Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1971747 / SP
0015417-56.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/10/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
AGROPECUÁRIA. CANA-DE-AÇÚCAR. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL.
IMPOSSIBILIDADE DEFINIDA PELO STJ. RUÍDO. POEIRA MINERAL. ATIVIDADE
PERIGOSA. RECONHECIMENTO PARCIAL. EPI EFICAZ. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE. TEMPO INSUFICIENTE PARA BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
COMPENSADOS ENTRES AS PARTES. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. AGRAVO RETIDO
DA PARTE AUTORA, APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR
INTERPOSTA DESPROVIDAS. APELO DO REQUERENTE PARCIALMENTE PROVIDO.
1 - O INSS foi condenado a reconhecer período de labor especial, bem como a conceder o
benefício previdenciário de aposentadoria especial. Assim, não havendo como se apurar o valor
da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do
inciso I do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula 490 do STJ.
2 - Rejeita-se a alegação de nulidade da sentença em razão de cerceamento de defesa por
ausência de produção probatória, eis que a prova documental juntada aos autos mostra-se
suficiente para o julgamento da causa, sendo, portanto, desnecessária a realização da perícia
requerida.
3 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
4 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
5 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
6 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
7 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
8 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
9 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
10 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
11 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
12 - A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento
da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia
tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima
do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos
anos anteriores, referido nível era superior.
13 - Pretende a parte autora o reconhecimento do labor especial desempenhado nos períodos
de 06/04/1984 a 26/10/1984, 07/11/1984 a 30/04/1985, 02/05/1985 a 24/10/1985, 09/12/1985 a
30/04/1986, 01/05/1986 a 22/11/1986, 01/12/1986 a 31/03/1987, 01/04/1987 a 09/10/1987,
26/10/1987 a 22/04/1988, 02/05/1988 a 18/11/1988, 14/12/1988 a 30/04/1989, 02/05/1989 a
08/11/1989, 02/12/1989 a 30/04/1991 e de 29/04/1995 a 25/05/2011. O formulário de fl. 27
informa que o postulante exerceu labor como trabalhador agrícola junto a Usina Açucareira de
Jaboticabal S/A nos lapsos 06/04/1984 a 26/10/1984, 07/11/1984 a 30/04/1985, 02/05/1985 a
24/10/1985, 09/12/1985 a 30/04/1986, 01/05/1986 a 22/11/1986, 01/12/1986 a 31/03/1987,
01/04/1987 a 09/10/1987, 26/10/1987 a 22/04/1988, 02/05/1988 a 18/11/1988, 14/12/1988 a
30/04/1989, 02/05/1989 a 08/11/1989, executando as seguintes atividades: "...cortar cana,
abraçando o feixe, jogando na leira e retirando os ponteiros, para abastecer a moenda da
Usina, plantar cana, colocando-a no lugar desejado, com o objetivo de que elas nasçam para a
próxima safra; arrancar colonião, utilizando enxadão para evitar infestação de erva daninha na
área, efetuar catação de cana, utilizando as mãos e fazendo montes para levar a matéria-prima
para a usina moer e também para deixar a área limpa..."
14 - Quanto ao período de 02/12/1989 a 30/04/1991, observo do PPP de fls. 29/31 que o autor
trabalhou como trabalhador agrícola, no corte de cana, junto a LDC Bioenergia S.A.
15 - A 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Pedido de Uniformização
de Interpretação de Lei autuado sob n.º 452/PE, firmou entendimento no sentido de não ser
possível equiparar a categoria profissional de agropecuária, constante no item 2.2.1 do Anexo
ao Decreto n.º 53.831/1964, à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-
açúcar. Assim, com ressalva de meu entendimento pessoal, não reconheço a natureza especial
da atividade exercida nos períodos de 06/04/1984 a 26/10/1984, 07/11/1984 a 30/04/1985,
02/05/1985 a 24/10/1985, 09/12/1985 a 30/04/1986, 01/05/1986 a 22/11/1986, 01/12/1986 a
31/03/1987, 01/04/1987 a 09/10/1987, 26/10/1987 a 22/04/1988, 02/05/1988 a 18/11/1988,
14/12/1988 a 30/04/1989, 02/05/1989 a 08/11/1989 e de 02/12/1989 a 30/04/1991.
