
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076376-53.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ROBERTO SANTI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N, JOAO VITOR FERREIRA DOS SANTOS - SP489536-A, LUCIO HENRIQUE RIBEIRO DE PAULA - SP261685-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ROBERTO SANTI
Advogados do(a) APELADO: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N, JOAO VITOR FERREIRA DOS SANTOS - SP489536-A, LUCIO HENRIQUE RIBEIRO DE PAULA - SP261685-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076376-53.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ROBERTO SANTI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N, JOAO VITOR FERREIRA DOS SANTOS - SP489536-A, LUCIO HENRIQUE RIBEIRO DE PAULA - SP261685-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ROBERTO SANTI
Advogados do(a) APELADO: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N, JOAO VITOR FERREIRA DOS SANTOS - SP489536-A, LUCIO HENRIQUE RIBEIRO DE PAULA - SP261685-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de aposentadoria especial, ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição, ajuizado por Roberto Santi em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Contestação do INSS, na qual sustenta o não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Houve réplica.
Foi produzido laudo pericial.
Sentença, pela parcial procedência do pedido, para reconhecer os períodos de 01.06.1990 a 15.10.1995, 01.05.1996 a 12.11.2004, 01.08.2005 a 07.12.2010, 01.08.2011 a 31.07.2018 e 01.07.2019 a 13.11.2019 como sendo de natureza especial e determinar a implantação da aposentadoria especial da parte autora, na data da entrada do requerimento administrativo, fixando a sucumbência.
Apelação do INSS, pelo não acolhimento dos períodos especiais pleiteados e consequente inversão da sucumbência.
Recurso adesivo da parte autora, pelo reconhecimento do período especial até a DER e majoração dos honorários sucumbenciais.
Com contrarrazões do segurado, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076376-53.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ROBERTO SANTI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N, JOAO VITOR FERREIRA DOS SANTOS - SP489536-A, LUCIO HENRIQUE RIBEIRO DE PAULA - SP261685-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ROBERTO SANTI
Advogados do(a) APELADO: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N, JOAO VITOR FERREIRA DOS SANTOS - SP489536-A, LUCIO HENRIQUE RIBEIRO DE PAULA - SP261685-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 04.02.1976, o reconhecimento do exercício de atividades especiais nos períodos indicados na exordial, e a concessão do benefício de aposentadoria especial, ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 07.03.2023).
Da remessa necessária.
Anoto que a sentença foi proferida já na vigência do novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015 -, razão pela qual se deve observar o disposto no art. 496, §3º, I. No caso dos autos, não obstante a sentença ser ilíquida, é certo que o proveito econômico obtido pela parte autora não superará o valor de 1.000 salários-mínimos.
Neste sentido observo que a 1ª Turma do C. STJ, ao apreciar o REsp 1.735.097/RS, em decisão proferida em 08.10.2019, entendeu que, não obstante a iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos.
Assim, na vigência do Código de Processo Civil/2015, em regra, a condenação em ações previdenciárias não alcança o valor de mil salários-mínimos, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, restando afastado o duplo grau necessário.
Não é o caso, portanto, de submissão da sentença à remessa necessária.
Do mérito.
Para melhor elucidação da controvérsia colocada em Juízo, cumpre distinguir a aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois enquanto a aposentadoria especial pressupõe o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, e, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da E.C. nº 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, assim como não se submete ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição há tanto o exercício de atividade especial como o exercício de atividade comum, sendo que o período de atividade especial sofre a conversão em atividade comum aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da E.C. nº 20/98.
A Emenda Constitucional n.º 103/2019, publicada em 13.11.2019, entre outras alterações em diversos dispositivos constitucionais, deu nova redação ao inciso I do art. 201 da CF/88, passando a exigir para a obtenção de aposentadoria urbana no RGPS, a idade mínima de 65 anos de idade (homem) e 62 anos de idade (mulher), observado tempo mínimo de contribuição (o § 1º do referido art. 201 estabelece a previsão de critérios diferenciados de idade e tempo de contribuição para as pessoas com deficiência e para os que exercem atividades tidas por especiais, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação).
Aos segurados filiados ao RGPS até a publicação da EC 103 (13.11.2019), foram estabelecidas algumas regras de transição pelos art. 15, 16, 17, 18 e 20 da referida EC 103/2019, que devem ser avaliadas caso a caso, uma vez que é a situação específica de cada segurado o fator determinante para escolha da regra de transição mais favorável.
