Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0006808-23.2013.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
28/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. ART. 1.013 §3º, INCISO II DO CPC. ANULAÇÃO. ATIVIDADE
ESPECIAL. RUÍDO ACIMA DO NÍVEL LEGAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PARCIALMENTE
PREENCHIDOS. AVERBAÇÃO.
- De acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil atual, não será aplicável o
duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de
valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
- Caracterizada a ocorrência de julgamento "extra petita", de rigor a sua anulação, a teor do
disposto no artigo 492 do CPC. Feito se encontra em condições de imediato julgamento, com à
análise do mérito, com fulcro no artigo 1.013, § 3º, inciso II, da lei processual.
- O conjunto probatório dos autos revela o exercício de labor com exposição ao agente nocivo nos
intervalos indicados, devendo ser reconhecida a especialidade.
- Ausentes os pressupostos ao deferimento do benefício de aposentadoria especial, o qual
pressupõe o exercício de tempo de serviço especial mínimo de 25 anos.
- Anulada a sentença extra petita. Parcial procedência do pedido. Prejudicados os recursos de
apelação do INSS e da parte autora.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0006808-23.2013.4.03.6183
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: MARIA GISOLEIDE DA SILVA OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO GONCALVES DIAS - MG95595-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0006808-23.2013.4.03.6183
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: MARIA GISOLEIDE DA SILVA OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO GONCALVES DIAS - MG95595-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação previdenciária ajuizada aos 13/05/2014, por meio da qual Maria Gisoleide da
Silva Oliveira formulou pedido para a condenação do INSS, nos seguintes termos:
- reconhecimento do labor campesino sem registro no intervalo de 1º/01/1979 a 31/12/1987;
- reconhecer o labor especial de 07/01/1988 a 17/07/2013, junto a empresa Laboratórios Anakol
LTDA;
- após a conversão inversa pelo fator 0,83% em relação ao labor comum, de 1º/01/1979 a
31/12/1987, condenar o INSS à concessão do benefício de aposentadoria especial, desde a DER
(06/11/2012), ou a partir da data da citação do INSS ou a partir da data da r. sentença.
A r. sentença, proferida aos 20 de agosto de 2018, integrada por força de embargos de
declaração opostos pela parte autora, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o
labor especial para os intervalos de 07/01/1988 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 06/11/2012, com
a condenação do INSS à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da DER
(06/11/2012).
Foram arbitrados honorários advocatícios em 10% do valor da condenação e explicitados os
critérios de juros e mora e de correção monetária (fls. 246/264 e fls. 262/264).
Em suas razões recursais, sustenta o INSS, em síntese, ser equivocado o enquadramento dos
intervalos de atividade especial, declinados na r. sentença. Pugna pela reforma e total
improcedência do pedido. Subsidiariamente, requer a retificação dos critérios de correção
monetária.
Por sua vez, apela a autora para requerer o reconhecimento do período de labor rural sem
registro, o labor especial para intervalo de 07/11/2012 a 31/12/2018, e a condenação do INSS à
concessão do benefício de aposentadoria especial, em reafirmação da DER, quando
implementados os requisitos, ou subsidiariamente, à concessão do benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição.
Apresentadas as contrarrazões pela parte autora, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0006808-23.2013.4.03.6183
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: MARIA GISOLEIDE DA SILVA OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
DA REMESSA NECESSÁRIA
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
É importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil
atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496 da atual lei processual, razão pela
qual impõe-se o afastamento do reexame necessário.
Não sendo, pois, o caso de conhecer da remessa oficial, passo à análise do(s) recurso (s) da(s)
parte(s) em seus exatos limites, uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade previstos no
Código de Processo Civil atual.
DO JULGAMENTO EXTRA PETITA
Inicialmente, verifica-se, pela leitura da petição inicial, que a parte autora, formulou,
expressamente, pedido para o reconhecimento de período de labor campesino, sem registro em
CTPS, para o reconhecimento de labor especial para o período de 07/01/1988 a 17/07/2013,
conversão inversa do tempo de labor comum, e por fim, condenação do INSS à concessão da
aposentadoria especial, com termo inicial no requerimento administrativo, ou na data de citação,
ou na data da r. sentença.
