
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002760-14.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CICERO AUGUSTO RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO BASSI - SP204334-N
APELADO: CICERO AUGUSTO RODRIGUES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002760-14.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CICERO AUGUSTO RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO BASSI - SP204334-N
APELADO: CICERO AUGUSTO RODRIGUES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento de período(s) trabalhado(s) em atividades especiais, sua conversão em tempo comum e cômputo aos demais períodos de trabalho urbano.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para determinar ao INSS que: a) reconheça e averbe a atividade especial exercida por CÍCERO AUGUSTO RODRIGUES nos períodos de 18/07/1988 a 01/11/1991, de 02/11/1991 a 01/02/1995, de 02/02/1995 a 09/06/2008, de 20/11/2008 a 01/05/2010, de 02/05/2010 a 18/06/2011, de 05/092011 a 01/02/2012, de 02/02/2012 a 06/10/2012, de 01/01/2013 a 21/09/2016 e de 22/11/2016 a 17/07/2019, totalizando um período 43 anos e 4 dias de contribuição (374 contribuições mensais, para efeito de carência), e; b) implante, nos termos do art. 29-C, inciso II da Lei 8.213, de 1991 redação dada pela Lei 13.183, de 2015, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição sem incidência do fator previdenciário (DIB: 02/08/2019). Determinou que os efeitos financeiros da concessão terão início na data da prolação da sentença, e que a renda mensal deverá ser calculada pelo INSS e noticiada nos autos. Determinou, ainda, que sobre a condenação em pagar quantia certa, a ser calculada após o trânsito em julgado da sentença e quitada mediante RPV ou precatório, observando-se a prescrição quinquenal (art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213, de 1991) e as hipóteses exaustivas de não cumulação de benefícios (art. 124 da Lei n. 8.213, de 1991), incidirão correção monetária, desde as respectivas datas de vencimento, e juros de mora, desde a data da citação, na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na fase executiva. Custas na forma da Lei n. 9.289, de 1996. Honorários advocatícios devidos pela parte autora, fixados no patamar mínimo previsto no art. 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil, incidente sobre o valor atualizado da causa - suspensa, todavia, sua exigibilidade, vez que beneficiária da gratuidade da justiça (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).
Dispensada a remessa necessária, nos termos do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, requerendo, preliminarmente, a suspensão do processo até a finalização do julgamento RE nº 1.368.225/STF e a necessidade de submissão da sentença à remessa necessária. No mérito, sustenta que nos períodos de 18.07.88 a 01.11.91, de 02.11.91 a 01.02.95, o PPP demonstra que não há qualquer agente agressivo, que quanto aos demais períodos observa-se que a partir de 06/03/1997, não é mais possível caracterizar a especialidade de uma determinada atividade profissional por ser perigosa, eficácia do EPI, e que não restou comprovado o exercício de atividade especial. Eventualmente, sustenta a vedação de conversão de tempo especial em comum para períodos após a EC 103/19, e requer: 1) seja a parte intimada a firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; 2) a fixação dos honorários advocatícios, nos termos da Súmula 111 do STJ; 3) a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; 4) o desconto, de eventual montante retroativo, dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período, bem como pelo deferimento da cobrança de eventuais valores pagos indevidamente à parte autora em sede de antecipação dos efeitos da tutela.
A parte autora apelou, requerendo que: 1) o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício concedido (aposentadoria por tempo) seja fixado desde a DER em 02/08/19, com observância ao tema 1124 do STJ. b) seja condenado o INSS nos honorários sucumbenciais, os quais deverão observar o patamar mínimo de 10% na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC/2015.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002760-14.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CICERO AUGUSTO RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO BASSI - SP204334-N
APELADO: CICERO AUGUSTO RODRIGUES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.
Rejeito a alegada necessidade de suspensão do andamento processual destes autos em razão da ordem de sobrestamento emanada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº 1.368.225/STF, recebido como representativo de controvérsia.
A questão controvertida naqueles autos se limita a possibilidade de concessão de aposentadoria especial, pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS, ao vigilante que comprove exposição a atividade nociva com risco à integridade física do segurado, considerando-se o disposto no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal e as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019.
