
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001296-77.2024.4.03.6121
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: HELENA DE SOUSA BARBOSA DE CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO JOSE SILVA OLIVEIRA - SP323624-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001296-77.2024.4.03.6121
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
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R E L A T Ó R I O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Vistos.
Trata-se de ação de conhecimento distribuída em 12/08/2024, em que a parte autora postula o reconhecimento de tempo especial de 01/01/1990 a 31/05/1990 e de 01/10/2001 a 23/12/2003, para reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, para posteriormente conceder o benefício de pensão por morte.
O pedido foi parcialmente acolhido por sentença proferida pela(o) Magistrada(o) da 1ª Vara Federal de Taubaté/SP, em 24/02/2025, para reconhecer a especialidade do período trabalhado de 22/09/1986 a 30/09/1989, sem, no entanto, conceder a pensão por morte à parte autora (ID 328987896).
Inconformada com a r. sentença, a parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando que o segurado falecido faria jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, caso fossem reconhecidos como especiais todos os períodos laborais nos quais esteve exposto a agentes nocivos, preservando, assim, sua qualidade de segurado até a data do óbito.
Alega que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) apresentado pela empresa omitiu agentes agressivos aos quais o segurado esteve submetido. Defende, ainda, que houve cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da realização de perícia técnica no local de trabalho, o que configuraria violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (ID 328987897).
Diante disso, requer, em preliminar, a declaração de nulidade da sentença, a fim de que seja determinada a realização de perícia de vistoria no ambiente laboral, conforme pleiteado desde o requerimento administrativo de pensão por morte. No mérito, postula o reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas pelo de cujus na empresa Volkswagen do Brasil Ltda., no cargo de lubrificador, nos períodos de 01/01/1990 a 31/05/1990 e de 01/10/2001 a 23/12/2003, com a consequente conversão em tempo comum (ID 328987897).
Por fim, requer a concessão do benefício de pensão por morte à apelante, com termo inicial na data do óbito, ocorrido em 24/06/2020 (ID 328987897).
Sem apresentação de contrarrazões pela autarquia, os autos foram distribuídos a esta Corte em 27/06/2025 .
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001296-77.2024.4.03.6121
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: HELENA DE SOUSA BARBOSA DE CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO JOSE SILVA OLIVEIRA - SP323624-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Do cerceamento de defesa
A questão central reside em definir se há efetivo cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial requerida pela parte autora.
Da análise do PPP juntado aos autos (ID 334732595, pág. 17), constata-se que o segurado exerceu as funções de lubrificador e borracheiro oficial nos setores identificados nos códigos 3412 (Oficina de Manutenção Elétrica e Distribuição de Energia) e 3270 (Manutenção Produtiva Carroceria), conforme item 13.3 do documento. A descrição das atividades indica expressamente que o trabalhador realizava lubrificação de máquinas e equipamentos, verificando níveis de reservatórios de graxa e óleo, comprando e abastecendo totalmente conforme tabela de lubrificação, auxiliando mecânicos, comunicando defeitos nas tarefas de lubrificação, trocando óleo hidráulico e lubrificante de máquinas, esvaziando reservatórios, limpando-os, lavando-os e reabastecendo-os.
Tal descrição revela, de forma inequívoca, que o segurado mantinha contato direto, habitual e permanente com óleos minerais, graxas e hidrocarbonetos, substâncias reconhecidamente nocivas à saúde. Todavia, o próprio PPP apresenta-se lacunoso, na medida em que, embora indique exposição a ruído em níveis inferiores aos limites de tolerância, não menciona de forma clara e pormenorizada a exposição aos agentes químicos inerentes às atividades de lubrificação, os quais são manifestamente presentes no ambiente laboral descrito.
Conforme se extrai da jurisprudência consolidada desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, os óleos minerais e hidrocarbonetos são agentes químicos nocivos enquadráveis nos itens 1.2.9 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, 1.2.10 e 1.2.11 do Decreto nº 83.080/79, e, a partir do Decreto nº 3.048/99, nos itens 1.0.17 e 1.0.19 do Anexo IV. Mesmo após o Decreto nº 2.172/97, que excluiu dos róis diversos agentes antes considerados nocivos, a jurisprudência reconhece o caráter exemplificativo das normas regulamentares (Tema 534 do STJ), admitindo-se a especialidade quando demonstrada a exposição efetiva a agentes prejudiciais à saúde.
É importante destacar que os óleos minerais não tratados ou pouco tratados constam da Lista de Agentes Nocivos Reconhecidamente Cancerígenos em Humanos (LINACH), conforme Portaria Interministerial MPS/MTE/MS nº 09/2014, dispensando análise quantitativa da concentração, bastando a comprovação do contato habitual e permanente, nos termos do artigo 278, I e § 1º, I da Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS.
No caso concreto, a descrição funcional constante do PPP evidencia a potencialidade de exposição aos referidos agentes químicos. Contudo, a ausência de especificação técnica adequada quanto aos hidrocarbonetos e óleos minerais, bem como a eventual omissão de informações relevantes pela empresa empregadora, não podem prejudicar o segurado, sob pena de violação ao princípio da proteção social.
Assim, considerando que: (i) as atividades descritas no PPP são compatíveis com exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos; (ii) o documento apresentado não detalha adequadamente tais agentes; (iii) a prova pericial se mostra necessária para esclarecer, de forma técnica, as condições efetivas do ambiente de trabalho nos setores indicados no item 13.3 do PPP; e (iv) a eventual deficiência do PPP decorre de responsabilidade do empregador, não podendo o segurado arcar com tal ônus probatório, conclui-se pela necessidade de produção de prova pericial complementar.
