
8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0002479-25.2016.4.03.6130
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCAS MARCOS ROCHA DE OLIVEIRA
CURADOR: MARTA ROSA DA SILVA OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: FABIO LEAL DE OLIVEIRA - SP226321-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0002479-25.2016.4.03.6130
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCAS MARCOS ROCHA DE OLIVEIRA
CURADOR: MARTA ROSA DA SILVA OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: FABIO LEAL DE OLIVEIRA - SP226321-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de ação ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS objetivando o ressarcimento ao erário de valores recebidos indevidamente a título de LOAS/amparo social, NB nº 87/112.069.011-8, no valor de R$ 44.242,58.
A r. sentença (221938756 - Pág. 11) reconheceu a prescrição dos valores anteriores a 11/04/2011, bem como julgou improcedente o pedido do INSS acerca da cobrança dos pagamentos de maio de 2011 a julho de 2014. Condenou, ainda, o autor no pagamento de honorários advocatícios da parte contrária, que fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa por ele atribuído na inicial.
O INSS interpôs apelação (ID 221938756 - Págs. 19 a 37), sustentando, em síntese, a imprescritibilidade da ação de ressarcimento e a necessidade de ressarcimento dos valores recebidos indevidamente pela parte ré. Prequestionou a matéria para efeito de interposição de recurso na superior instância.
Não foram apresentadas contrarrazões.
Subiram os autos a este Tribunal.
Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do apelo.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0002479-25.2016.4.03.6130
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCAS MARCOS ROCHA DE OLIVEIRA
CURADOR: MARTA ROSA DA SILVA OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: FABIO LEAL DE OLIVEIRA - SP226321-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame das insurgências propriamente ditas, considerando-se a matéria objeto de devolução.
Inicialmente, quanto à prescrição quinquenal, plenamente aplicável ao caso concreto, uma vez que a norma estabelecida pelo Decreto nº 20.910/32, que determina um prazo de cinco anos para a prescrição pretensões de ressarcimento contra a Fazenda Pública, deve ser igualmente aplicada nas situações em que a Fazenda é a parte autora da ação, em respeito aos princípios de igualdade e correspondência, mesmo na ausência de disposição legal específica.
Até mesmo porque, apesar de ter havido o recebimento indevido do benefício entre 2007 e julho de 2014, não há indícios de que essa situação tenha decorrido de ações criminosas ou atos de improbidade administrativa, afastando a aplicabilidade do julgado do C. Supremo Tribunal Federal (Tema 897 de repercussão geral), em que restou decidido que "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa".
Nesse sentido, imperioso reconhecer a prescrição dos valores anteriores 11/04/2011, tal qual consignado na r. sentença.
No tocante ao período remanescente, necessária se faz a análise em relação ao pedido de ressarcimento dos períodos compreendidos entre maio de 2011 e julho de 2014.
A respeito do tema, o Colendo Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão de afetação cuja ementa segue transcrita:
DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA, MÁ APLICAÇÃO DA LEI OU ERRO DA ADMINISTRAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016.
Através do julgamento do REsp 1.381.734/RN (Tema 979), sobreveio a decisão de seguinte teor:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.381.734 - RN (2013/0151218-2). Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Órgão julgador 1ª SEÇÃO. Data do julgamento 10/3/2021. Data de publicação DJ. 23/4/2021)
Impende frisar que dado o poder-dever e a capacidade da Administração Pública de corrigir seus próprios erros quando os atos são afetados por vícios insanáveis, é essencial que, ao identificar um erro administrativo no fornecimento de benefícios previdenciários seja iniciado imediatamente um processo administrativo de suspensão, respeitando o devido processo legal, conforme estabelecido na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos".
Nesse contexto, a jurisprudência nacional consolidou-se no sentido de que nos casos em que a Administração Pública, representada pela entidade autárquica, incorre em interpretação equivocada e/ou aplicação inadequada da lei, o beneficiário não deve ser punido com a obrigação de reembolsar fundos de natureza alimentar que foram pagos em excesso, pois tais pagamentos são considerados irrepetíveis. Isso se deve ao fato de não ser razoável exigir que o beneficiário tenha um profundo conhecimento das leis previdenciárias e processuais, transferindo a ele a responsabilidade de indicar um erro administrativo nos cálculos. Portanto, presume-se a boa-fé objetiva do beneficiário, recaindo o ônus probatório da má-fé sobre a entidade autárquica, sendo, ainda responsabilidade do ente público exercer o cuidado necessário na aplicação das normas estabelecidas.
O STJ fixou a tese de que “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
Restou consignado que, diante de casos de erro material ou operacional, como o que ora se analisa, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento indevido.
No caso dos autos, colhe-se da sentença recorrida o quanto segue acerca da concessão do benefício:
Conforme se verifica dos documentos apresentados, o próprio INSS concluiu pela manutenção do benefício (fls. 07), mas constatou que a renda per capita ultrapassou ¼ do salário mínimo. Desse modo, o próprio INSS reconhece a ocorrência de erro em sua avaliação inicial.
(...)
Assim, - com vistas a verificar a responsabilidade do beneficiário pelo ressarcimento dos valores pagos indevidamente, é necessário perquirir a existência de má-fé, o que não se verifica no presente caso.
É nítido que, inicialmente, o INSS aprovou a concessão do benefício, mas, mais tarde, constatou que a renda per capita da família havia excedido ¼ do salário mínimo devido aos rendimentos do pai do beneficiário. Nesse caso, é claro que o pagamento do benefício foi respaldado por um procedimento administrativo adequado, projetado para verificar se os requisitos necessários para a concessão do benefício continuado ao deficiente estavam presentes.
Ainda, caberia ao INSS proceder à revisão a cada 02 (dois) anos, conforme estipulado por lei, o que não o fez, e, todas as informações, prestadas pela parte autora, constavam do sistema da autarquia.
Assim, entendo que não restou cabalmente comprovado nos autos o dolo ou a má-fé da parte autora no recebimento do referido benefício, impossibilitando a condenação de ressarcimento ao erário, em virtude da presunção de boa-fé e do caráter alimentar.
Portanto, indevida a cobrança pleiteada pelo INSS, mantendo-se a sentença de improcedência.
Tendo em vista o não provimento do recurso autárquico, os honorários fixados pelo juízo a quo devem, in casu, ser majorados em 2%, com base no art. 85, § 11, do CPC.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo interposto pelo INSS.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AUSÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. APELO DO INSS NÃO PROVIDO. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL.
- Ação ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS objetivando o ressarcimento ao erário de valores recebidos indevidamente a título de LOAS/amparo social.
- Prescrição quinquenal aplicável ao caso concreto, uma vez que a norma estabelecida pelo Decreto nº 20.910/32, que determina um prazo de cinco anos para a prescrição pretensões de ressarcimento contra a Fazenda Pública, deve ser igualmente aplicada nas situações em que a Fazenda é a parte autora da ação, em respeito aos princípios de igualdade e correspondência, mesmo na ausência de disposição legal específica.
- Diante de casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento indevido.
- Presume-se a boa-fé objetiva do beneficiário, recaindo o ônus probatório da má-fé sobre a entidade autárquica, sendo, ainda responsabilidade do ente público exercer o cuidado necessário na aplicação das normas estabelecidas.
- Não restou cabalmente comprovado, nos autos, o dolo ou a má-fé da parte autora no recebimento do referido benefício assistencial, impossibilitando a condenação de ressarcimento ao erário, em virtude da presunção de boa-fé e do caráter alimentar.
- Apelo a que se nega provimento, restando a condenação do INSS no pagamento da verba honorária majorada em 2%.
