
| D.E. Publicado em 13/05/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, julgar extinto o processo sem resolução de mérito em relação à parte do pedido de reconhecimento do labor rural, dar parcial provimento à apelação da parte autora e negar provimento à remessa necessária tida por ocorrida e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0037972-96.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural e cômputo aos demais períodos de trabalho urbano.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o labor rural no período de 02/02/1981 a 02/02/1989, determinando sua averbação pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Ante a sucumbência recíproca, condenou as partes ao pagamento, na proporção de 50% cada, das custas e despesas processuais, sendo que cada qual arcará com os honorários advocatícios devidos aos respectivos patronos, observando-se o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS sustentando, em síntese, que o autor não comprovou o exercício da atividade rural pelo período reconhecido na sentença, sendo insuficiente o conjunto probatório produzido.
A parte autora, por sua vez, afirma o exercício das atividades rurais também no período de 02/1971 a 11/1980, pleiteando o seu reconhecimento com a concessão da aposentadoria por tempo de serviço.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta corte.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Tendo em vista que a sentença, proferida anteriormente à Lei nº 13.105/2015, tem cunho declaratório e, no caso concreto, é impossível aferir ou definir o valor econômico dela decorrente, entendo inaplicável ao caso o disposto no §2º do art. 475 do Código de Processo Civil de 1973, que dispensa a remessa necessária na hipótese de a condenação ou o direito controvertido ser de valor certo e não exceder 60 (sessenta) salários mínimos (cf. STJ, Corte Especial, EResp 600596, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 04/11/2009, v.u., DJE 23/11/2009).
Assim, tenho por ocorrida a remessa necessária.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade. A partir da Constituição Federal de 1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.
Caso concreto - elementos probatórios
O autor, nascido em 17/12/1958, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural nos períodos: de 02/1971 a 11/1980 e de 02/1981 a 02/1989.
- certificado de dispensa de incorporação, datado de 12/10/1979, constando a anotação da profissão de lavrador do autor (fls. 17);
- cópia de sua CTPS contendo a anotação do vínculo como trabalhador rural para o empregador José Cezario Castilho na Fazenda Reata, no período de 02/02/1981 a 07/03/1989 (fls. 23).
Com relação às declarações do proprietário do imóvel rural onde o autor teria atuado (fls. 18/21), pondero que estas não possuem valor probante, visto que não foram produzidas contemporaneamente ao período que se deseja provar, sendo datadas do ano de 2013.
De outra parte, a anotação em CTPS constitui prova do período nela anotado, merecendo presunção relativa de veracidade. Pode assim, ser afastada com apresentação de prova em contrário, ou demandar complementação em caso de suspeita de alteração a critério do Juízo.
Preconizava o art. 79, I, da Lei nº 3.807/60, e atualmente prevê o art. 30, I, a, da Lei nº 8.213/91, que a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias é do empregador, motivo pelo qual não se pode punir o empregadopela ausência de recolhimentos, sendo computado o período laborado e comprovado para fins de carência, independentemente de indenização aos cofres da Previdência. Neste sentido: TRF3, 10ª Turma, AC 1122771/SP, v.u., Rel. Des. Federal JediaelGalvão, D 13/02/2007, DJU 14/03/2007, p. 633.
Observo também que o certificado de dispensa de incorporação é apto a constituir o início de prova material, ainda que a qualificação do autor esteja grafada a lápis, pois se trata de procedimento definido em portaria do antigo Ministério do Exército. Nesse sentido, STJ, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, RESP Nº 1.198.539 - RS, j.07/06/2011.
Conforme já decidido pela E. 7ª Turma, e tendo em vista o julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça,é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea.
No entanto, no caso dos autos, embora as testemunhas atestem o labor rural do autor na propriedade de José Cezario de Castilho, na Fazenda Reata, seus depoimentos foram vagos e genéricos quanto ao início da atividade rural nesta localidade e também em relação ao labor rural do autor em época anterior.
Ademais, não foi acostado aos autos nenhum documento apto a demonstrar o labor rural do autor com seu genitor, desde a infância (em 1971) como alega, sendo insuficiente para tanto apenas o certificado de dispensa de incorporação, que repise-se, encontra-se datado de 12/10/1979.
Desta forma, entendo que as provas produzidas nos autos são suficientes para comprovar o labor rural do autor somente nos períodos de 01/01/1979 a 31/12/1979 (data do ano constante do certificado de dispensa de incorporação) e de 02/02/1981 a 02/02/1989 (conforme requerido na inicial e correspondente ao anotado em sua CTPS), exceto para efeito de carência.
Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural pelo período pretendido, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a improcedência de parte do pedido de reconhecimento do exercício de labor rural.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no processo previdenciário, no qual se pleiteia a concessão de aposentadoria, implica em extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à concessão do benefício pleiteado.
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em que pese a posição contrária deste relator, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural nos períodos de março de 01/02/1971 a 31/12/1978 e de 01/01/1980 a 30/11/1980.
Portanto, o período total até o ajuizamento da ação, constante na CTPS/CNIS da parte autora não perfaz o tempo suficiente, nem a carência necessária à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço proporcional e tampouco integral, motivo pelo qual deve ser julgado parcialmente procedente o pedido inicial apenas para reconhecer a atividade rural do autor nos períodos de 01/01/1979 a 31/12/1979 e de 02/02/1981 a 02/02/1989, exceto para efeito de carência.
Nesse passo, no que tange aos honorários de advogado, verifico que ambas as partes foram vencedoras e vencidas na causa em proporção semelhante.
Contudo, às sentenças prolatadas sob a égide do CPC/73 não se aplicam as normas previstas no artigo 85, §§ 1º a 11º do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ). A razão desse entendimento é a de que tal condenação implicaria surpresa à parte que teve sua situação agravada em segundo grau, sem que houvesse previsão legal à época da interposição do recurso.
O mesmo entendimento é aplicável à vedação à compensação em caso de sucumbência recíproca, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC. Sua aplicação traria novo ônus a uma das partes ou mesmo a ambas, sem que houvesse previsão a respeito quando da interposição do recurso.
Assim, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos, nos termos do caput do artigo 21 do CPC/73.
Diante do exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito em relação ao período de reconhecimento do labor rural nos períodos de 01/02/1971 a 31/12/1978 e de 01/01/1980 a 30/11/1980, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, dou parcial provimento à apelação da parte autora apenas para reconhecer a atividade rural desenvolvida nos período de 01/01/1979 a 31/12/1979 e de 02/02/1981 a 02/02/1989, exceto para efeito de carência e negar provimento à remessa necessária tida por ocorrida e à apelação do INSS.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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