Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003368-38.2017.4.03.6103
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
13/05/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/05/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.LEI Nº 9.514/97.CONSOLIDAÇÃO
DA PROPRIEDADE. PURGAÇÃO DA MORA REQUERIDA POSTERIORMENTE À ALTERAÇÃO
LEGISLATIVA. LEI 13.465/2017. REDUÇÃO DA RENDA. PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.
IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. O contrato firmado entre as partes possui cláusula de alienação fiduciária em garantia, na
forma do artigo 38 da Lei nº 9.514/97, cujo regime de satisfação da obrigação difere dos mútuos
firmados com garantia hipotecária, posto que na hipótese de descumprimento contratual e
decorrido o prazo para a purgação da mora, ocasiona a consolidação da propriedade do imóvel
em nome da credora fiduciária.
2. Não há ilegalidade na forma utilizada para satisfação dos direitos da credora fiduciária, sob
pena de ofender ao disposto nos artigos 26 e 27, da Lei nº 9.514/97.
3. Apenas o depósito, acaso realizado no seu montante integral e atualizado da dívida vencida,
teria o condão de suspender os procedimentos de execução extrajudicial do imóvel, não havendo
que se rechaçar essa possibilidade, em atenção não só ao princípio da função social dos
contratos, mas também para assegurar o direito social à moradia.
4. Observo, no entanto, que com a alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.465/2017 de
11/07/2017 (em vigor na data de sua publicação), que modificou a redação do art. 39, II da Lei nº
9.514/97, a aplicação das disposições dos arts. 29 a 41 do DL nº 70/66 se dará apenas aos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
procedimentos de execução garantidos por hipoteca.
5. Destarte, em se tratando de alienação fiduciária, como é o caso dos autos, em homenagem ao
princípio tempus regit actum, considero plausível assegurar ao devedor a possibilidade de
purgação da mora nos moldes da fundamentação acima, apenas aqueles que manifestaram sua
vontade em purgar a mora até a data de vigência da nova lei, ou seja, aos executados que
pleitearam a possibilidade de purgação da mora perante a instituição financeira ou perante o
Judiciário até a data de 11/07/2017.
6. No vertente recurso, a parte apelante pretende o direito a purgação da mora e a redução dos
encargos mensais, não havendo na inicial que deu origem ao presente recurso pleito para a
purgação da mora na forma acima explicitada.
7. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos
regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização
não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas
adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.
8. As alegações do requerente no sentido de que em virtude de problemas financeiros não mais
conseguiu adimplir as prestações do contrato, não possuem o condão de possibilitar a aplicação
da Teoria da Imprevisão ao presente caso, afinal, ao assumir as obrigações contidas no
financiamento, o mutuário assumiu os riscos provenientes da efetivação do negócio - ainda mais
se considerando o prazo do contrato (360 meses).
9. Conforme se infere dos autos, o autor pleiteiaa revisão contratual com a CEF para
renegociação do débito oriundo do financiamento habitacional, ou, subsidiariamente, a dilatação
do prazo total de amortização da dívida. No entanto, como bem assinalou o Magistrado de
primeiro grau, qualquer renegociaçãoestá sujeita à manifestação de vontade das partes. Sem que
haja concordância expressa da CEF a respeito, não se pode impor à instituição financeira essa
renegociação.
10. Precedente desta E. Corte: “Não incumbe ao Poder Judiciário obrigar a Caixa Econômica
Federal a manter abertas negociações para parcelamento da dívida, visto que o agente financeiro
tem certa margem de discricionariedade quanto à conveniência e à oportunidade para a
renegociação, tendo em vista o princípio da autonomia de vontade que rege os contratos.“ (TRF3,
5ª Turma, AC 00033971520094036117, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, e-DJF3 Judicial 1
DATA:02/05/2017)
11. Apelação desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003368-38.2017.4.03.6103
RELATOR:Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: ROBERTO BRUNO LIMA MOTA
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003368-38.2017.4.03.6103
RELATOR:Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: ROBERTO BRUNO LIMA MOTA
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Trata-se de apelação
interposta por ROBERTO BRUNO LIMA MOTA contra a sentença que, nos autos da ação
revisional de contrato de financiamento imobiliário, proposta em face da Caixa Econômica
Federal, julgou improcedente o pedido, condenando o autor a arcar com os honorários
advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, corrigido monetariamente
de acordo com os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na
Justiça Federal editado pelo Egrégio Conselho da Justiça Federal, cuja execução submete-se ao
disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
Em suas razões, o autor aduz que a sentença deve ser reformada pelos seguintes motivos: a) a
possibilidade de purgação da mora depois da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário e a revisão do contrato pretendida pelo recorrente, com fundamento no disposto pelo
Artigo 6°, inciso V do CDC; b) a renegociação das parcelas em atraso e aredução dos encargos
mensais, de modo a restabelecer o equilíbrio do contrato de mútuo, devido ao fato superveniente
caracterizado pelo desemprego, gerando, assim, a perda de renda substancial do núcleo familiar;
c) o direito de modificação do contrato para adequá-lo à sua nova situação socioeconômica.
