
| D.E. Publicado em 22/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial; conhecer da apelação da parte autora e lhe dar parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001993-28.2015.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, além de indenização por dano moral.
A r. sentença julgou improcedente o pedido de condenação em danos morais; e parcialmente procedente o pedido para reconhecer como especiais as atividades desempenhadas pela parte autora de 1º/9/1983 a 24/11/1983, de 1º/7/2008 a 15/7/2008, de 23/5/2011 a 4/8/2012 e de 3/2/2014 a 17/7/2015; (ii) fixar os honorários periciais e os de advogado.
Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual exora a procedência total do pleito, com a consequente concessão da aposentadoria especial, ou sucessivamente, a obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição. Requer, ainda, a produção de prova testemunhal e a condenação da autarquia ao pagamento de honorários sucumbenciais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Não obstante, não conheço da remessa oficial.
Nesse sentido, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1000 (mil) salários-mínimos.
No presente caso, a toda evidência não se excede esse montante.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, ressalto que vinha adotando a posição de que o enquadramento pela categoria profissional no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 também era possível até a entrada em vigor do referido Decreto n. 2.172/97. Entretanto, verifico que a jurisprudência majoritária, a qual passo a adotar, tanto nesta Corte quanto no e. STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/95). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Busca a parte autora o enquadramento dos seguintes períodos: de 21/3/1975 a 10/9/1976 (menor sapateiro), de 4/11/1976 a 7/12/1977 (sapateiro), de 1º/4/1978 a 30/4/1978 (sapateiro), de 2/8/1978 a 5/4/1979 (sapateiro), de 7/5/1979 a 1º/2/1982 (sapateiro), de 3/8/1982 a 29/11/1982 (mecânico - equipamento pesado I), de 1º/9/1983 a 24/11/1983 (mecânico ajustor), de 19/3/1984 a 3/11/1986 (sapateiro), de 4/11/1986 a 12/5/1989 (mecânico manutenção), de 15/5/1989 a 22/11/1994 (mecânico manutenção), de 6/2/1995 a 30/8/1996 (mecânico), de 1º/6/1998 a 4/6/1999 (mecânico manutenção), de 24/10/2001 a 1º/5/2002 (mecânico manutenção de máquinas industriais), de 1º/10/2003 a 26/3/2004 (mecânico manutenção), de 2/4/2007 a 27/1/2008 (mecânico), de 1º/7/2008 a 15/7/2008 (mecânico de manutenção), de 5/8/2008 a 9/6/2009 (mecânico de manutenção), de 23/5/2011 a 4/8/2012 (mecânico de manutenção), de 21/8/2012 a 4/2/2014 (mecânico) e desde 3/2/2014 (mecânico de manutenção).
Com efeito, no que tange aos interstícios de 1º/9/1983 a 24/11/1983, de 1º/7/2008 a 15/7/2008, de 5/8/2008 a 9/6/2009, de 23/5/2011 a 4/8/2012 e de 3/2/2014 a 17/7/2015, consta laudo judicial, o qual indica a exposição habitual e permanente a agentes químicos deletérios (hidrocarbonetos aromáticos: óleo diesel, querosene, graxas e óleo mineral), fato que possibilita o enquadramento nos códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.17 do anexo do Decreto n. 3.048/99.
Com efeito, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise quantitativa e sim qualitativa.
Nesse diapasão, é a iterativa jurisprudência das cortes federais do País (g.n.):
Insta registrar, ainda, que em recente decisão exarada nos autos n. 5004737-08.2012.4.04.7108, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) firmou a tese de que a análise do caráter degradante do ofício em decorrência da exposição a agentes químicos previstos no Anexo XIII da NR 15, como os hidrocarbonetos aromáticos, é qualitativa e não se sujeita a limites de tolerância, independentemente do período de prestação do labor (cf. notícia veiculada em 27/7/2016 extraída do site do Conselho da Justiça Federal - http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/julho/analise-da-exposicao-de-trabalhador-a-agentes-quimicos-deve-ser-qualitativa-e-nao-sujeita-a-limites-de-tolerancia).