É o que se depreende da leitura do voto do E. Presidente do STF à época, Ministro Luiz Fux, que expressamente: "Com efeito, a matéria aqui suscitada possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral, competindo a esta Suprema Corte decidir – à luz do artigo 201, § 1º, da Constituição Federal – sobre a compatibilidade constitucional da decisão que admita o reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da Emenda Constitucional 103/2019."
Por outro lado, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício, seu valor aproximado e a data da sentença, que o valor total da condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do art. 496 do CPC/15.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária, razão pela qual rejeito a preliminar.
Ausente o interesse recursal em relação ao pedido de reconhecimento da prescrição quinquenal e de isenção do pagamento de custas.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição – requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Assim, até a edição da EC 103/2019, eram requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Prevê ainda o artigo 162 da LOPS o reconhecimento de atividade especial prestada em data anterior à sua edição, na hipótese de seu cômputo ser mais benéfico ao segurado.
Como assentado pelas Cortes Superiores "tal hipótese, apesar de similar, não se confunde com a questão da legislação aplicável ao caso de concessão de aposentadoria, tampouco com aquela que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço. (...) Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercida depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência" (Ag Rg no REsp nº 1015694, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, DJe 01/02/2011)
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
Nos termos da Súmula nº 68 da TNU, “o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”. A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014); “inexiste exigência legal de contemporaneidade dos documentos técnicos que comprovam o exercício de labor especial” (8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008647-15.2021.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 09/08/2022, DJEN DATA: 12/08/2022).
Eletricidade
Consoante julgamento do Recurso Especial n.º 1.306.113/SC (tema 534/STJ), representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível reconhecer a especialidade de labor com exposição à tensão elétrica de 250 volts mesmo com a supressão do agente do rol do Decreto n.º 2.172/97.
Com efeito, embora a eletricidade não conste expressamente do rol de agentes nocivos previstos nos Decretos nº 2.172/97 e Decreto nº 3.048/99, sua condição especial permaneceu reconhecida pela Lei nº 7.369/85, pelo Decreto nº 93.412/86, e pela Lei nº 12.740/12.
O nível de eletricidade deve constar expressamente nos documentos comprobatórios, não sendo presumível a exposição à alta tensão, em razão da atividade de eletricista.
A ausência de comprovação do caráter permanente da exposição à eletricidade não impede o reconhecimento da atividade especial. Nesse sentido, já decidiu esta Corte Regional: "Em se tratando de exposição a altas tensões elétricas, que tem o caráter de periculosidade, a caracterização em atividade especial independe da exposição do segurado durante toda a jornada de trabalho, pois que a mínima exposição oferece potencial risco de morte ao trabalhador, justificando o enquadramento especial." (Décima Turma, APELREEX 0001107-72.2014.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal SERGIO NASCIMENTO, julgado em 12/04/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2016).
Cito, ainda, acerca desta matéria, recente precedente da Sétima Turma julgadora deste Egrégio Tribunal: “(...) 17 – No mais, importante ser dito que restou superada a questão relacionada à supressão do agente eletricidade do rol do Decreto n.º 2.172/97, nos termos do entendimento adotado no REsp nº 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça. 18 - Quanto ao período laborado na “IBM Brasil -Indústria de Máquinas e Serviços Ltda." de 01/03/1978 a 05/03/1997, o PPP trazido a juízo (ID 160111683, p. 7/11), com indicação dos responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, demonstra que o requerente estava exposto à tensão elétrica de 85 a 400V, o que permite o reconhecimento da especialidade, com fundamento no item 1.1.8 do Anexo do Decreto nº 53.831/64.19 - A ausência de informação, no Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, acerca da habitualidade e permanência de exposição ao agente nocivo, em nada prejudica o segurado, na medida em que tal campo específico não integra o formulário. Precedente.20 - Ademais, ressalte-se que os requisitos de "habitualidade" e "permanência" devem ser interpretados cumgranus salis. Exigir-se do trabalhador a exposição ininterrupta aos agentes agressivos, por toda a sua jornada de trabalho, ficaria restrita somente àqueles que tivessem sua saúde esmigalhada. Habitualidade pressupõe frequência, que, por sua vez, é atingida com o exercício cotidiano de determinado trabalho ou função. Portanto, o conceito de moderado ou, até mesmo, alternado não são auto-excludentes da ideia de habitualidade. A questão da permanência deve ser encarada da mesma forma. A ideia é de que a exposição seja duradoura, capaz de prejudicar a saúde do trabalhador. Mas não se exige seja ininterrupta, pois, a seguir esse raciocínio, somente faria jus à aposentadoria especial o trabalhador doente. Por esta razão, é que a situação de intermitência não afasta a especialidade do labor, desde que a exposição se dê rotineiramente, de maneira duradoura (...)” (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000675-91.2021.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 03/03/2023, DJEN DATA: 09/03/2023).