Transcorrido in albis o prazo para apresentação das contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, vieram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003368-38.2017.4.03.6103
RELATOR:Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: ROBERTO BRUNO LIMA MOTA
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Inicialmente, recebo o
recurso de apelação em ambos os efeitos.
O presente contrato possui cláusula de alienação fiduciária em garantia, na forma do artigo 38 da
Lei nº 9.514/97, cujo regime de satisfação da obrigação difere dos mútuos firmados com garantia
hipotecária, posto que na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para a
purgação da mora, ocasiona a consolidação da propriedade do imóvel em nome da credora
fiduciária.
Conforme se verifica do registro na matrícula do imóvel, a propriedade do imóvel foi consolidada
em favor da CEF em 27/06/2017 (id 7742126).
Assim, não há ilegalidade na forma utilizada para satisfação dos direitos da credora fiduciária,
sendo inadmissível obstá-la de promover atos expropriatórios ou de venda, sob pena de ofender
ao disposto nos artigos 26 e 27, da Lei nº 9.514/97. Precedentes desta E. Corte: 1ª Turma, AI nº
2008.03.00.024938-2, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, DJF3 25/05/2009, p. 205; 2ª Turma, AI nº
2008.03.00.011249-2, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 15/07/2008, DJF3 31/07/2008.
No mesmo sentido já se manifestou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM
IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA
PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE
NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO
IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97.
POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI.
1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla
interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da
posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua propriedade sobre o
bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório
somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97.
2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura
interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação.
Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor
fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo
possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel.
3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à
posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que
não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97
estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização
dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a
lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não
deu causa.
4. Recurso especial não provido.
(STJ, 3ª Turma, REsp 1155716 / DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/03/2012, DJe 22/03/2012 RB
vol. 582 p. 48)
Pois bem. A impontualidade no pagamento das prestações enseja o vencimento antecipado da
dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira, o que,
consequentemente, autoriza a realização do leilão público para alienação do imóvel, nos termos
dos arts. 26 e 27, da Lei 9.514/97.
Acontece que o contrato não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário, mas pela venda em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária.
Sendo assim, somente obsta o prosseguimento do procedimento o depósito tanto da parte
controvertida das prestações vencidas, como da parte incontroversa, com encargos legais e
contratuais, arcando o devedor com as despesas decorrentes, até a data limite para purgação da
mora, a qual pode se dar mesmo depois da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário, ou seja, até a data de realização do último leilão.
É a previsão do art. 34, do Decreto 70/66: “Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a
assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acôrdo com o artigo 33, e
acrescido ainda dos seguintes encargos:I - se a purgação se efetuar conforme o parágrafo
primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca,
até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário;II - daí
em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção
monetária incidente até o momento da purgação”.
Inclusive, neste contexto, sendo os prejuízos suportados, exclusivamente, pelo devedor
fiduciante, cumprindo se observar a função social do contrato, tratando-se a situação de fato
reversível, apesar da consolidação, o pagamento da mora evita a extinção desnecessária do
contrato.
Obviamente, caso já arrematado o bem por terceiro de boa-fé, mesmo diante de inequívoca
intenção de pagamento da quantia devida, há que se negar a possibilidade de purgação da mora,
em razão dos prejuízos que poderia sofrer o arrematante do imóvel.
Nesse sentido, a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997.
PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO
CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº
70/1966.1.Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de
alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em
nome do credor fiduciário.2.No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato
não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas,
sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do
auto de arrematação.3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº
9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se
extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da
alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a
purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que
cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966.4. O devedor pode
purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº
9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do
Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de
financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997.5. Recurso especial provido.(RESP
201401495110, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE
DATA:25/11/2014 ..DTPB:.)
Contudo, é pertinente ressalvar que apenas o depósito, acaso realizado no seu montante integral
e atualizado da dívida vencida, teria o condão de suspender os procedimentos de execução
extrajudicial do imóvel, não havendo que se rechaçar essa possibilidade, em atenção não só ao
princípio da função social dos contratos, mas também para assegurar o direito social à moradia.
Destaco, ainda, que o entendimento acerca da possibilidade de purgar a mora após a
consolidação até a formalização do auto de arrematação está em consonância com a orientação
do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997.
PURGA ÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO
CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº
70/1966.
1.Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de alienação
fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do
credor fiduciário.
2.No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força
da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão
público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação.
3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, não
incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a
consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação
fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora
até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as
exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966.
4. O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º,
da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34
do Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de
financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997.5. Recurso especial provido.
(RESP 201401495110, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE
DATA:25/11/2014 ..DTPB:.).