Ademais, diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no PPP, concluo que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Contudo, em relação aos intervalos de 21/3/1975 a 10/9/1976, de 4/11/1976 a 7/12/1977, de 1º/4/1978 a 30/4/1978, de 2/8/1978 a 5/4/1979, de 7/5/1979 a 1º/2/1982, de 3/8/1982 a 29/11/1982, de 19/3/1984 a 3/11/1986, de 4/11/1986 a 12/5/1989, de 15/5/1989 a 22/11/1994, de 6/2/1995 a 30/8/1996, de 1º/6/1998 a 4/6/1999, de 24/10/2001 a 1º/5/2002, de 1º/10/2003 a 26/3/2004, de 2/4/2007 a 27/1/2008 e de 21/8/2012 a 4/2/2014, a pretensão é incabível.
Isso porque a atividade de sapateiro, a despeito de ostentar certa carga insalubre, em virtude da exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontra previsão nos Decretos n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979.
Desse modo, em virtude das atividades exercidas em empresas de calçados não constarem da legislação especial, sua natureza especial deve ser comprovada.
Da mesma forma, o ofício de mecânico apontado em Carteira de Trabalho e Previdência Social, não está contemplado nos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79.
Trata-se de questão sobre a qual este E. Tribunal Regional Federal já se pronunciou, como se infere dos seguintes julgados (g. n.):
Entretanto, na hipótese, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a peça inicial, qual seja: carrear prova documental descritiva das condições insalubres às quais permaneceu exposta no ambiente laboral, como formulários padrão e laudo técnico individualizado ou PPP.
Ressalte-se que o laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP, não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais do obreiro nas funções alegadas, com permanência e habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz, com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época, pela parte autora nos lapsos debatidos.
Ademais, o laudo judicial produzido no curso da instrução (fs. 271/296) também não pode ser admitido para atestar as condições prejudiciais do obreiro, em relação aos interstícios em análise, pois realizado com base em similaridade das empresas trabalhadas pela parte autora, o que não retrata o ambiente de trabalho do demandante.
Oportuno esclarecer que se admite a prova técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de labor) quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Além do que, em se tratando, tão somente, do agente nocivo ruído (conforme se verifica para alguns lapsos a indicação apenas desse agente agressivo - f. 285/287), o qual demanda precisa análise técnica das intensidades (aferição do grau de exposição), é imprescindível a existência de laudo técnico individualizado. Necessária, assim, a realização de prova técnica visando à apuração, in loco, das reais condições de trabalho do requerente.
Acerca do tema, trago os seguintes precedentes desta E. Corte (g. n.):
Inclusive, cabe acrescentar que, a perícia por similaridade se baseia em grande parte apenas nas informações fornecidas pelo próprio autor no que se refere às atividades exercidas, o que fragiliza ainda mais a sua força probatória.
Por fim, ressalte-se, a propósito, não se prestar à comprovação do alegado direito a prova testemunhal, visto que a constatação da existência de agentes nocivos a caracterizar a natureza especial da atividade laborativa opera-se por meio de prova eminentemente documental (técnica).
Destarte, apenas os períodos de 1º/9/1983 a 24/11/1983, de 1º/7/2008 a 15/7/2008, de 5/8/2008 a 9/6/2009, de 23/5/2011 a 4/8/2012 e de 3/2/2014 a 17/7/2015 devem ser enquadrados como especiais.
Por conseguinte, quanto ao tempo de serviço em atividade considerada insalubre, a parte autora não contava 25 anos à época do requerimento administrativo e, desse modo, não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
Da mesma forma, malgrado o reconhecimento parcial do labor especial, não se fazem presentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/91 e 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deverá ser observada a proporcionalidade à vista do vencimento e da perda de cada parte, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC.
Assim, condeno o INSS a pagar honorários ao advogado da parte contrária, que arbitro em 3% (três por cento) sobre o valor atualizado da causa, e também condeno a parte autora a pagar honorários de advogado ao INSS, fixados em 7% (sete por cento) sobre a mesma base de cálculo.
Todavia, em relação à parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial, conheço da apelação da parte autora e lhe dou parcial provimento para, nos termos da fundamentação, (i) também enquadrar como atividade especial o interstício de 5/8/2008 a 9/6/2009; (ii) fixar a sucumbência recíproca. Mantido, no mais, o r. decisum a quo.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 09/03/2018 13:07:37 |
