Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5063675-70.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. ERRO MATERIAL. AVERBAÇÃO.
TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL.
1. Tendo em vista a natureza meramente declaratória da sentença, cujo proveito econômico não
alcançará o valor de alçada estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo
Civil de 2015, não se conhece da remessa necessária.
2. Erro material da sentença retificado.
3. Existindo início de prova material complementado pela prova testemunhal, há de ser
reconhecido o tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência.
4. É possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que
corroborado por prova testemunhal idônea. REsp n.º 1.348.633/SP, representativo de
controvérsia
5. Remessa oficial não conhecida. Apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
provida em parte.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5063675-70.2018.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DE VASCONCELOS MELO
Advogado do(a) APELADO: GILVANIA TREVISAN GIROTTO - SP372904-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5063675-70.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DE VASCONCELOS MELO
Advogado do(a) APELADO: GILVANIA TREVISAN GIROTTO - SP372904-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ordinária em que se objetiva o reconhecimento de tempo de serviço rural sem
registro em CTPS, a expedição de certidão e sua averbação.
A sentença julgou procedente o pedido para reconhecer o labor rural de 14/03/1967 a 18/11/1988,
determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a expedição de certidão e sua
averbação. Condenou o réu, também, ao pagamento de honorários de advogado, fixados em R$
500,00 (quinhentos reais).
Sentença submetida ao reexame necessário.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sustentando erro material na sentença. No
mérito, alega que o autor não comprovou o exercício de atividade rural, sendo insuficiente o
conjunto probatório produzido.
Contrarrazões pela parte apelada, requerendo a manutenção da sentença.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5063675-70.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DE VASCONCELOS MELO
Advogado do(a) APELADO: GILVANIA TREVISAN GIROTTO - SP372904-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Embora a sentença tenha sido desfavorável ao INSS, não conheço da remessa oficial, tendo em
vista que possui natureza meramente declaratória, cujo proveito econômico não alcançará o valor
de alçada estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015.
Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados
no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Reconheço o erro material presente no dispositivo da r. sentença e o corrijo para estabelecer o
intervalo de 14/03/1977 a 18/11/1988, como o período reconhecido.
Passo ao exame do mérito.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da
deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período
anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo.
Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de
contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à
vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para
efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX
0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS,
julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-
93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em
28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991
(art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das
contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos
benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual
a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige
é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior
Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer
reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com
desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a
exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido
de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores
rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira,
bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA
VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze)
anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência,
mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição
de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao
menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe
direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p.
484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para
situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar
direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que
visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção
integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se
empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a
Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a)
autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de
serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e
adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude
e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a
proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores
de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os
menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em
indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para
18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em
indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o
mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre
para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre
para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos,
como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional
20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de
14 anos.
Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar
as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da
década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido
antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade. A partir da Constituição Federal de
1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.
Reconhecimento de tempo de serviço e expedição de certidão
Considerando-se que é direito constitucional a obtenção de certidões perante órgãos públicos
(art. 5º, XXXIV, b, da Constituição da República), importante questão reside na necessidade de
recolhimento de indenização ou das contribuições devidas para a expedição de certidão de tempo
de serviço pelo INSS, para que o interessado a utilize no requerimento de benefício mediante
contagem recíproca em regimes diversos.
Embora existissem divergências, a 3ª Seção deste Tribunal, seguindo orientação do Superior
Tribunal de Justiça e de outros Tribunais Regionais, pacificou seu entendimento no sentido de ser
possível a emissão desta certidão pela entidade autárquica, independentemente do recolhimento
de indenização ou contribuições, desde que o INSS consigne no documento esta ausência, para
fins do art. 96, IV, da Lei 8.213/91.
A ilustrar tal entendimento, as seguintes decisões do C. STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, AGRESP 1036320, j. 08/09/2009, DJE 13/10/2009 e deste TRF3, 3ª Seção, Rel. Des.
Federal Daldice Santana, AR nº 2001.03.00.030984-0/SP, v.u., j. 14/06/2012, DE 21/06/2012).
Caso concreto - elementos probatórios
A parte autora, nascida em 14/03/1967, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade
rural:
- documentos escolares dos anos de 1977 e 1978, em que seus pais foram qualificados como
lavradores (ID nº 7390766/1-3);
- certidão expedida pelo Posto Fiscal de Presidente Prudente, com a informação de que seu
genitor se cadastrou como produtor rural em 04/06/1975 e em 19/08/1980 (ID nº 7390768/1).
Ademais, conforme já decidido pela E. 7ª Turma, e tendo em vista o julgamento do Recurso
Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal
de Justiça, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde
que corroborado por prova testemunhal idônea, o que de fato ocorreu.
As testemunhas no ID nº 7390798, por sua vez, puderam confirmar o labor rural diário do autor,
na cultura de café, amendoim e milho, tendo presenciado o trabalho do autor, indicando o dono
da propriedade e o início aproximado das atividades, na década de 1970.
Desta forma, deve ser reconhecido o trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente desde
14/03/1979 a 19/11/1988, exceto para efeito de carência.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial e dou parcial provimento à apelação do INSS
para retificar o erro material constante na r. sentença.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. ERRO MATERIAL. AVERBAÇÃO.
TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL.
1. Tendo em vista a natureza meramente declaratória da sentença, cujo proveito econômico não
alcançará o valor de alçada estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo
Civil de 2015, não se conhece da remessa necessária.
2. Erro material da sentença retificado.
3. Existindo início de prova material complementado pela prova testemunhal, há de ser
reconhecido o tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência.
4. É possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que
corroborado por prova testemunhal idônea. REsp n.º 1.348.633/SP, representativo de
controvérsia
5. Remessa oficial não conhecida. Apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento à apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