Observo, no entanto, que com a alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.465/2017 de
11/07/2017 (em vigor na data de sua publicação), que modificou a redação do art. 39, II da Lei nº
9.514/97, a aplicação das disposições dos arts. 29 a 41 do DL nº 70/66 se dará apenas aos
procedimentos de execução garantidos por hipoteca. Referido dispositivo passou a vigorar nos
seguintes termos:
“Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que
se refere esta Lei:
...................................................................................
II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de
1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca.”
Destarte, em se tratando de alienação fiduciária, como é o caso dos autos, em homenagem ao
princípio tempus regit actum, considero plausível assegurar ao devedor a possibilidade de
purgação da mora nos moldes da fundamentação acima, apenas aqueles que manifestaram sua
vontade em purgar a mora até a data de vigência da nova lei, ou seja, aos executados que
pleitearam a possibilidade de purgação da mora perante a instituição financeira ou perante o
Judiciário até a data de 11/07/2017.
Observo, que apesar de afastada a aplicação subsidiária dos arts. 29 a 41 do DL nº70/66 para as
hipóteses de execução garantida por alienação fiduciária, se apresenta possível ao devedor
fiduciante, nos moldes do §2º-B do art. 27 da Lei nº 9.514/97, incluído pela Lei nº 13.465/2017, o
direito de preferência para aquisição do imóvel até a data de realização do segundo leilão,
mediante o pagamento do preço correspondente ao valor da dívida, somados os encargos legais,
tributos e despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, inclusive custas e
emolumentos.
No vertente recurso, a parte apelante pretende o direito a purgação da mora e a redução dos
encargos mensais, não havendo na inicial que deu origem ao presente recurso pleito para a
purgação da mora na forma acima explicitada.
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos regidos
pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é
indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no
contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.
Para enriquecer ainda mais o posicionamento, trago à colação recentes julgados:
CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA
EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO.
CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO
IMPROVIDO. (...) 3. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista
aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é
indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no
contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. Assim, resta
afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor para socorrer alegações genéricas de
que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula
abusiva no contrato. (...)7. Apelação não provida. (AC 00019633920144036109,
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial
1 DATA:01/07/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LEI 9.514/97. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. (...) 6. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (lei
geral), pois a Lei 9.514/97, que regula a alienação fiduciária, caracteriza-se como lei especial. 7.
Apelação desprovida.(AC 00140814520124036100, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO
TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/09/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Com efeito, para a admissão da imprevisibilidade dos contratos, necessário o reconhecimento da
ocorrência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis, inimputáveis às partes, os quais geram
reflexos prejudiciais à sua execução, acarretando a onerosidade excessiva, com a conseqüente
dificuldade de cumprir com as obrigações assumidas.
Verifico que os autores, ora apelantes, em momento algum, trouxeram aos autos qualquer
elemento capaz de demonstrar a ocorrência de evento novo, imprevisto e imprevisível,
inimputável às partes, que tenha, de fato, contribuído para a piora/comprometimento de sua
situação financeira.
As alegações do requerente no sentido de que em virtude de problemas financeiros não mais
conseguiu adimplir as prestações do contrato, não possuem o condão de possibilitar a aplicação
da Teoria da Imprevisão ao presente caso, afinal, ao assumir as obrigações contidas no
financiamento, o mutuário assumiu os riscos provenientes da efetivação do negócio - ainda mais
se considerando o prazo do contrato (360 meses).
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SFH. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. INSUFICIÊNCIA DOS
DEPÓSITOS. EFEITOS. 1. Considera-se existir justa recusa do credor se o valor consignado em
juízo é insuficiente para satisfazer o débito do consignante. 2. A teoria da imprevisão aplica-se em
casos excepcionais, quando o acontecimento não previsível pelas partes contratantes traga grave
alteração da base negocial a impossibilitar o cumprimento da prestação. As oscilações do
contrato decorrentes da aposentadoria do mutuário, em princípio, não autorizam a invocação
dessa teoria. 3. Apelação desprovida.(AC 00068566220124036103, DESEMBARGADOR
FEDERAL MAURICIO KATO, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"DIREITO CIVIL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - "PAR". LEI Nº
10.188/2001. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. RESCISÃO CONTRATUAL. ESBULHO. DIREITO À
MORADIA. DESEMPREGO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO.
PAGAMENTO DAS PARCELAS DE ARRENDAMENTO E TAXAS CONDOMINIAIS EM ATRASO.