No entanto, a r. sentença recorrida, concedeu tutela jurisdicional diversa da pretendida,
consistente na concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com termo inicial a partir
de 06/11/2012 (DER). Assim, resta caracterizada a ocorrência de julgamento "extra petita", sendo
de rigor a sua anulação, a teor do disposto no artigo 460 do CPC/1973, atualmente, artigo 492 do
Código de Processo Civil.
Ademais, percebe-se que o feito se encontra em condições de imediato julgamento, razão pela
qual passo à análise do mérito, com fulcro no artigo 1.013, § 3º, inciso II, da lei processual.
DA APOSENTADORIA ESPECIAL
A aposentadoria especial - modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição com tempo
mínimo reduzido - é devida ao segurado que tiver trabalhado, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou
25 (vinte e cinco) anos, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
conforme disposição legal, a teor do preceituado no art. 57 da Lei nº 8.213/91 e no art. 201, § 1º,
da Constituição Federal.
O período de carência exigido, por sua vez, está disciplinado pelo art. 25, inciso II, da Lei de
Planos de Benefícios da Previdência Social, o qual prevê 180 (cento e oitenta) contribuições
mensais, bem como pela norma transitória contida em seu art. 142.
Registre-se, por oportuno, que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1310034/PR,
Primeira Seção, Rel.Min. Herman Benjamin, DJe 19/12/2012, submetido à sistemática do art.
543-C do CPC/1973, decidiu que a "lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao
direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime
jurídico à época da prestação do serviço", de modo que a conversão do tempo de atividade
comum em especial, para fins de aposentadoria especial, é possível apenas no caso de o
benefício haver sido requerido antes da entrada em vigor da Lei n.º 9.032/95, que deu nova
redação ao art. 57, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, exigindo que todo o tempo de serviço seja especial.
A caracterização e comprovação da atividade especial, de acordo com o art. 70, § 1º, do Decreto
n.º 3.048/1999, "obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do
serviço", como já preconizava a jurisprudência existente acerca da matéria e restou sedimentado
em sede de recurso repetitivo, no julgamento do REsp 1151363/MG, Terceira Seção, Rel. Min.
Jorge Mussi, DJe 05/04/2011, e do REsp 1310034/PR, citado acima.
Dessa forma, até o advento da Lei n.º 9.032, de 28 de abril de 1995, para a configuração da
atividade especial, bastava o seu enquadramento nos Anexos dos Decretos n.ºs. 53.831/64 e
83.080/79, os quais foram validados pelos Decretos n.ºs. 357/91 e 611/92, possuindo, assim,
vigência concomitante.
Consoante entendimento consolidado de nossos tribunais, a relação de atividades consideradas
insalubres, perigosas ou penosas constantes em regulamento é meramente exemplificativa, não
exaustiva, sendo possível o reconhecimento da especialidade do trabalho executado mediante
comprovação nos autos. Nesse sentido, a súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos:
"Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial se perícia judicial constata
que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em
Regulamento".
A partir de referida Lei n.º 9.032/95, que alterou o art. 57, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.213/91, não mais
se permite a presunção de insalubridade, tornando-se necessária a comprovação da efetiva
exposição a agentes prejudiciais à saúde ou integridade física do segurado e, ainda, que o tempo
trabalhado em condições especiais seja permanente, não ocasional nem intermitente.
A propósito: STJ, AgRg no AREsp 547559/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto
Martins, j. 23/09/2014, DJe 06/10/2014.
A comprovação podia ser realizada por meio de formulário específico emitido pela empresa ou
seu preposto - SB-40, DISES BE 5235, DSS 8030 ou DIRBEN 8030, atualmente, Perfil
Profissiográfico Previdenciário-PPP -, ou outros elementos de prova, independentemente da
existência de laudo técnico, com exceção dos agentes agressivos ruído e calor, os quais sempre
exigiram medição técnica.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 1.523/96, com início de vigência na data de sua
publicação, em 14/10/1996, convertida na Lei n.º 9.528/97 e regulamentada pelo Decreto n.º
2.172, de 05/03/97, acrescentou o § 1º ao art. 58 da Lei n.º 8.213/91, determinando a
apresentação do aludido formulário "com base em laudo técnico de condições ambientais do
trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho". Portanto, a
partir da edição do Decreto n.º 2.172/97, que trouxe o rol dos agentes nocivos, passou-se a exigir,
além das informações constantes dos formulários, a apresentação do laudo técnico para fins de
demonstração da efetiva exposição aos referidos agentes.
