D.E. Publicado em 23/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação do segurado e fixar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0002470-78.2011.4.03.6117/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de concessão de benefício previdenciário - aposentadoria especial ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição - em ação ordinária movida por Paulo Roberto da Silva em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Sentença indeferindo a petição inicial às fls. 162/163.
Apelação do segurado às fls. 177/185, requerendo a anulação da sentença, e o consequente provimento do recurso para determinar o regular processamento do feito. Recurso provido (fls. 248/249).
Contestação do INSS às fls. 256/265, na qual sustenta o não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Laudo pericial às fls. 288/294 e 302/307.
Sentença fls. 377/389 pela parcial procedência do pedido, apenas reconhecendo os períodos de 01.08.1992 a 05.03.1997, 19.11.2003 a 27.05.2004, 10.01.2005 a 08.04.2005, e 18.04.2005 a 27.06.2011 como de natureza especial.
Recurso de apelação do segurado às fls. 406/417, alegando, em síntese, que as atividades de aprendiz de sapateiro, auxiliar de montador e conformador devem ser reconhecidas como sendo especiais pelo enquadramento em categoria profissional, e após o advento do Decreto nº 2.157/1997, por terem contato com hidrocarbonetos (código 1.0.3, Decreto nº 2.157/1997 e código 2.0.1, Decreto nº 3.048/1999), mediante comprovação por laudo técnico ou formulário fornecido pelo empregador. Relativamente aos honorários, a parte requer a majoração baseada em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, enunciada na súmula nº 111.
Apelação do INSS às fls. 397/403, pelo não acolhimento do pedido formulado na exordial e consequente inversão da sucumbência.
Com contrarrazões apenas do segurado, subiram os autos a essa corte.
É o relatório.
VOTO
Pretende a parte autora, nascida em 23.03.1969, o reconhecimento do exercício de atividades especiais nos períodos discriminados em fls. 11/13 da petição inicial, e a concessão do benefício de aposentadoria especial ou, sucessivamente, de aposentadoria por tempo de contribuição concedido, a partir da data de requerimento administrativo (D.E.R. 21.07.2011).
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde.
Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, é de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
Conforme acima destacado, está pacificado no E. STJ (Resp 1398260/PR) o entendimento de que a norma que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação, devendo, assim, ser observado o limite de 90 decibéis no período de 06.03.1997 a 18.11.2003.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
No caso dos autos nos períodos de 09.05.1983 a 28.08.1987, 01.10/1987 a 01.10.1990, 15.10.1990 a 06.12.1991, 01.08.1992 a 05.03.1997, 10.01.2005 a 08.04.2005, e 18.04.2005 a 27.06.2011 a parte autora esteve exposta a agentes químicos e físicos - ruídos acima dos limites legalmente admitidos (fls. 289/294) - nocivos à saúde, devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades exercidas nesses períodos, conforme código 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79.
Não obstante a alegação do segurado, o período de 06.031997 a 27.05.2004, deve ser reconhecido como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos nocivos à saúde.
Sendo assim, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 34 anos, 06 meses e 06 dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão, portanto insuficientes para a concessão do benefício.
Todavia, a reunião dos requisitos para concessão do benefício, ocorrida após a entrada do requerimento administrativo, pode ser considerada como fato superveniente, desde que ocorridos até o momento da decisão, conforme artigo 493 do Código de Processo Civil de 2015. O artigo 623 da Instrução Normativa nº45/2011 determina o mesmo procedimento.
Tal prática deve ser adotada em processos cujo lapso temporal necessário para a concessão do benefício seja diminuto, bem como nos casos de redução significativa na renda igualmente em função de pequeno período de tempo. Nesse sentido:
Assim, em consulta a informações contidas no CNIS (fls. 268), é possível se verificar que o segurado manteve vínculo laboral durante todo o curso do processo em primeira instância, tendo completado em 02.11.2011 o período de 35 anos de contribuição necessários para obter o benefício.
Quanto à intimação da parte contrária para manifestação acerca do novo fato, prevista no parágrafo único do artigo 493 do Novo Código de Processo Civil, entendendo não ser aplicável ao presente caso, tendo-se em vista que as informações para a reafirmação da DIB estão em sua posse, sendo geradas e administradas pelo INSS, e foram, inclusive, juntadas pelo réu quando da apresentação da sua resposta à peça inicial.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (artigo 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e a carência para a concessão do benefício almejado (artigo 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, calculada na forma prevista pelo artigo 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
Restaram atendidos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Os honorários advocatícios, esta Turma firmou entendimento no sentido de que esses devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111, do E. STJ, razão pela qual devem ser majorados ao patamar supracitado.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação do segurado, para, fixando, de ofício, os consectários legais, conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição com DIB em 02.11.2011, observada eventual prescrição quinquenal, tudo na forma acima explicitada.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora Paulo Roberto da Silva, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para implantação imediata do benefício de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, com D.I.B. em 02.11.2011 e R.M.I. a ser calculada pelo INSS, observado o regramento traçado pelos artigos 187, 188-A e 188-B do Decreto nº 3.048/99, tendo em vista os artigos 497 e seguintes do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).
É como voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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