1 - A sentença recorrida determinou seja a CAIXA reintegrada na posse do imóvel objeto do
contrato de arrendamento residencial, fundada no seu inadimplemento e conseqüente
descumprimento de cláusulas contratuais ensejadoras de sua rescisão, afastando a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor. 2 - O contrato de arrendamento, no âmbito do Programa de
Arrendamento Residencial, estabelece as condições para a reintegração de posse, modalidade
de ação compatível com a Constituição da República, eis que não conflita com o direito à moradia
nem com a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. Constatada a inadimplência e
notificado o arrendatário, caracteriza-se o esbulho possessório, devendo ser conferida à CAIXA a
medida reintegratória. Aplicação da Lei nº 10.188/2011, art. 9º. Precedente. 3 - O desemprego
involuntário, motivo alegado pela apelante para não adimplir as obrigações contratuais, não é
fator capaz de possibilitar a aplicação da teoria da imprevisão, porque não se apresenta como um
fato superveniente imprevisível quando da realização do contrato. 4 - É devido o pagamento das
parcelas do arrendamento e das taxas condominiais em atraso, desde a data do início da
inadimplência até a data da efetiva reintegração. Precedentes. 5 - Apelação cível desprovida."
(TRF 2ª REGIÃO, AC - APELAÇÃO CIVEL 568223, Processo: 201151010134598, Órgão
Julgador: Sexta Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Nizete Lobato Carmo, Data da decisão:
21/01/2013, E-DJF2R DATA: 25/01/2013) (grifos nossos)
CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO PARA
OBRAS. PLEITOS DE INVALIDAÇÃO DE LEILÃO, RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. JUSTIÇA GRATUITA. PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO. 1. Apelação interposta contra sentença de improcedência dos pedidos
de: a) invalidação do leilão realizado em relação ao imóvel residencial que serviu de garantia a
contrato de mútuo para obras (afirmando, os autores, não terem sido notificados pessoalmente a
purgar a mora, o que teria implicado violação ao princípio do devido processo legal); b)
renegociação da dívida dos autores com a fixação de novos montantes obedientes dos juros e
multas legais e dos valores de equidade e de justiça social e a prorrogação do período de
amortização do débito por mais dez anos (considerado o desemprego de um dos devedores, o
que ensejaria a aplicação da teoria da imprevisão); e c) condenação da ré no pagamento de
indenização por danos morais e materiais no importe de duzentos salários mínimos (considerada
a conduta da ré em proceder ao leilão do bem sem atendimento às formalidades legais e sua
intransigência em não renegociar a dívida discutida). (...) 7. Sobre o pedido de condenação da ré
a renegociar o ajuste, inclusive, prorrogando o prazo de amortização, dada a situação de
desemprego do mutuário paradigma, a solução passa necessariamente pela redação contratual,
segundo a qual: "Não se aplica o disposto no Parágrafo Segundo desta Cláusula [relativo à
revisão do valor do encargo] às situações em que o comprometimento de renda em percentual
superior ao disposto na Cláusula Décima [30%] tenha se verificado em razão da redução da
renda, mesmo que por mudança ou perda de emprego, ou por alteração na composição da renda
familiar, inclusive em decorrência da exclusão de um ou mais coadquirentes, bem como ao
devedor classificado como autônomo, profissional liberal sem vínculo empregatício, comissionista
ou não assalariado". Para essa situação, o contrato reza ainda: "Nas situações de que trata o
parágrafo anterior, é assegurado aos devedores o direito de renegociar as condições de
amortização, buscando adequar novo comprometimento de renda ao percentual máximo
estabelecido na Cláusula Décima deste contrato, mediante a dilatação do prazo de liquidação do
financiamento, observado o prazo máximo de prorrogação constante na Letra 'C' deste contrato"
(parágrafos 3º e 4º da cláusula décima primeira). Ou seja, a situação de desemprego não pode
ser qualificada como imprevisível, especialmente para o trabalhador da iniciativa privada, não
ensejando, no caso em questão, a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão. Destarte,
não há como se acolher a pretensão autoral de revisão, nos moldes em que deduzida, mormente
ante o princípio da autonomia da vontade, norte no direito privado. 8. Não há fundamentos para a
condenação da ré em indenização por danos materiais (porque não comprovados) e morais (por
estar caracterizado apenas aborrecimento). 9. Os beneficiários da Justiça Gratuita estão isentos
do pagamento de custas e de honorários advocatícios. 10. Pelo parcial provimento da
apelação.(AC 200881020014771, Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 -
Primeira Turma, DJE - Data::09/02/2012 - Página::178.)
