D.E. Publicado em 05/09/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019199-66.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando, em síntese, o reconhecimento de labor em condições especiais, a fim de viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria especial.
Concedidos os benefícios da Justiça Gratuita (fl. 30).
Prova oral colacionada às fls. 119/125.
A sentença julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios arbitrados no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), ressalvando-se a prévia concessão da gratuidade processual (fls. 138/141).
Apela a parte autora (fls. 145/153), postulando o reconhecimento da integralidade dos períodos de atividade especial descritos na exordial, a fim de viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria especial.
Com contrarrazões (fls. 160/162), subiram os autos a esta E. Corte.
É o Relatório.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019199-66.2017.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A controvérsia havida no presente feito cinge-se a possibilidade de reconhecimento de labor exercido pela demandante em condições insalubres, a fim de viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria especial.
DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
A jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado serviço especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos n.º 83.080/79 e 53.831/64, até 05.03.1997, e após pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de serviço para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, conforme a seguir se verifica.
Ressalto que os Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
O E. STJ já se pronunciou nesse sentido, através do aresto abaixo colacionado:
O art. 58 da Lei n.º 8.213/91 dispunha, em sua redação original:
Até a promulgação da Lei 9.032/95, de 28 de abril de 1995, presume-se a especialidade do labor pelo simples exercício de profissão que se enquadre no disposto nos anexos dos regulamentos acima referidos, exceto para os agentes nocivos ruído, poeira e calor (para os quais sempre fora exigida a apresentação de laudo técnico).
Entre 28.05.1995 e 11.10.1996, restou consolidado o entendimento de ser suficiente, para a caracterização da denominada atividade especial, a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, com a ressalva dos agentes nocivos ruído, calor e poeira.
Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, em 11.10.1996, o dispositivo legal supra transcrito passou a ter a redação abaixo transcrita, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.1997 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.1997 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.1997), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação somente foi definida com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual apenas para atividades exercidas a partir de então é exigível a apresentação de laudo técnico. Neste sentido, confira-se a jurisprudência:
Desta forma, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois em razão da legislação de regência vigente até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial o enquadramento pela categoria profissional (até 28.04.1995 - Lei nº 9.032/95), e/ou a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030.
Por fim, ainda no que tange a comprovação da faina especial, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.º 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, apto para comprovar o exercício de atividade sob condições especiais, de sorte a substituir o laudo técnico.
Além disso, a própria autarquia federal reconhece o PPP como documento suficiente para comprovação do histórico laboral do segurado, inclusive da faina especial, criado para substituir os formulários SB-40, DSS-8030 e sucessores. Reúne as informações do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho - LTCAT e é de entrega obrigatória aos trabalhadores, quando do desligamento da empresa.
Outrossim, a jurisprudência desta Corte destaca a prescindibilidade de juntada de laudo técnico aos autos ou realização de laudo pericial, nos casos em que o demandante apresentar PPP, a fim de comprovar a faina nocente:
DO AGENTE NOCIVO RUÍDO
De acordo com o julgamento do recurso representativo da controvérsia pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.398.260/PR), restou assentada a questão no sentido de o limite de tolerância para o agente agressivo ruído, no período de 06.03.1997 a 18.11.2003, deve ser aquele previsto no Anexo IV do Decreto n. 2.172/97 (90dB), sendo indevida a aplicação retroativa do Decreto n.º 4.882/03, que reduziu tal patamar para 85dB. Confira-se o julgado:
Dessa forma, é de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos superiores a 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos superiores a 85 decibéis.
Obtempere-se, ainda, que não se há falar em aplicação da legislação trabalhista à espécie, uma vez que a questão é eminentemente previdenciária, existindo normatização específica a regê-la no Direito pátrio. Nessa direção, a doutrina:
DO USO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL
Quanto ao uso de equipamentos de proteção individual (EPIS), nas atividades desenvolvidas no presente feito, sua utilização não afasta a insalubridade. Ainda que minimize seus efeitos, não é capaz de neutralizá-lo totalmente. Nesse sentido, veja-se a Súmula nº 9 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, segundo a qual "O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o serviço especial prestado".
