
| D.E. Publicado em 30/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento a apelação do segurado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004069-98.2010.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de concessão de benefício previdenciário - aposentadoria especial ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição - cumulado com pedido de reparação de dano moral, em ação ordinária movida por Devair da Silva ante o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Contestação do INSS às fls. 152/177, na qual sustenta o não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Sentença fls. 282/286 pela parcial procedência do pedido, apenas reconhecendo o período de 01.02.2006 a 19.12.2007 como de natureza especial.
Recurso de apelação do segurado às fls. 294/305, requerendo, de forma preliminar, o conhecimento e provimento do agravo retido interposto às fls. 262/266, em função do indeferimento de realização de prova pericial. Agravo retido conhecido e provido, determinando o retorno dos autos à origem para produção de prova pericial.
Laudo pericial às fls. 390/401.
Sentença às fls. 280/286, pela parcial procedência do pedido, reconhecendo os períodos de 16.05.1986 a 19.04.1994, 01.07.1994 a 04.03.1997, 18.11.2003 a 04.12.2003, 01.04.2004 a 16.12.2004, 01.03.2005 a 06.12.2005, 01.02.2006 a 19.12.2007 e 04.02.2008 e 16.10.2009 como sendo de natureza especial.
Apelação do segurado alegando, em síntese, que as atividades de sapateiro e cortador/cortador de pele/cortador de vaqueta devem ser reconhecidas como sendo especiais pelo enquadramento em categoria profissional, mesmo após o advento do Decreto nº 2.157/1997, por terem contato com hidrocarbonetos (código 1.0.3, Decreto nº 2.157/1997 e código 2.0.1, Decreto nº 3.048/1999. Relativamente aos honorários, a parte requer a majoração baseada em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, enunciada na súmula nº 111.
INSS deixou de apresentar apelação por entender que os períodos reconhecidos na sentença são, realmente, de natureza especial, consideradas as provas produzidas em juízo (fls. 444/445).
Sem contrarrazões, subiram os autos a essa corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 12.02.1967, o reconhecimento do exercício de atividades especiais nos períodos discriminados em fls. 11/13 da petição inicial, e a concessão do benefício de aposentadoria especial ou, sucessivamente, de aposentadoria por tempo de contribuição concedido, a partir da data de requerimento administrativo (D.E.R. 01.03.2010).
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde.
Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, é de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
Conforme acima destacado, está pacificado no E. STJ (Resp 1398260/PR) o entendimento de que a norma que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação, devendo, assim, ser observado o limite de 90 decibéis no período de 06.03.1997 a 18.11.2003.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
No caso dos autos os períodos de 16.05.1986 a 19.04.1994, 01.07.1994 a 04.03.1997, 18.11.2003 a 04.12.2003, 01.04.2004 a 16.12.2004, 01.03.2005 a 06.12.2005, 01.02.2006 a 19.12.2007 e 04.02.2008 e 16.10.2009 restaram incontroversos em sede recursal, diante da não interposição de apelação pelo INSS.
Com relação aos períodos laborados entre 01.08.1981 a 01.04.1986, 10.04.1986 a 13.05.1986 e 19.10.2009 a 01.03.2010 a parte autora esteve exposta a agentes químicos nocivos à saúde e ruídos acima dos limites legalmente admitidos (fls. 46/48 e 390/401), devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades exercidas nesses períodos, conforme código 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79.
Não obstante a alegação do segurado, os períodos de 06.031997 a 04.07.1997, 10.02.1998 a 12.12.1998, 01.03.1999 a 16.12.1999, 01.03.2000 a 02.12.2000, 10.04.2001 a 21.12.2001, 01.03.2002 a 30.11.2002, 02.0.2003 a 17.11.2003, 20.02.2004 a 19.03.2004, devem ser reconhecidos como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos nocivos à saúde.
Sendo assim, somados todos os períodos comuns, inclusive rurais sem registro, e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 31 anos, 07 meses e 26 dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Todavia, a reunião dos requisitos para concessão do benefício, ocorrida após a entrada do requerimento administrativo, pode ser considerada como fato superveniente, desde que ocorridos até o momento da decisão, conforme artigo 493 do Código de Processo Civil de 2015. O artigo 623 da Instrução Normativa nº45/2011 determina o mesmo procedimento.
Tal prática deve ser adotada em processos cujo lapso temporal necessário para a concessão do benefício seja diminuto, bem como nos casos de redução significativa na renda igualmente em função de pequeno período de tempo. Nesse sentido:
Assim, em consulta a informações contidas no CNIS (documento anexo), é possível se verificar que o segurado manteve vínculo laboral durante o curso do processo em primeira instância, tendo completado em 13.10.2015 o período de 25 anos de contribuição em atividade de natureza especial necessário para obter o benefício, tendo em vista que trabalhou na mesma empresa periciada em 2013, o que permite a utilização do laudo produzido em juízo.
Quanto à disposição acerca da intimação da parte contrária para manifestação acerca do novo fato, prevista no parágrafo único do artigo 493 do Novo Código de Processo Civil, entendo não ser aplicável ao presente caso, tendo-se em vista que as informações para a reafirmação da DIB estão em sua posse, sendo geradas e administradas pelo INSS.
Restaram atendidos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria especial com renda mensal inicial de 100% do salário-de-benefício, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, sendo este último calculado pela média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, nos termos do art. 29, inc. II, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Acaso a parte autora esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá o demandante optar, à época da liquidação de sentença, pelo beneficio judicial ou administrativo que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação dos benefícios.
Ante o exposto, voto por dar provimento a apelação do segurado, para, fixando, de ofício, os consectários legais, conceder o benefício de aposentadoria especial, com data de início do benefício em 13.10.2015, tudo na forma acima explicitada.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Determinar que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora Devair da Silva, a fim de serem adotadas as providências cabíveis implantação de imediata do benefício de APOSENTADORIA ESPECIAL, com D.I.B. em 13.10.2015 e R.M.I. a ser calculada pelo INSS, observado o regramento traçado pelos artigos 187, 188-A e 188-B do Decreto nº 3.048/99, tendo em vista o artigo 497 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15)
É como voto.
NELSON PORFIRIO
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