SFH. REVISÃO CONTRATUAL. USO DO FGTS. No âmbito do SFH não há ilegalidade na
adoção do SACRE. Sistema amparado nos arts. 5º, caput, e 6º, ambos da Lei nº 4.380/64,
permitindo a efetiva amortização da dívida, ao atribuir o mesmo critério de atualização às
prestações e ao saldo devedor, e que não está atrelado à variação salarial do mutuário. Assim,
eventual alteração da renda mensal dos mutuários, inclusive em razão de desemprego, não
impõe a revisão do contrato nem a renegociação do débito, que deve ser buscada na via
administrativa. A amortização do saldo devedor e limite de juros observam a orientação das
Súmulas n.ºs 422 e 450 do STJ. A capitalização de juros nunca foi vedada de todo no
ordenamento, nem pela Lei de Usura, que a admitia, desde que não por períodos inferiores a um
ano (artigo 4º, parte final, da Lei de Usura). Nas operações realizadas por instituições financeiras,
a capitalização de juros foi expressamente reconhecida pela legislação (artigo 5º da MP nº 1.963-
17/2000, atualmente reeditada pela MP nº 2.170-36/2001), e é admitida de modo reiterado pelo
STJ. O mutuário cessou os pagamentos das prestações em 2004, não efetuou qualquer depósito
em juízo e reside graciosamente no imóvel há mais de sete anos. Por fim, a pretendida utilização
do FGTS para quitação parcial do débito não foi pedida na inicial, e o mutuário já sacou o saldo
existente. Apelação desprovida.
(TRF2, AC 00100016520064025101, Relator GUILHERME COUTO DE CASTRO, j. 16/01/2012,
publicado 23/01/2012)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SFH. REVISÃO CONTRATUAL. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES
PELO PES/CP. VARIAÇÃO MENOR DAS PRESTAÇÕES COBRADAS QUE DAS PRESTAÇÕES
DEVIDAS. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO SÉRIE GRADIENTE. (...) 2. O desemprego, a alteração
da categoria profissional, a percepção de benefício previdenciário que dêem causa, porventura, à
diminuição da renda do mutuário, só por si, não implicam revisão automática das prestações
contratualmente ajustadas, tampouco intervenção judicial, pois essas hipóteses não revelam
afronta ao que restou estabelecido no contrato. 3. Apelação da Caixa Econômica Federal provida
para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido.(APELAÇÃO
01120244019994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 -
QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:11/11/2011 PAGINA:957.)
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. MULTA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. 1. A teoria da imprevisão
somente se aplica na ocorrência de "eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a
elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam sua
revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes" (in "Direito Administrativo Brasileiro" -
Hely Lopes Meirelles - 25ª ed. - Malheiros Editores - pág 224). Logo, não há que se invocá-la em
razão da instabilidade do mercado ou da política econômica do país. 2. Nos termos do artigo 2º
da CLT, considera-se empregador a empresa que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal
de serviços, assumindo os riscos inerentes à atividade econômica a que se propôs, razão pela
qual eventual crise financeira que venha a vitimar a empresa não constitui causa de exclusão da
infração perpetrada. 3. Configurado o caráter meramente protelatório dos Embargos opostos. 4.
Apelação improvida.(AC 00560978419944039999, DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI
FERREIRA, TRF3 - SEXTA TURMA, DJU DATA:02/04/2004 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Assim, a má previsão do autor não pode ser confundida com fator imprevisível, sendo
inadmissível a renegociação contratual pretendida com fundamento na teoria da imprevisão (art.
6º, V, do CDC). Nesse sentido, trago à colação arestos proferidos pelo C. Superior Tribunal de
Justiça e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:
"TEORIA DA IMPREVISÃO. APLICABILIDADE, MESMO A MINGUA DE TEXTO EXPRESSO,
POSTO QUE EXIGENCIA DA EQUIDADE. NECESSIDADE, ENTRETANTO, DE QUE SE
APRESENTEM TODOS SEUS PRESSUPOSTOS. ENTRE ELES, O DE QUE OS FATORES
IMPREVISIVEIS ALTEREM A EQUIVALENCIA DAS PRESTAÇÕES, TAL COMO AVALIADAS
PELAS PARTES, DAI RESULTANDO EMPOBRECIMENTO SENSÍVEL PARA UMA DELAS COM
ENRIQUECIMENTO INDEVIDO DA OUTRA.
INEXISTE RAZÃO PARA INVOCAR ESSA DOUTRINA QUANDO, EM CONTRATO DE MUTUO,
TENHA O MUTUARIO DIFICULDADE EM CUMPRIR AQUILO A QUE SE OBRIGOU, EM
VIRTUDE DE PREJUIZOS QUE SOFREU. NÃO HA FALAR EM DESEQUILIBRIO DAS
PRESTAÇÕES NEM EM ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICAVEL DO MUTUANTE."
(STJ - REsp - RECURSO ESPECIAL - 5723 UF: MG, Processo: 19900010699-1, Órgão Julgador:
3ª Turma, Relator Eduardo Ribeiro, Data do julgamento: 25/06/1991, DJ DATA : 19/08/1991 -
PÁGINA 10991) (grifos nossos)
"DIREITO CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. CDC. TEORIA DA IMPREVISÃO. JUROS.