16 - No tocante ao lapso de 29/04/1995 a 25/05/2011, o PPP de fls. 29/31 informa que o
requerente exerceu a função de motorista junto à LDC Bioenergia S.A., sujeito a pressão
sonora de 91,3db (01/05/1991 a 28/02/2006); 82,7db (01/03/2006 a 31/03/2010) e de 91,3db
(01/04/2010 a 25/05/2011), o que permite o reconhecimento da especialidade apenas do
interregno de 29/04/1995 a 28/02/2006 e de 01/04/2010 a 25/05/2011. Não obstante conste do
referido documento que o autor esteve exposto a poeira mineral no período de 29/04/1995 a
25/05/2011, inviável o seu reconhecimento ante a informação de utilização de EPI eficaz.
17 - O art. 58, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração por meio da Lei nº 9.732/98,
publicada em 14/12/1998, exigindo-se, no bojo do laudo técnico, informação acerca da
existência de tecnologia de proteção - quer coletiva, quer individual - passível de atenuar a
intensidade de agentes nocivos a limites toleráveis, apartando a insalubridade da atividade
desempenhada. Portanto, a partir de 15/12/1998, nos períodos em que está comprovada a
utilização de equipamentos individuais de proteção eficazes, como no caso em apreço, fica
afastada a insalubridade no interregno de 29/04/1995 a 25/05/2011 com base no agente nocivo
citado. Ademais, as poeiras minerais descritas no item 1.2.10 do Decreto nº 53.831/64, referem-
se à "...sílica, carvão, cimento, asbestos e talco...", as quais notadamente não aplicam ao labor
exercido na lavoura de cana-de-açúcar, relacionando-se, apenas, às atividades laborativas
mencionadas no referido item.
18 - Vê-se da descrição das atividades desempenhadas pelo postulante no interregno de
01/03/2006 a 31/03/2010 que ele operava veículos "...com carroceria tanque e preparados para
combater incêndios. Trafegando entre as fazendas, seguindo as normas da empresa e as leis
de trânsito...", bem como deveria "...ficar de plantão junto com o caminhão bombeiro caso
ocorra incêndio para evitar danos nos canaviais e em áreas de preservação. Quando
necessário, executa atividades de extinção do fogo em tabelas de cana e carreadores,
utilizando mangueiras e equipamentos de combate a incêndio...". Assim, é notório que no
exercício de seu labor, a integridade física do autor esteve sujeita a riscos, o que permite
considerar especial a atividade por ele desempenhada no referido interregno. A propósito da
continuidade das circunstâncias de perigo a que exposto o segurado, bem decidiu este E.
Tribunal que "Diferentemente do que ocorre com a insalubridade, na qual ganha importância o
tempo, por seu efeito cumulativo, em se tratando de atividade perigosa, sua caracterização
independe da exposição do trabalhador durante toda a jornada, pois que a mínima exposição
oferece potencial risco de morte, justificando o enquadramento especial, não havendo que se
falar em intermitência, uma vez que o autor exerce a função de vigia durante toda a jornada de
trabalho, assim sendo, a exposição ao risco é inerente à sua atividade profissional" (10ª Turma,
AC nº 2007.03.99.038553-3, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, j. 23/06/2009, DJF3
01/07/2009, p. 889). Possível, portanto, o reconhecimento do labor especial no lapso de
01/03/2006 a 31/03/2010.
19 - O próprio INSS reconheceu a especialidade do labor desempenhado no período de
01/05/1991 a 28/04/1995, conforme Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de
Contribuição de fls. 32/36.
20 - Somando os períodos de atividade especial ora reconhecidos, ao já computado pelo INSS
no Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição de fls. 32/36, verifica-se
que, quando do requerimento administrativo (28/06/2011 - fl. 26), a parte autora perfazia 20
anos, 04 meses e 25 dias de serviço especial, número de anos aquém do exigido ao
deferimento da aposentadoria especial (mínimo de 25 anos de labor).
21 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários
advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a
gratuidade da justiça conferida à parte autora (fl. 29) e por ser o INSS delas isento.
22 - Agravo retido da parte autora, apelação do INSS e remessa necessária, tida por interposta
desprovidos. Apelo do requerente parcialmente provido.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, nego provimento ao
agravo retido da parte autora, dou parcial provimento a seu apelo para reconhecer a
especialidade do labor no período de 01/03/2006 a 31/03/2010 e nego provimento ao recurso
do INSS e à remessa necessária, tida por interposta, mantendo, quanto ao mais, a sentença de
primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
