
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002209-97.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO MAGALHAES
Advogado do(a) APELADO: EMERSON FLORA PROCOPIO - SP272900-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002209-97.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO MAGALHAES
Advogado do(a) APELADO: EMERSON FLORA PROCOPIO - SP272900-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 22.06.2016, julgou procedente o pedido conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para o fim de CONDENAR o Instituto Nacional do Seguro Social- INSS a CONCEDER benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei n.º 8.742/93 a ANTONIO MAGALHÃES, no valor de 1 (um) salário mínimo, a partir da data citação da requerida (fl. 140 12/08/2014); CONDENAR o INSS ao pagamento das parcelas vencidas, compreendidas entre a data do início do benefício e o início do pagamento. CONCEDO, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela, sendo que o INSS deverá implementar o benefício concedido no prazo de 30 (trinta) dias. Encerro a fase de conhecimento nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. Os juros de mora serão contados da citação para as parcelas vencidas (STJ, REsp 1.112.114, sob o rito do antigo artigo 543-C, tema 23) e desde o momento dos vencimentos, para as parcelas supervenientes à citação nas seguintes alíquotas: 1% ao mês até a publicação da MP n 2.180-35, de 24/08/01 e 0,5% ao mês a partir de 24/08/01. Aplica-se taxa de juros correspondentes aos depósitos das cadernetas de poupança após a Lei 11.960/09 (STJ AgRg AREsp 550.200-PE). Em face da sucumbência, condeno a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono do autor, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, conforme o artigo 85, § 3º e § 5º do Novo Código de Processo Civil, limitado o valor devido até a data da sentença, conforme a Súmula 111 do STJ. Não há custas processuais a serem suportadas pelo INSS em razão do disposto no art. 6° da Lei Estadual 11.608/03. Todavia, arcará ainda autarquia pelos honorários periciais, já devidamente depositados. Sentença sujeita ao reexame necessário. P. R. I.”
Apela o INSS requerendo preliminarmente a suspensão da antecipação da tutela. No mérito, pugna pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite legal estabelecido, posto que a esposa do autor recebe dois benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo cada. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos juros e correção monetária.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo o provimento do apelo do INSS e não conhecimento da remessa necessária, ou, se conhecida, pelo seu provimento.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002209-97.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO MAGALHAES
Advogado do(a) APELADO: EMERSON FLORA PROCOPIO - SP272900-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (12.08.2014), seu valor e a data da sentença (22.06.2016), que o valor total da condenação é inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A questão preliminar se confunde com o mérito e com ele será apreciado.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Da situação econômica. Ainda que a renda da família seja superior ao teto, o certo é que tal critério deve ser analisado com ressalvas. Da análise do estudo social se deflui a condição de miserabilidade da família. O autor vive com sua esposa que, assim como o requerente, também é pessoa doente e faz uso de medicamentos contínuos. O casal vive em casa pequena, coberta com telha brasilit e chão de contra piso, a moradia é cedida por um filho da esposa do autor. Ela é composta por seis cômodos, em condições e acomodações bastante simples e humildes, quase sem mobília e as que possuem estão em estado precário, não possuem automóvel. Apurou-se que a renda do grupo familiar é proveniente de apenas um salário mínimo da esposa do requerente, e não participam de nenhum programa de transferência de renda seja a nível Estadual ou Nacional, sendo assim, o salário mínimo é a única fonte de sobrevivência do casal. Assim, a parte autora preenche o requisito relativo à miserabilidade, previsto no artigo 20, §3°, da Lei 8.742/1993.”
Por sua vez, o estudo social (ID 88787447 – pag. 55/58), elaborado em 21.11.2014, revela que o autor vive com sua esposa em imóvel cedido pelo filho dela. Quanto à condições de moradia consta que: “A residência fica em terreno de área grande, porém a casa é pequena, coberta com telha brasilit e chão de contra piso, a moradia é cedida pelo então filho do primeiro casamento da Sra. Minervina (esposa do requerente), com seis cômodos pequenos e um banheiro, em condições e acomodações bastante simples e humildes, quase sem mobília, e as que possuem, estão em estado precário, não dispõem de automóvel.”
Informaram que a renda da casa é de um salário mínimo (R$ 724,00), referente à aposentadoria da esposa do autor.
A perita social emitiu parecer nos termos que seguem: “Cumpre destacar que a renda familiar atual é composta apenas de um salário mínimo, não participam de nenhum programa de transferência de renda seja a nível Estadual ou Nacional, portanto, é com esse único recurso que a família arca com todas às despesas de manutenção da casa, como água, energia elétrica, alimentação, vestimentas, calçados e medicamentos (quando necessário). Evidenciou-se através da visita domiciliar que a família é vulnerável economicamente, pois sobrevivem apenas de um salário mínimo, tendo muitas privações de qualidade de vida, pois o que sobra da renda total, não pode proporcionar ao casal de idosos em questão uma alimentação adequada ou r mesmo um lazer. Assim sendo, salvo melhor juízo, considero que a concessão do benefício para o requerente é pertinente, pois como já relatado acima, o mesmo não possui condições para exercer atividades laborais, o que o faz dependente de sua esposa que é uma Senhora de idade, sendo que a concessão colaboraria consideravelmente para melhoria da qualidade de vida do casal.”
Inicialmente, anoto que embora tenham informado que a renda familiar era de apenas um salário mínimo, os extratos do sistema PLENUS ID 87541801 – pag. 30/31 demonstram que a esposa do autor recebe aposentadoria por invalidez e pensão por morte, ambos no valor de um salário mínimo, perfazendo rendimento mensal de R$ 1.448,00.
Da análise do conjunto probatório depreende-se que, apesar de não se negar a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas.
Nesse sentido, apura-se que o casal não apresenta despesa com moradia e conta com rendimento formal de dois salários mínimos, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica. Também não há relato de gastos extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos benefícios previdenciários.
Ante o exposto não conheço da remessa necessária, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, e consequentemente, revogo a antecipação da tutela, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0002209-97.2017.4.03.9999
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APELADO: ANTONIO MAGALHAES
Advogado do(a) APELADO: EMERSON FLORA PROCOPIO - SP272900-N
EMENTA
REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. Valor da condenação inferior a 1.000 salários mínimos. Remessa necessária não conhecida.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
7. Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa necessária e dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