JURISPRUDÊNCIA DO STF. EFEITOS. 1. Realmente, os contratos firmados pelos requerentes
constituem, em sua essência, típicos contratos de adesão, ou seja, aquela modalidade contratual
em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes de modo que a outra
não tem poderes para debater as condições, ou mesmo introduzir modificações no esquema
proposto. - Essa espécie de contrato tem sido cada vez mais utilizada na atividade negocial, face
à dinamicidade da realidade econômica do mundo contemporâneo: "L'ordinamento giuridico non
puó opporsi a questo fenomeno che corrisponde ad una esigenza della vita moderna: la realtà
economica odierna si fonda, infatti, anche su una rapida conclusione degli affari, specie se si tratta
di affari di piccola entità, che assumono importanza per il loro numero: al vantagio
dell'acceleramento del fenomeno produttivo deve essere dunque sacrificato il bisogno di una
libertà di trattative che spesso presenterebbe ostacoli insuperabili." (In ANDREA TORRENTE,
Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Dott A. Editore, Milano, 1965. p. 243. § 295). Admitir-se a
legalidade do procedimento pretendido pelos requerentes, implicaria o surgimento de perigoso
precedente com sérias conseqüências para todo o complexo e rígido sistema de financiamento da
habitação, cuja estrutura e mecanismo de funcionamento foi bem exposta pelo consagrado
administrativista, Prof. CAIO TÁCITO, em alentado parecer que instruiu a Rp. nº 1.288, julgada
pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, verbis: "Ademais, os contratos imobiliários são, no caso,
parte integrante de um todo interligado, de um sistema global de financiamento que tem, como
outra face, a manutenção da estabilidade de suas fontes de alimentação financeira
consubstanciadas nos sistemas de poupança e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A
noção de equilíbrio financeiro não opera somente nas relações entre mutuários e mutuantes,
mas, igualmente, nareciclagem de recursos financeiros que, em um mecanismo de vasos
comunicantes, realimentam, no retorno do capital investido, a dinâmica de novos investimentos."
(In CAIO TÁCITO, Parecer publicado na Revista de Direito Administrativo, 165/348). Ora, no caso
dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual, pois a teoria da imprevisão consiste no
reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes, e a elas não
imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua revisão, para
ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic stantibus,
elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a idéia de que todos os contratos dependentes de
prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem
profundamente. Tal idéia se inspirava num princípio de eqüidade, pois se o futuro trouxesse um
agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção
com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido
enriquecimento de um e conseqüente empobrecimento do outro (Cfe. sobre o tema os seguintes
autores: ANDREA TORRENTE, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Giuffrè Editore, 1965. pp. 447-
50. § 311; GILBERT MADRAY, Des Contrats D.aprè la Récent Codification Privée Faite aux
États-Unis - Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français. Libr. Générale, Paris, 1936.
p. 194; GEORGES RIPERT, La Règle Morale dans les Obligations Civiles. 4. ed., Libr. Générale,
Paris, 1949, p. 143 e ss.; PAUL DURAND, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences
Française et Belge. Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1929. p. 134 e ss; VIRGILE VENIAMIN, Essais
sur les Donnes Economiques dans L.Obligation Civile. Libr.- Générale, Paris, 1931. p. 373 e ss.;
MARCEL PLANIOL, Traité Élémentaire de Droit Civil. 10 ed., Libr. Générale, Paris, 1926. t. II. n.
1.168. p. 414; OTHON SIDOU, A Revisão Judicial dos Contratos. 2. ed., Forense, 1984. p. 95;
PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado. 3. ed., RT, 1984. t. XXV. § 3.060. pp. 218-20
e, do mesmo autor, Dez Anos de Pareceres. Livr. Francisco Alves, Rio, 1976. vs. 7/36-9 e 10/197-
9; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da_Imprevisão. 3. ed., Forense,
Rio, 1958. pp. 345- 6, n. 242; FRANCISCO CAMPOS, Direito Civil . Pareceres. Livr. Freitas
Bastos, 1956. pp. 05-11). Todos os autores acima referidos admitem sob os mais variados
fundamentos doutrinários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias
excepcionais, que não se verificam no caso dos autos, ou seja, somente a álea econômica
extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida
pelos contraentes justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus. Outro
não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as
oportunidades em que se manifestou sobre a tormentosa questão, com reflete o aresto relatado
pelo eminente e saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO, cuja cultura jurídica é por todos
reconhecida, ao votar no RE n. 71.443-RJ, verbis: .Rebus sic stantibus - Pagamento total prévio.