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 1.889.768/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 10/12/2021; REsp n. 1.800.908/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/4/2019, DJe de 22/5/2019; REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Conversão do tempo de serviço especial em comum
Deve ser afastada qualquer tese de limitação temporal de conversão de tempo de serviço especial em comum, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887, de 10/12/1980, ou posteriores a Lei nº 9.711, de 20/11/1998, permanecendo, assim, a possibilidade legal de conversão, inclusive para períodos posteriores a maio de 1998, uma vez que a norma prevista no artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91 permanece em vigor, tendo em vista que a revogação pretendida pela 15ª reedição da MP 1663 não foi mantida quando da conversão na Lei nº 9.711/98. Nesse sentido decidiu a Terceira Seção do STJ no Resp 1.151.363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, data do julgamento: 23/03/2011.
O Decreto nº 83.080/79 foi renovado pelo Decreto nº 3.048/99 e este, por sua vez, prevê expressamente em seu art. 70 e seguintes (na redação dada pelo Decreto nº 4.827/03), que os fatores de conversão (multiplicadores) nele especificados aplicam-se na conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum ao trabalho prestado em qualquer período.
Fonte de custeio
Quanto à alegação de necessidade de prévio custeio, cumpre ressaltar inexistir vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa/nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado. Assim já definiu o C. STF, ao apreciar o tema em repercussão geral ARE nº 664.335/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 09/12/2014, DJE 27/03/2015.
No mesmo sentido, cito precedentes desta E. 8ª Turma: ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001606-29.2018.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 02/12/2022, DJEN DATA: 06/12/2022; ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5014268-92.2021.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, julgado em 30/11/2022, DJEN DATA: 05/12/2022.
Caso concreto - elementos probatórios
Atividade especial
1 – Períodos de 18/07/1988 a 01/11/1991, de 02/11/1991 a 01/02/1995, de 02/02/1995 a 09/06/2008, de 20/11/2008 a 01/05/2010, de 02/05/2010 a 18/06/2011, de 05/092011 a 01/02/2012, de 02/02/2012 a 06/10/2012, de 01/01/2013 a 21/09/2016 e de 22/11/2016 a 17/07/2019
Empresa: Cooperativa de Eletrificação e Desenvolvimento da Região Itu-Mairinque
Agente(s) nocivo(s): Tensão elétrica superior a 250 volts.
Enquadramento legal: Código 1.1.8 do Decreto nº 53.831/64 (Resp. nº 1.306.113/SC, Lei nº 7.369/85, Decreto nº 93.412/86 e Lei nº 12.740/12.)
Prova(s): Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP emitido em 09/08/2022, apresentado na via judicial (ID 296426821 - Pág. 1/5)
Conclusão: Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial nos períodos supracitados, em decorrência da exposição à tensão elétrica acima do limite permitido.
Quanto à alegação de necessidade de a parte autora apresentar autodeclaração, entendo que se trata de procedimento a ser efetuado na esfera administrativa, na qual é dispensada a determinação judicial.