A realização de perícia no local de trabalho do de cujus, ou, em caso de inviabilidade, em setor equivalente da mesma montadora, permitirá a adequada verificação técnica das condições ambientais dos setores 3412 (Oficina de Manutenção Elétrica e Distribuição de Energia) e 3270 (Manutenção Produtiva Carroceria), indicados no PPP, com vistas à identificação precisa dos agentes químicos presentes e à análise da exposição habitual e permanente do segurado falecido.
Portanto, reconheço a configuração de cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial requerida, impondo-se a anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução probatória.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à apelação da parte autora para declarar a nulidade da sentença e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja realizada prova pericial no local de trabalho do de cujus ou em setor equivalente da mesma montadora automotiva, devendo ser inspecionados os setores indicados no item 13.3 do PPP (ID 334732595, pág. 17), especialmente os códigos 3412 (Oficina de Manutenção Elétrica e Distribuição de Energia) e 3270 (Manutenção Produtiva Carroceria), com o objetivo de verificar a exposição do segurado falecido a agentes químicos nocivos, notadamente óleos minerais, graxas e hidrocarbonetos, bem como outros agentes eventualmente presentes no ambiente laboral.
Após a regular instrução processual, deverá ser proferida nova sentença de mérito.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. PPP LACUNOSO. EXPOSIÇÃO A AGENTES QUÍMICOS NOCIVOS. ÓLEOS MINERAIS E HIDROCARBONETOS. ATIVIDADE DE LUBRIFICADOR. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA TÉCNICA. NULIDADE DA SENTENÇA. DECRETO Nº 53.831/64, DECRETO Nº 83.080/79, DECRETO Nº 3.048/99, PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 09/2014, INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 77/2015 DO INSS. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em exame
- Trata-se de apelação interposta contra sentença que reconheceu a especialidade do período de 22/09/1986 a 30/09/1989, mas indeferiu o pedido de concessão de pensão por morte, deixando de reconhecer como especiais os períodos de 01/01/1990 a 31/05/1990 e de 01/10/2001 a 23/12/2003, nos quais o segurado falecido exerceu a função de lubrificador na empresa Volkswagen do Brasil Ltda. A parte autora alega cerceamento de defesa pelo indeferimento da realização de prova pericial destinada a complementar o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) apresentado pela empresa.
II. Questão em discussão
- A questão em discussão consiste em saber se houve cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial requerida pela parte autora, considerando que o PPP apresentado pela empresa empregadora, embora descreva atividades de lubrificação compatíveis com exposição a agentes químicos nocivos (óleos minerais, graxas e hidrocarbonetos), não especifica adequadamente tais agentes no documento técnico.
III. Razões de decidir
- Da necessidade de complementação probatória diante da descrição funcional constante do PPP – A descrição das atividades exercidas pelo segurado no PPP revela contato direto, habitual e permanente com óleos minerais, graxas e hidrocarbonetos durante a lubrificação de máquinas e equipamentos nos setores 3412 e 3270, substâncias reconhecidamente nocivas à saúde, porém o documento apresenta-se lacunoso ao não mencionar de forma clara e pormenorizada a exposição aos agentes químicos inerentes às atividades de lubrificação.
- Do enquadramento dos agentes químicos e da dispensa de análise quantitativa – Os óleos minerais e hidrocarbonetos são agentes químicos nocivos enquadráveis nos Decretos nº 53.831/64, 83.080/79 e 3.048/99, constando ainda da Lista de Agentes Nocivos Reconhecidamente Cancerígenos em Humanos (LINACH), conforme Portaria Interministerial nº 09/2014, dispensando análise quantitativa da concentração e bastando a comprovação do contato habitual e permanente, nos termos da jurisprudência consolidada e da Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS.
- Da impossibilidade de o segurado arcar com o ônus probatório decorrente de deficiência do PPP – A eventual omissão de informações relevantes pela empresa empregadora e a ausência de especificação técnica adequada quanto aos hidrocarbonetos e óleos minerais no PPP não podem prejudicar o segurado, sob pena de violação ao princípio da proteção social, impondo-se a realização de prova pericial complementar no local de trabalho ou em setor equivalente para esclarecer tecnicamente as condições efetivas do ambiente laboral.
IV. Dispositivo e tese
- Recurso provido. Sentença anulada. Determinado o retorno dos autos à origem para realização de prova pericial.
Tese de julgamento: "1. Configura cerceamento de defesa o indeferimento de prova pericial quando o PPP apresentado pela empresa, embora descreva atividades compatíveis com exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos (óleos minerais, graxas e hidrocarbonetos), não especifica adequadamente tais agentes, sendo necessária a complementação probatória mediante perícia técnica no ambiente de trabalho. 2. A deficiência ou omissão de informações no PPP decorre de responsabilidade do empregador, não podendo o segurado arcar com o ônus probatório dela resultante, devendo ser assegurada a produção de prova pericial para verificação técnica das condições ambientais."
Dispositivos relevantes citados: arts. 278, I e § 1º, I da Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS; itens 1.2.9 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64; itens 1.2.10 e 1.2.11 do Decreto nº 83.080/79; itens 1.0.17 e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99; Portaria Interministerial MPS/MTE/MS nº 09/2014.
Jurisprudência relevante citada: Tema 534 do STJ.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
