Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1977672 / SP
0017091-69.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/09/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. PRELIMINAR. NULIDADE.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ALEGAÇÕES FINAIS PRESCINDÍVEIS.
ATIVIDADE ESPECIAL. AGROPECUÁRIA. RECONHECIMENTO PELO ENQUADRAMENTO
DA CATEGORIA PROFISSIONAL. CANA-DE-AÇÚCAR. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL.
AGROPECUÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DEFINIDA PELO STJ. TEMPO INSUFICIENTE.
BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Com efeito, o juiz é o destinatário natural da prova, cabendo-lhe determinar a produção
daquelas que se façam necessárias à formação do seu convencimento, de acordo com a
regular distribuição do onus probandi. No aspecto, assente-se que incumbe à parte autora a
prova do fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC/73 e art. 373, I, do CPC/15),
devendo o autor instruir a causa com as provas tendentes a demonstrar o direito pleiteado.
2 - Nesta senda, compete ao Magistrado gerir a instrução processual, nos termos do art. 130 do
CPC/73 (art. 370 do CPC/15), sem que isso implique cerceamento de defesa, notadamente
quando o encargo da prova for atribuído de acordo com regra ordinária, prevista na lei, como
ocorreu no caso dos autos.
3 - No caso, é de se notar que o demandante sequer demonstrou a efetiva impossibilidade de
produção da prova documental. Logo, não há que se falar em cerceamento de defesa.
4 - Para além, a prova testemunhal requerida redundaria em inocuidade, porquanto a discussão
nos autos gravita sobre a (hipotética) especialidade de vínculos empregatícios, cuja
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
demonstração dar-se-á por meio de elementos exclusivamente documentais. Rechaçada a
preliminar arguida em apelação, portanto.
5 - Outrossim, rejeito a preliminar suscitada pela parte autora porquanto as alegações finais só
se fazem necessárias quando houver a realização de audiência de instrução.
6 - Ademais, não há que se falar em inoportunidade de manifestação no feito, a que tempo for,
vez que após todos os atos de imprescindível contraditório e ampla defesa o respectivo prazo
judicial foi aberto regularmente para tanto.
7 - O pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de
Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em
ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
8 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
9 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
10 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
11 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
12 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
13 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
14 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
15 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
16 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
17 - A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento
da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia
tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima
do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos
anos anteriores, referido nível era superior.
18 - Pretende o autor o reconhecimento da especialidade dos períodos indicados na tabela de
fls. 100/102 da apelação, trabalhados na agropecuária, no cultivo de cana-de-açúcar e na
agricultura.
19 - De plano, enfatize-se que, após a edição da Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, é defeso
reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional, sendo necessário comprovar
a exposição efetiva a agente nocivo.
20 - Relativamente ao período anterior a 29/04/1995, verifica-se, pela CTPS do autor (fls.
21/48), que este trabalhou em estabelecimento agropastoril, nos períodos de 18/02/1982 a
28/02/1983, 18/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 31/03/1984, 23/04/1984 a 14/11/1984,
19/11/1984 a 13/04/1985, 02/05/1985 a 16/08/1985, 21/04/1987 a 22/10/1987, 19/11/1987 a
30/03/1988, 06/04/1988 a 31/10/1988, 16/01/1989 a 30/04/1989, 01/05/1989 a 28/10/1989,
03/01/1990 a 31/03/1991, 01/04/1991 a 30/10/1991, 09/03/1992 a 24/10/1992, 01/04/1993 a
30/10/1993, 07/04/1994 a 07/10/1994 e 04/04/1995 a 28/04/1995.
21 - No aspecto, é possível o enquadramento das atividades exercidas na agropecuária, de
acordo com o item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64 ("trabalhadores na agropecuária"),
classificando-as como especiais.
22 - No que se refere ao lapso temporal compreendido entre 04 de novembro e 20 de dezembro
de 1994, no qual o demandante exercera suas atividades no corte de cana junto à empreiteira
de mão-de-obra rural, há que se considera-lo comum. A 1ª Seção do c. Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei autuado sob n.º
452/PE, firmou entendimento no sentido de não ser possível equiparar a categoria profissional
de agropecuária, constante no item 2.2.1 do Anexo ao Decreto n.º 53.831/1964, à atividade
exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-açúcar. Assim, com ressalva de
entendimento deste Relator, não se reconhece a natureza especial do labor exercido na lavoura
de cana-de-açúcar.
23 - Pelo exposto, enquadrados como especiais os lapsos de 18/02/1982 a 28/02/1983,
18/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 31/03/1984, 23/04/1984 a 14/11/1984, 19/11/1984 a
13/04/1985, 02/05/1985 a 16/08/1985, 21/04/1987 a 22/10/1987, 19/11/1987 a 30/03/1988,
06/04/1988 a 31/10/1988, 16/01/1989 a 30/04/1989, 01/05/1989 a 28/10/1989, 03/01/1990 a
31/03/1991, 01/04/1991 a 30/10/1991, 09/03/1992 a 24/10/1992, 01/04/1993 a 30/10/1993,
07/04/1994 a 07/10/1994, e 04/04/1995 a 28/04/1995.
24 - Doutra sorte, quanto aos períodos em que o demandante trabalhou exclusivamente na
agricultura, não se autoriza o reconhecimento da especialidade, porque tal tarefa não se
encontra inserida nos róis dos Decretos pertinentes à matéria (da insalubridade laboral).
25 - Logo, somando-se a especialidade reconhecida nesta demanda, verifica-se que o autor
contava com 09 anos e 1 mês de atividade desempenhada em condições especiais no
momento do requerimento administrativo (15/03/2013 - fls. 19), não fazendo jus ao benefício de
aposentadoria especial.
26 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
27 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do
Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
28 - Conforme planilha anexa, somando-se o tempo de serviço comum incontroverso ao
especial, reconhecido nesta demanda, convertido em comum, verifica-se que o autor alcançou
32 anos, 02 meses e 11 dias de serviço na data do requerimento administrativo (15/03/2013),
no entanto, à época não havia completado o requisito etário (53 anos) e o "pedágio" (34 anos,
03 meses e 10 dias) para fazer jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição,
conforme disposição do art. 9º, §1º, da Emenda Constitucional nº 20/98.
29 - Sagrou-se vitorioso o autor ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por outro
lado, não foi concedida a aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, restando
vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, dá-se os honorários advocatícios por
compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixa-se de
condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte
autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
30 - Preliminares rejeitas. Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares
suscitadas e dar parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer a especialidade dos
períodos de 18/02/1982 a 28/02/1983, 18/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 31/03/1984,
23/04/1984 a 14/11/1984, 19/11/1984 a 13/04/1985, 02/05/1985 a 16/08/1985, 21/04/1987 a
22/10/1987, 19/11/1987 a 30/03/1988, 06/04/1988 a 31/10/1988, 16/01/1989 a 30/04/1989,
01/05/1989 a 28/10/1989, 03/01/1990 a 31/03/1991, 01/04/1991 a 30/10/1991, 09/03/1992 a
24/10/1992, 01/04/1993 a 30/10/1993, 07/04/1994 a 07/10/1994 e 04/04/1995 a 28/04/1995,
assim como, reconhecendo a sucumbência recíproca, dar os honorários advocatícios por
compensados entre as partes, isentando-o, ainda, da condenação em custas e despesas
processuais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