Desta forma, considerando o tempo de serviço especial reconhecido nos autos, bem como o tempo comum com registro em CTPS/constante no CNIS, verifica-se que à época da data do requerimento administrativo (02/08/2019 – ID 296426790 - Pág. 61) a parte autora já havia preenchido o tempo de serviço necessário à concessão do benefício e cumprido a carência mínima exigida pela Lei de Benefícios (V. tabela de ID 296426830 - Pág. 6/7).
Sendo assim, verifica-se que o autor ultrapassou os 35 anos exigidos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço integral, nos termos do art. 201, §7º, I, da Constituição da República, motivo pelo qual o pedido deve ser julgado procedente.
No que tange aos efeitos financeiros da concessão ou revisão do benefício, considerando que o reconhecimento das atividades especiais decorreu de produção de prova realizada na esfera judicial, a hipótese do caso se amolda à previsão do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça, e, portanto, deve seguir o quanto vier a ser definido quando do julgamento dos recursos representativos de controvérsia Resp. 1905830/SP, 1912784/SP e 1913152/SP, afetados em 17/12/2021.
Contudo, embora haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, entendo que a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte já neste momento, priorizando, assim, o princípio da celeridade processual, cabendo ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial, sendo tais critérios compatíveis com aqueles definidos na sentença recorrida.
Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2% (dois por cento).
Ante o exposto, rejeito as preliminares, conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, nego-lhe provimento e, com fulcro no §11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários de advogado em 2% (dois por cento) sobre o valor arbitrado na sentença, e dou parcial provimento à apelação da parte autora para explicitar que caberá ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESNECESSIDADE. REMESSA NECESSÁRIA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL EM RELAÇÃO À PRESCRIÇÃO QUINQUENAL E AO PEDIDO DE ISENÇÃO DE CUSTAS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. ELETRICIDADE. USO DE EPI. EXPOSIÇÃO PERMANENTE. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. TEMA 1124 DO STJ. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL.
1. A temática discutida no RE nº 1.368.225/STF, se limita a possibilidade de concessão de aposentadoria especial, pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS, ao vigilante que comprove exposição a atividade nociva com risco à integridade física do segurado, considerando-se o disposto no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal e as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019, não sendo o sobrestamento determinado naqueles autos aplicável às demais atividades consideradas de risco.
2. Valor da condenação inferior a 1.000 salários mínimos. Preliminar rejeitada.
3. Ausente o interesse recursal em relação em relação ao pedido de reconhecimento da prescrição quinquenal e ao pedido de isenção de custas.
4. São requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições, ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à Emenda Constitucional 20/98 equivale a tempo de contribuição, a teor do seu art. 4º.
5. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.
6. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 11/12/97).
7. A exposição à tensão elétrica superior a 250 volts enseja o reconhecimento do exercício do trabalho em condições especiais (Resp. nº 1.306.113/SC, Lei nº 7.369/85, Decreto nº 93.412/86 e Lei nº 12.740/12.)
8. O nível de eletricidade deve constar expressamente nos documentos comprobatórios, não sendo presumível a exposição à alta tensão, em razão da atividade de eletricista.
9. A ausência de comprovação do caráter permanente da exposição à eletricidade não impede o reconhecimento da atividade especial.
10. O autor cumpriu o requisito temporal e a carência prevista na Lei de Benefícios, fazendo jus à aposentadoria por tempo de serviço integral, nos termos do art. 201, §7º, I, da Constituição da República.
11. No que tange aos efeitos financeiros da concessão ou revisão do benefício, considerando que o reconhecimento das atividades especiais decorreu de produção de prova realizada na esfera judicial, a hipótese do caso se amolda à previsão do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça, e, portanto, deve seguir o quanto vier a ser definido quando do julgamento dos recursos representativos de controvérsia Resp. 1905830/SP, 1912784/SP e 1913152/SP, afetados em 17/12/2021.
12. Contudo, embora haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte já neste momento, priorizando, assim, o princípio da celeridade processual, cabendo ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
13. Juros e correção monetária. Aplicação dos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
14. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% (dois por cento) do valor arbitrado na sentença. Art. 85, §11, CPC.
15. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS parcialmente conhecida e não provida. Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