Ainda, conforme disposto no art. 3º, caput, e § 2º da referida emenda, foram preservados os direitos adquiridos dos segurados e dependentes do RGPS, que, até a data de entrada em vigor da alteração constitucional (13.11.2019), demonstrem o preenchimento dos requisitos legalmente exigidos para a concessão da aposentadoria ou pensão por morte, ainda que requeridas posteriormente:
“Art. 3º A concessão de aposentadoria ao servidor público federal vinculado a regime próprio de previdência social e ao segurado do Regime Geral de Previdência Social e de pensão por morte aos respectivos dependentes será assegurada, a qualquer tempo, desde que tenham sido cumpridos os requisitos para obtenção desses benefícios até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, observados os critérios da legislação vigente na data em que foram atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria ou da pensão por morte.
(...)
§ 2º Os proventos de aposentadoria devidos ao segurado a que se refere o caput e as pensões por morte devidas aos seus dependentes serão apurados de acordo com a legislação em vigor à época em que foram atendidos os requisitos nela estabelecidos para a concessão desses benefícios”.
Com relação à aposentadoria especial, a Emenda Constitucional n. 103/2019 alterou profundamente os critérios para sua concessão, reintroduzindo o requisito etário como exigência e modificando a forma de cálculo do benefício, nos seguintes termos:
“Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.
§ 1º Até que lei complementar disponha sobre a redução de idade mínima ou tempo de contribuição prevista nos §§ 1º e 8º do art. 201 da Constituição Federal, será concedida aposentadoria:
I - aos segurados que comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos:
a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição;
b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou
c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição; (...)
Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;
II - 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e
III - 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição”.
Ademais, dentre as alterações promovidas pela EC nº 103/2019, merece destaque a vedação da conversão em comum de tempo de serviço especial realizado após a sua entrada em vigor (art. 25, §2º).
Por fim, importante consignar que se encontra pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal a ADI 6309, de relatoria do Min. Roberto Barroso, cujo objeto versa sobre a declaração de inconstitucionalidade das seguintes mudanças promovidas pela EC nº 103/2019: i) fixação de idade mínima para a aposentadoria especial; ii) forma de cálculo de cálculo da aposentadoria especial; iii) impossibilidade de conversão de tempo de trabalho especial em comum.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que “(...) Art. 58. A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)”.
Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, o dispositivo legal acima mencionado teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
“Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
§ 2º Deverão constar do laudo técnico referido no parágrafo anterior informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica deste documento (...)”.
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação somente foi definida com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual apenas para atividades exercidas a partir de então é exigível a apresentação de laudo técnico.
No mesmo sentido:
“PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM - POSSIBILIDADE - LEI 8.213/91 - LEI 9.032/95 - LAUDO PERICIAL INEXIGÍVEL - LEI 9.528/97.
(...)
- A Lei nº 9.032/95 que deu nova redação ao art. 57 da Lei 8.213/91 acrescentando seu § 5º, permitiu a conversão do tempo de serviço especial em comum para efeito de aposentadoria especial. Em se tratando de atividade que expõe o obreiro a agentes agressivos, o tempo de serviço trabalhado pode ser convertido em tempo especial, para fins previdenciários.
- A necessidade de comprovação da atividade insalubre através de laudo pericial, foi exigida após o advento da Lei 9.528, de 10.12.97, que convalidando os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.96, alterou o § 1º, do art. 58, da Lei 8.213/91, passando a exigir a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. Tendo a mencionada lei caráter restritivo ao exercício do direito, não pode ser aplicada a situações pretéritas, portanto no caso em exame, como a atividade especial foi exercida anteriormente, ou seja, de 17.11.75 a 19.11.82, não está sujeita à restrição legal.
- Precedentes desta Corte.
- Recurso conhecido, mas desprovido (...)”. (STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482)
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República. Relembre-se, por oportuno, a vedação da conversão em comum de tempo de serviço especial realizado após a entrada em vigor da EC nº 103/2019 (art. 25, §2º).
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde.
Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. DESAFETAÇÃO DO PRESENTE CASO.PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL.RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
1. Considerando que o Recurso especial 1.398.260/PR apresenta fundamentos suficientes para figurar como representativo da presente controvérsia, este recurso deixa de se submeter ao rito do art.543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
2. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
3. O limite de tolerância para configuração da especial idade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, não sendo possível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ.
4. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço especial implica indeferimento do pedido de aposentadoria especial por falta de tempo de serviço.
