao
pagamento de multa por litigância de má-fé. (TJ-MG - Apelação Cível AC 10701150422031001
MG, publicado em 13/04/2018)
E, nesse quadro, descabe a assertiva de que a retomada do relacionamento por meio de
escritura pública seria um procedimento “mais prático e mais barato”. Não há qualquer relação
entre o meio eleito e o conteúdo da livre declaração da autora e do de cujus. O que se deve
observar é a livre e voluntária declaração prestada por ambos ao tabelião, a qual, a propósito,
poderia ter sido dada com outros contornos, caso os declarantes assim desejassem. Além
disso, tão só a título de argumentação – já que a assertiva não possui relação e não tem o
condão de afastar a declaração –, pela escritura pública o casal desembolsou R$ 366,08,
enquanto teria pago R$ 353,22 no ano de 2016 para a lavratura de assentamento de
casamento no Estado de São Paulo (informação extraída da página da Associação dos
Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo:
http://www.arpensp.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/files/tabela- 2016%201(2).pdf)
Nesse passo, ainda, depoimentos e entendimentos de terceiros não poderiam, agora, elidir os
fatos então declarados perante o tabelião pelas próprias pessoas interessadas neles
envolvidas. Ademais disso, as testemunhas arroladas demonstraram conhecimento superficial
sobre a vida do casal e sequer era do conhecimento delas a ocorrência do divórcio, cuja ação
foi ajuizada em 01/11/2015. Outrossim, as declarações acostadas aos autos do Processo
Administrativo (id. 13218311, fls. 13/39), inclusive oriundas de parentes e amigos, além de
serem posteriores ao óbito, não possuiriam, de qualquer modo, aptidão de comprovar o fato
declarado. Com efeito, haveria depoimento testemunhal com o prejuízo de não ser observado o
contraditório. E, sobretudo, nos termos do art. 408, caput, do CPC/2015 (art. 368 do CPC/1973),
“as declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado
presumem-se verdadeiras em relação ao signatário”, sendo que, segundo o parágrafo único:
“Quando, todavia, contiver declaração de ciência de determinado fato, o documento particular
prova a ciência, mas não o fato em si, incumbindo o ônus de prová-lo ao interessado em sua
veracidade.”
Nota-se, aliás, que o divórcio foi averbado na certidão de casamento apenas em 08/03/2016,
época limite em que precisaria ter sido provada a união estável nos termos do art. 77, § 2º, V da
Lei 8.213/91 (p. 11/12 – id 13218304).
A fim de afastar a força probante do documento público, seria mister, no caso em tela, a
apresentação de circunstâncias e justificativas devida e amplamente demonstradas por meio de
provas robustas, o que não ocorreu. Pelo contrário, registrou-se a separação, ainda que por um
curto lapso de tempo, ainda que tenha atraído a incidência do art. 77, § 2º, V da Lei 8.213/91.
Ressalte-se, por fim, que, malgrado tenha havido, no divórcio, a fixação de alimentos em prol da
autora, houve, após, a teor do acima já expendido, em conformidade com a já acenada
escritura pública, a constituição, a partir de 2 de setembro de 2016, de união estável, que era a
situação existente ao tempo do óbito e, por conseguinte, a que passou a regular a pensão por
morte que veio a ser concedida. E esse intervalo entre o divórcio e o início da união estável, em
que os alimentos eram devidos, não pode ser considerado uma continuação da convivência, eis
que, conquanto revele dependência que seria apta a engendrar a pensão por morte vitalícia
caso o óbito tivesse ocorrido durante sua vigência, não pode ser entendido como o período de
casamento ou união estável exigido pela lei. Descaberia, ainda, a soma do tempo da união
estável ao do casamento, porquanto o divórcio já havia colocado fim a este. Não poderia o
Poder Judiciário, nesse passo, transformar-se em legislador positivo.
Destarte, não restou suficientemente demonstrado que o relacionamento entre a autora e o
falecido tenha reiniciado antes de 03/2016. Não restou provado, pois, que a autora e o falecido
viveram em união estável pelo período de dois anos antes do óbito, condição necessária para o
direito à pensão por morte de forma vitalícia.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a existência de união estável por período superior a 02 anos,
pressuposto indispensável para a concessão do benefício de forma vitalícia, de rigor a
manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11º do artigo 85
do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos
honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no §3º do artigo
98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85
do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado
na sentença, observada a hipótese prevista no §3º do artigo 98 do Código de Processo
Civil/2015.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.
UNIÃO ESTÁVEL POR PERÍODO SUPERIOR A 02 ANOS ANTES DO ÓBITO. CONJUNTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. SUCUMBÊNCIA
RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.
1. Insuficiente o conjunto probatório a demonstrar a união estável entre a autora e o segurado
falecido por período superior a 02 anos antes do óbito.
2. Não comprovados os requisitos para concessão do benefício de pensão por morte de forma
vitalícia, nos termos dos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/91.
3. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
4. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