1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido admitida como implícita somente em contratos com
pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu
alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da
celebração do negócio.... (in RTJ 68/95. No mesmo sentido RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187;
55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323). No
caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da
imprevisão, que deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira
diretamente nos contratos celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada,
pela sua. A respeito, doutrina VIRGILE VENIAMIN, em clássica monografia, verbis: .Enlimitand
ainsi l'application de la théorie de l.imprévision au cas où elle apparait comme une exigence, de
1.harmonieux développement de 1.organisation économique, on restreint par Là_même
consideráblement son étendue. En offrant au juge un critérium objectif, fondé sur les donnés
concrètes dégagées grâce à une méthode d.observation directe, à 1.aide du matériel préparé par
des experts idoines, on évite l.arbitraite auquel la recherche d.une intention malveillante, toujours
devinatoire peut fournir 1.occasion. En outre, le rapprochement que nous venons de faire dans le
présent chapitre, entrela 1ésion et l.imprévision - toutes les deux ayant le même caractère et
répondant aux mêmes nécessités de 1.ordre économique - nous indique une limitation technique
du pouvoir de juge. Dans les deux cas, ce n.est pas à la révision du contrat qu.on doit aboutir,
mais simplement à sa rescision (1). I1 n.appartient point au juge d.orienter 1.activité humaine en
s.immiscant dans la teneur du contrat. Sa mission estterminée, dès qu.en obéissant aux directives
économiques, il empêche_la ruine de 1.individu et lui assure en même temps que sa sauvegarde
personnelle, une participation efficace à la collaboration générale. (In Essais sur les Données
Economiques dans L.Obligation Civile. Libr. Générale, Paris, 1931. pp. 393-4 ). Não pode
prosperar, igualmente, o argumento de que a taxa de juros cobrada pela requerida, com previsão
contratual, contrariou o disposto na legislação. A Chamada Lei da Usura vedava a cobrança de
juros acima da taxa legal, inclusive comissões. Porém, com o advento da Lei de Reforma
Bancária - Lei n. 4.595 -, o Conselho Monetário Nacional foi incumbido de formular a política de
moeda e crédito, bem como limitar as taxas de juros, comissões e outras formas de remuneração.
Por conseguinte, o Dec. n. 22.626 foi revogado, no que concerne às operações com as
instituições de crédito sob o controle do Conselho Monetário Nacional, que integram o Sistema
Financeiro Nacional. Consagrando esse entendimento, editou a Suprema Corte a Súmula 596,
que recebe inteira aplicação pelos Tribunais do país. O eminente Ministro XAVIER DE
ALBUQUERQUE, ao votar sobre a questão no RE n. 78.953-SP (PLENO), disse, verbis: .Assim
também me parece. O legislador do Dec. 22.626/33 cuidou, ele mesmo, de limitar a taxa de juros,
fazendo-o no máximo de 12% ao ano. O da Lei 4.595/64, porém, adotando nova técnica para a
formulação da política da moeda e do crédito, criou o Conselho Monetário Nacional e, conferindo-
lhe poderes normativos "quase legislativos", cometeu-lhe o encargo de .limitar, sempre que
necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de
operações e serviços bancários ou financeiros. (art. 4º, IX). A cláusula "sempre que necessário",
contida nesse preceito, parece-me mostrar que deixou de prevalecer o limite genérico do Dec.
22.626/33; a não ser assim, jamais se mostraria necessária, dada a prevalência de um limite
geral, único, constante e permanente, preestabelecido naquele velho diploma legal, a limitação
que a nova lei atribuiu ao Conselho. De resto, tal limite geral, único, constante e permanente seria
incompatível com a filosofia que presidiu à elaboração da Lei da Reforma Bancária,
marcadamente conjuntural. (In RTJ 72/920. Nesse sentido, ainda, RTJ 73/987; 75/257, 957 e 963;
77/966; 78/624 e 79/620). 2. Provimento dos embargos infringentes.
(TRF 4ª Região - EIAC - EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CÍVEL - Processo:
200104010425553, Órgão Julgador: 2ª Seção, Relator Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, Data do julgamento: 09/02/2004, DJ DATA : 10/03/2004 PÁGINA 285) (grifos
nossos)
Conforme se infere dos autos, o autor pleiteiaa revisão contratual com a CEF para renegociação
do débito oriundo do financiamento habitacional, ou, subsidiariamente, a dilatação do prazo total
de amortização da dívida.
No entanto, como bem assinalou o Magistrado de primeiro grau, qualquer renegociaçãoestá
sujeita à manifestação de vontade das partes. Sem que haja concordância expressa da CEF a
respeito, não se pode impor à instituição financeira essa renegociação.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO MONITÓRIA. CONSTRUCARD.
AUSÊNCIA DE CARÊNCIA DA AÇÃO. PEDIDO DE PARCELAMENTO. NÃO CONHECIMENTO.
RECURSO DESPROVIDO.
(...)
2. Não incumbe ao Poder Judiciário obrigar a Caixa Econômica Federal a manter abertas
negociações para parcelamento da dívida, visto que o agente financeiro tem certa margem de
discricionariedade quanto à conveniência e à oportunidade para a renegociação, tendo em vista o
princípio da autonomia de vontade que rege os contratos. Pedido de parcelamento não
conhecido;
3. Apelação desprovida.
(TRF3, AC 00033971520094036117, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1585753, Relator Desembargador
Federal Mauricio Kato, Quinta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/05/2017)
Por derradeiro, nos termos do § 11º do art. 85 do CPC/15, a majoração dos honorários é uma
imposição na hipótese de se negar provimento ou rejeitar recurso interposto de decisão que já
havia fixado honorários advocatícios sucumbenciais, respeitando-se os limites do § 2º do art. 85
do CPC.