5. Recurso especial provido (...)”. (REsp 1401619/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)
Dessa forma, deve-se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
Conforme acima destacado, está pacificado no E. STJ (Resp 1398260/PR) o entendimento de que a norma que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação, devendo, assim, ser observado o limite de 90 decibéis no período de 06.03.1997 a 18.11.2003.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 8.213/91, (incluído pela Lei n. 9.528/97), é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente que a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: “i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos”.
NO CASO DOS AUTOS, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 29 (vinte e nove) anos, 11 (onze) meses e 11 (onze) dias (ID 291775595 – pág. 61), não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial. Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial de todos os períodos pleiteados.
Ocorre que, nos períodos de 01.06.1990 a 15.10.1995, 01.05.1996 a 12.11.2004, 01.08.2005 a 07.12.2010, 01.08.2011 a 31.07.2018 e 01.07.2019 a 07.03.2023, a parte autora, na atividade de serviços gerais agropecuários, esteve exposta a agentes biológicos decorrente do trato dos animais, bem como a agente químico formol (ID 291775633 – págs. 01/13), devendo ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, conforme códigos 1.3.4 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79, códigos 3.0.1 e 1.0.19 do Decreto nº 2.172/97 e códigos 3.0.1 e 1.0.19 do Decreto nº 3.048/99.
Sendo assim, somados todos os períodos especiais até a data da EC n° 103/2019 (13.11.2019), totaliza a parte autora 26 (vinte e seis) anos, 07 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de tempo especial, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria especial, com renda mensal inicial de 100% do salário-de-benefício, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, sendo este último calculado pela média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, nos termos do art. 29, inc. II, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
O benefício e o termo inicial dos efeitos financeiros deverão ocorrer na data da entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 07.03.2023), conforme fixado pelo Juízo de 1ª Instância, uma vez que não houve impugnação neste ponto pela Autarquia.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3° da Emenda Constitucional n° 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento ao recurso adesivo da parte autora, apenas para reconhecer a natureza especial da atividade exercida até a data da DER, bem como fixo, de ofício, os consectários legais, mantendo, no mais a sentença de 1ª Instância nos termos em que proferida.
Assinala-se, por fim, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 791.961 (TEMA 709), pelo Tribunal Pleno – Sessão Virtual, entendeu pela impossibilidade da percepção de aposentadoria especial na hipótese de o segurado permanecer no exercício de atividades laborais nocivas à saúde (Data da Publicação DJE 19/08/2020).
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. NATUREZA ESPECIAL DA ATIVIDADE LABORADA RECONHECIDA. SERVIÇOS GERAIS AGROPECUÁRIOS. AGENTES BIOLÓGICOS E QUÍMICOS. VINTE E CINCO ANOS DE TRABALHO INSALUBRE ATÉ A DATA DA EC 103/2019. CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS.
1. Aposentadoria especial é devida aos segurados que trabalhem sob efeito de agentes nocivos, em atividades penosas, insalubres ou perigosas.
2. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99.
3. Os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
4. A atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pode ser considerada especial, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.
5. É de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
6. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes biológicos e químicos agressores à saúde.
7. No caso dos autos, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 29 (vinte e nove) anos, 11 (onze) meses e 11 (onze) dias (ID 291775595 – pág. 61), não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial. Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial de todos os períodos pleiteados. Ocorre que, nos períodos de 01.06.1990 a 15.10.1995, 01.05.1996 a 12.11.2004, 01.08.2005 a 07.12.2010, 01.08.2011 a 31.07.2018 e 01.07.2019 a 07.03.2023, a parte autora, na atividade de serviços gerais agropecuários, esteve exposta a agentes biológicos decorrente do trato dos animais, bem como a agente químico formol (ID 291775633 – págs. 01/13), devendo ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, conforme códigos 1.3.4 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79, códigos 3.0.1 e 1.0.19 do Decreto nº 2.172/97 e códigos 3.0.1 e 1.0.19 do Decreto nº 3.048/99.
8. Somados todos os períodos especiais até a data da EC n° 103/2019 (13.11.2019), totaliza a parte autora 26 (vinte e seis) anos, 07 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de tempo especial, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
9. O benefício e o termo inicial dos efeitos financeiros deverão ocorrer na data da entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 07.03.2023), conforme fixado pelo Juízo de 1ª Instância, uma vez que não houve impugnação neste ponto pela Autarquia.
10. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3° da Emenda Constitucional n° 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
11. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
12. Reconhecido o direito da parte autora à aposentadoria especial, com renda mensal inicial de 100% do salário-de-benefício, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 07.03.2023).
13. Apelação do INSS desprovida. Recurso adesivo da parte autora parcialmente provido. Fixados, de ofício, os consectários legais.