Ademais, o INSS editou a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 77, de 21/01/2015, estabelecendo,
em seu art. 260, que: "Consideram-se formulários legalmente previstos para reconhecimento de
períodos alegados como especiais para fins de aposentadoria, os antigos formulários em suas
diversas denominações, sendo que, a partir de 1º de janeiro de 2004, o formulário a que se refere
o § 1º do art. 58 da Lei nº 8.213, de 1991, passou a ser o PPP".
À luz da legislação de regência e nos termos da citada Instrução Normativa, o PPP deve
apresentar, primordialmente, dois requisitos: assinatura do representante legal da empresa e
identificação dos responsáveis técnicos habilitados para as medições ambientais e/ou biológicas.
Na atualidade, a jurisprudência tem admitido o PPP - perfil profissiográfico previdenciário como
substitutivo tanto do formulário como do laudo técnico, desde que devidamente preenchido.
A corroborar o entendimento esposado acima, colhe-se o seguinte precedente: STJ, AgRg no
REsp 1340380/CE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 23/09/2014, DJe
06/10/2014.
Quanto ao uso de Equipamento de Proteção Individual - EPI, no julgamento do ARE n.º
664.335/SC, em que restou reconhecida a existência de repercussão geral do tema ventilado, o
Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito, decidiu que, se o aparelho "for realmente capaz
de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial".
Destacou-se, ainda, que, havendo divergência ou dúvida sobre a sua real eficácia, "a premissa a
nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da
aposentadoria especial".
Especificamente em relação ao agente agressivo ruído, estabeleceu-se que, na hipótese de a
exposição ter se dado acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no
âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, no sentido da eficácia do EPI, "não
descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria". Isso porque não há como
garantir, mesmo com o uso adequado do equipamento, a efetiva eliminação dos efeitos nocivos
causados por esse agente ao organismo do trabalhador, os quais não se restringem apenas à
perda auditiva.
Outrossim, como consignado no referido julgado, não há que se cogitar em concessão de
benefício sem a correspondente fonte de custeio, haja vista os termos dos §§ 6º e 7º do art. 57 da
Lei n.º 8.213/91, com a redação dada pela Lei n.º 9.732/98:
"Art. 57. [...]
§ 6º O benefício previsto neste art. será financiado com os recursos provenientes da contribuição
de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão
acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo
segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze,
vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do
segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.
[...]."
Ademais, sendo responsabilidade exclusiva do empregador o desconto devido a esse título, a sua
ausência ou recolhimento incorreto não obsta o reconhecimento da especialidade verificada, pois
não pode o obreiro ser prejudicado pela conduta de seu patrão.
DA COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE LABORATIVA SEM REGISTRO PROFISSIONAL
Para efeito de concessão do benefício em tela, a comprovação do tempo de serviço, agora,
tempo de contribuição (art. 4º da EC 20/98), sem regular registro em carteira profissional, deverá
ser feita com base em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no
Regulamento" (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91).
No tocante à atividade rural, muito se debateu a respeito da aplicação do dispositivo
supramencionado e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos
assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos
conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes:
(i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos
por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o
rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal
coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula
STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (STJ, REsp 1321493/PR, Relator Ministro
Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19/12/2012, apreciado na sistemática do art. 543-C do
CPC/1973);
(ii) os documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, servem como início de
prova escrita para fins de comprovação da atividade rural em regime de economia familiar, onde
dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu nome, posto que
concentrados, na maioria das vezes, na figura do chefe da família (STJ, EREsp 1171565/SP,
Relator Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, DJe 05/3/2015; AgRg no REsp 1073582/SP,
Relator Ministro OG Fernandes, Sexta Turma, DJe 02/03/2009; REsp 447655, Relatora Ministra
Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 29/11/2004).