In casu, visando a comprovação do exercício de atividade profissional em condições insalubres, a parte autora colacionou aos autos, cópia da CTPS (fls. 12/18), PPP (fls. 23/25) e Laudo Técnico Pericial (fls. 26/29), demonstrando que a demandante exerceu suas funções de:
- 01.02.1979 a 17.07.1983, 01.06.1994 a 01.08.2009 e de 01.02.2010 a 11.04.2016, junto à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de monte Aprazível/SP, conforme se depreende do PPP colacionado às fls. 23/25, exposta, de forma habitual e permanente, a agentes biológicos, tais como, vírus, bactérias e parasitas inerentes ao contato direito com pacientes e materiais infectados, circunstância que enseja o enquadramento da atividade, diante da previsão legal expressa contida no código 1.3.2 do quadro anexo a que se refere o art. 2º do Decreto n.º 53.831/64, bem como no código 1.3.4 do anexo I do Decreto n.º 83.080/79 e no código 3.0.1 do anexo IV do Decreto n.º 2.172/97.
Frise-se que muito embora a segurada exercesse os cargos de "recepcionista" e "auxiliar de lavanderia" nos períodos acima explicitados, ainda assim, deverá ser procedido o reconhecimento da especialidade do labor, posto que a descrição das tarefas por ela desenvolvidas evidenciam o contato direto e contínuo com agentes biológicos, inerentes ao manuseio de objetos fornecidos pelos pacientes por ocasião do comparecimento a recepção do estabelecimento de saúde, além de sangue e demais secreções contaminadas presentes nos materiais remetidos à lavanderia, com o que não há de se discutir a especialidade do labor exercido pela demandante no mencionado interstício.
Aliás, consigno, por oportuno, o teor do relato fornecido pelas testemunhas ouvidas no curso da instrução processual, sob o crivo do contraditório, todas dando plena conta da exposição direta e contínua da segurada a materiais contaminados por sangue, fezes e vômito de pacientes.
E nem se alegue que a mera referência à suposta intermitência do contato com agentes nocivos verificada no Laudo Técnico Pericial de fls. 26/29 teria, por si só, o condão de inviabilizar o reconhecimento de atividade especial, como suscitado pelo d. Juízo de Primeiro Grau, haja vista a plena certificação da habitualidade e permanência da sujeição da requerente a agentes biológicos firmada a través do PPP de fls. 23/25, de modo que a referida contradição, a meu ver, há de ser solucionada sob a égide do princípio in dubio pro misero.
Destarte, entendo que a r. sentença merece reforma para reconhecer os períodos de 01.04.1979 a 17.07.1983, 01.06.1994 a 19.08.2009 e de 01.02.2010 a 11.04.2016, como atividade especial exercida pela autora.
DA APOSENTADORIA ESPECIAL
De início, cumpre destacar que a aposentadoria especial está prevista no art. 57, "caput", da Lei nº 8.213/91 e pressupõe o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, e, cumprido esse requisito o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC nº 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, assim como não se submete ao fator previdenciário, conforme art. 29,inc. II, da Lei nº 8.213/91.
Sendo assim, computando-se a integralidade dos períodos de atividade especial ora reconhecidos (01.04.1979 a 17.07.1983, 01.06.1994 a 19.08.2009 e de 01.02.2010 a 11.04.2016), observo que até a data do requerimento administrativo, qual seja, 11.04.2016 (fls. 20/21), a parte autora já havia implementado tempo suficiente de labor em condições especiais para concessão do benefício de aposentadoria especial, o que enseja a procedência do pedido veiculado em sua exordial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, qual seja, 11.04.2016 (fls. 20/21), ocasião em que a autarquia federal foi cientificada da pretensão da segurada.
Quanto à prévia fonte de custeio, ressalte-se que o recolhimento das contribuições previdenciárias do empregado é de responsabilidade do empregador, nos termos do art. 30, inc. I, da Lei n.º 8.213/91, não podendo aquele ser penalizado na hipótese de seu eventual pagamento a menor.
Nesse sentido, os seguintes precedentes jurisprudenciais desta E. Corte:
Nesses termos, caracterizada a sucumbência da autarquia previdenciária, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até o presente decisum, considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC.
Com relação à correção monetária e juros de mora, determino a observância dos critérios contemplados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor, por ocasião da execução do julgado.
Quanto às despesas processuais, são elas devidas, à observância do disposto no artigo 11 da Lei n.º 1060/50, combinado com o artigo 91 do Novo Código de Processo Civil. Porém, a se considerar a hipossuficiência da parte autora e os benefícios que lhe assistem, em razão da assistência judiciária gratuita, a ausência do efetivo desembolso desonera a condenação da autarquia federal à respectiva restituição.
Isto posto, DOU PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, para reconhecer os períodos de 01.04.1979 a 17.07.1983, 01.06.1994 a 19.08.2009 e de 01.02.2010 a 11.04.2016, como atividade especial exercida pela autora, a fim de conceder-lhe o benefício de aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo, qual seja, 11.04.2016. Honorários advocatícios, correção monetária, juros de mora e custas processuais fixados na forma acima explicitada.
É o voto.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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