Sobre o tema cabe destacar manifestação do C. STJ:
[...] 3. O § 11 do art. 85 Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo
atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos
provenientes de decisões condenatórias antecedentes. (AgInt no AREsp 370.579/RJ, Rel.
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2016, DJe
30/06/2016)
Assim, à luz do disposto nos §§2º e 11º do art. 85 do NCPC, devem ser majorados em 1% os
honorários fixados anteriormente.
Diante do exposto,nego provimentoao recurso de apelação, majorando em 1% os honorários
fixados pelo Juízoa quoa título de condenação da parte autora, observando-se o que estabelece o
art. 98, §3º, do NCPC.
É como voto.
COTRIM GUIMARÃES
Desembargador Federal
E M E N T A
APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.LEI Nº 9.514/97.CONSOLIDAÇÃO
DA PROPRIEDADE. PURGAÇÃO DA MORA REQUERIDA POSTERIORMENTE À ALTERAÇÃO
LEGISLATIVA. LEI 13.465/2017. REDUÇÃO DA RENDA. PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.
IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. O contrato firmado entre as partes possui cláusula de alienação fiduciária em garantia, na
forma do artigo 38 da Lei nº 9.514/97, cujo regime de satisfação da obrigação difere dos mútuos
firmados com garantia hipotecária, posto que na hipótese de descumprimento contratual e
decorrido o prazo para a purgação da mora, ocasiona a consolidação da propriedade do imóvel
em nome da credora fiduciária.
2. Não há ilegalidade na forma utilizada para satisfação dos direitos da credora fiduciária, sob
pena de ofender ao disposto nos artigos 26 e 27, da Lei nº 9.514/97.
3. Apenas o depósito, acaso realizado no seu montante integral e atualizado da dívida vencida,
teria o condão de suspender os procedimentos de execução extrajudicial do imóvel, não havendo
que se rechaçar essa possibilidade, em atenção não só ao princípio da função social dos
contratos, mas também para assegurar o direito social à moradia.
4. Observo, no entanto, que com a alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.465/2017 de
11/07/2017 (em vigor na data de sua publicação), que modificou a redação do art. 39, II da Lei nº
9.514/97, a aplicação das disposições dos arts. 29 a 41 do DL nº 70/66 se dará apenas aos
procedimentos de execução garantidos por hipoteca.
5. Destarte, em se tratando de alienação fiduciária, como é o caso dos autos, em homenagem ao
princípio tempus regit actum, considero plausível assegurar ao devedor a possibilidade de
purgação da mora nos moldes da fundamentação acima, apenas aqueles que manifestaram sua
vontade em purgar a mora até a data de vigência da nova lei, ou seja, aos executados que
pleitearam a possibilidade de purgação da mora perante a instituição financeira ou perante o
Judiciário até a data de 11/07/2017.
6. No vertente recurso, a parte apelante pretende o direito a purgação da mora e a redução dos
encargos mensais, não havendo na inicial que deu origem ao presente recurso pleito para a
purgação da mora na forma acima explicitada.
7. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos
regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização
não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas
adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.
8. As alegações do requerente no sentido de que em virtude de problemas financeiros não mais
conseguiu adimplir as prestações do contrato, não possuem o condão de possibilitar a aplicação
da Teoria da Imprevisão ao presente caso, afinal, ao assumir as obrigações contidas no
financiamento, o mutuário assumiu os riscos provenientes da efetivação do negócio - ainda mais
se considerando o prazo do contrato (360 meses).
9. Conforme se infere dos autos, o autor pleiteiaa revisão contratual com a CEF para
renegociação do débito oriundo do financiamento habitacional, ou, subsidiariamente, a dilatação
do prazo total de amortização da dívida. No entanto, como bem assinalou o Magistrado de
primeiro grau, qualquer renegociaçãoestá sujeita à manifestação de vontade das partes. Sem que
haja concordância expressa da CEF a respeito, não se pode impor à instituição financeira essa
renegociação.
10. Precedente desta E. Corte: “Não incumbe ao Poder Judiciário obrigar a Caixa Econômica
Federal a manter abertas negociações para parcelamento da dívida, visto que o agente financeiro
tem certa margem de discricionariedade quanto à conveniência e à oportunidade para a
renegociação, tendo em vista o princípio da autonomia de vontade que rege os contratos.“ (TRF3,
5ª Turma, AC 00033971520094036117, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, e-DJF3 Judicial 1
DATA:02/05/2017)
11. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu,
por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, majorando em 1% (um por cento) os
honorários fixados pelo Juízo a quo a título de condenação da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