(iii) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de
prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº
1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE
05/12/2014).
A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos
permaneceram polêmicos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o maior
deles diga respeito, justamente, à desnecessidade de contemporaneidade do início de prova
material amealhado a todo período que se pretende ver reconhecido.
A propósito, vale transcrever, num primeiro lanço, o último aresto citado, exarado sob o rito do art.
543-C do CPC/1973:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE
SERVIÇO RURAL . RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO.
DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA
TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE
ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período
de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre
admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a
aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a
comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova
material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo
de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo
de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por
testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o
direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao
advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado,
ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias
ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença,
alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho
urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não
impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço,
mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no
exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da
Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei
11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do
art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1348633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
28/08/2013, DJe 05/12/2014)
Esposando o mesmo raciocínio, a Súmula 577 do c. STJ, verbis:
"É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado,
desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
Ora bem, da leitura dos textos retrotranscritos, ressai cristalino ser dispensável que o princípio de
prova documental refira-se a todo o período a comprovar-se: admite-se que aluda, apenas, à
parcela deste. Equivale, pois, a afirmar-se que o princípio deve reportar-se ao menos a um
quinhão do intervalo laborativo a ser comprovado.
Destarte, à luz dos julgados do c. STJ e da linha exegética acima, inclino-me pela simultaneidade,
ainda quando diminuta, entre os documentos ofertados e o interregno laboral alegado.
DO CASO CONCRETO
- Do período de labor especial:
Passa-se ao exame do intervalo de atividade especial requerido pela parte autora na inicial, face
às provas apresentadas aos autos:
- de 07/01/1988 a 17/07/2013
Empregador : Colgate Palmolive- Indústria e Comércio LTDA
Atividade profissional: enchimento de creme dental
Prova(s): formulários de fls. 71/72 e laudos de fls. 73/75, com emissão em 31/12/2003; PPP de
fls. 112/113, com emissão na data de 02/09/2013
Agente(s) agressivo(s) apontado(s):
- de 07/01/1988 a 31/12/2003- ruído de 86 dB;
- de 1º/01/2004 a 02/09/2013 (data de emissão do PPP)- ruído de 88 dB.
Conclusão: Possível o reconhecimento dos intervalos de 07/01/1988 a 05/03/1997 e de
19/11/2003 a 17/07/2013, pela exposição ao agente nocivo ruído, acima do limite legal, nos
termos do código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64.
Atente-se à regularidade formal dos documentos apresentados, inexistindo necessidade de
contemporaneidade do formulário ou laudo ao período de exercício da atividade insalubre, à falta
de previsão legal nesse sentido e de comprovação de significativa alteração no ambiente laboral.
Frise-se, ainda, que o simples fato de a empresa informar a utilização do EPI pelo trabalhador
não elide a configuração do trabalho insalubre, havendo a necessidade da comprovação de sua
eficácia, o que não ocorreu no caso vertente.
- Do período de labor rural:
Pugna a autora, nascida aos 18/11/1967, pelo reconhecimento do labor rural, sem registro, para o
intervalo 1º/01/1979 a 31/12/1987, sob a alegação de que exerceu as lides rurais, em regime de
economia familiar, na propriedade rural de seu avô, Sebastião Romão da Silva, genitor de sua
mãe, no cultivo de algodão, feijão e milho.
A fim de comprovar o trabalho rural sem registro foram apresentados pela parte autora os
seguintes documentos:
- cópia de escritura de propriedade rural emitida em 1961, imóvel localizado no município de
Monteiro-PB – fls. 41/46 e fls. 199/200;
- documentos escolares (fls. 193/194);
- certificados de contribuição ao INCRA entre 1980 a 1984- emissão em nome de Sebastião
Romão da Silva, avô da requerente.- fls. 202/206.
Consoante remansosa jurisprudência, verifica-se a existência de indício documental de exercício
de labor rural. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
VALIDADE DOS DOCUMENTOS DE REGISTROS CIVIS. COMPLEMENTAÇÃO COM
ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EFICÁCIA PROBATÓRIA QUE ALCANÇA OS PERÍODOS
ANTERIOR E POSTERIOR À DATA DO DOCUMENTO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO FEITO.
REPETITIVO COM TESE DIVERSA.
1. O labor campesino, para fins de percepção de aposentadoria rural por idade, deve ser
demonstrado por início de prova material e ampliado por prova testemunhal, ainda que de
maneira descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo número de meses
idêntico à carência.
2. São aceitos, como início de prova material, documentos de registros civis que apontem o
efetivo exercício de labor no meio rural , tais como certidões de casamento, de nascimento de
filhos e de óbito, desde complementada com robusta e idônea prova testemunhal.
3. No julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC, esta Corte, examinando a matéria concernente à
possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo
apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui
eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento,
desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
4. São distintas as questões discutidas no recurso representativo da controvérsia apontado pelo
INSS ( REsp 1.354.980/SP) e no presente feito. Neste recurso discute-se a necessidade de o
início de prova material ser contemporâneo ao período imediatamente anterior ao requerimento
administrativo para fins de concessão de aposentadoria a trabalhador rural. Já no recurso
especial apontado pelo INSS a questão decidida não se refere especificamente à
contemporaneidade dos documentos apresentados.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg no AREsp 329682/PR, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
15/10/2015, DJe 29/10/2015 - grifo nosso).
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VOTO-VISTA DO MIN.
MAURO CAMPBELL MARQUES. ALINHAMENTO COM A POSIÇÃO DO NOBRE COLEGA.
APOSENTADORIA POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA
MATERIAL RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS E CORROBORADO POR
PROVA TESTEMUNHAL. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE.
ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ AFASTADO.
1. A controvérsia gira em torno do preenchimento dos requisitos para a concessão de pensão por
morte à autora.
2. A jurisprudência do STJ se mostra firme no sentido de que o reconhecimento de tempo de
serviço rurícola exige que a prova testemunhal corrobore um início razoável de prova material,
sendo certo que o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural ,
inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não
taxativo.
3. Segundo a orientação do STJ, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como
certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha
de inscrição em sindicato rural , contratos de parceria agrícola, podem servir como início da prova
material nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada desde que
amparados por convincente prova testemunhal. Precedentes: AgRg no AREsp 577.360/MS, Rel.
Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/6/2016, e AR 4.507/SP, Rel. Ministro Nefi
Cordeiro, Terceira Seção, DJe 24/8/2015.
4. O acórdão recorrido concluiu desconsiderar as provas materiais, afastando a decisão do juízo
sentenciante que presidiu a instrução do feito, que bem valorou as provas ao ter estabelecido
contato direto com as partes, encontrando-se em melhores condições de aferir a condição de
trabalhador rural afirmada pelo autor e testemunhas ouvidas.
5. O juízo acerca da validade e eficácia dos documentos apresentados como o início de prova
material do labor campesino não enseja reexame de prova, vedado pela Súmula 7/STJ, mas sim
valoração do conjunto probatório existente. Precedentes: AgRg no REsp 1.309.942/MG, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 11/4/2014, e AgRg no AREsp
652.962/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 3/9/2015. 6. Recurso especial provido.
(STJ, RESP 201700058760, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE 30/06/2017)
Assim, acaso admitida a presença de princípio de prova documental no lapso reclamado, bem
como em suas cercanias, incumbe verificar se este é corroborado - e amplificado - pelos
depoimentos testemunhais.
Contudo, no caso ora em análise, se apresenta frágil a prova documental apresentada. A
documentação de escritura da propriedade na década de sessenta, extemporânea ao labor
campesino requerido, não comprova a vinculação da parte autora à lide campesina.
Os documentos de recolhimentos de ITR encontram-se em nome do avô, familiar remoto, não
tendo sido apresentado nenhum documento que vinculasse o genitor da demandante ao labor
campesino, ou mesmo em seu próprio nome.
Com relação aos documentos escolares, não se evidencia desses, que o ensino tenha ocorrido
em área rural.
No mais, dos depoimentos testemunhais coletados através de carta precatória ao Juízo de
Monteiro/PB, em audiência realizada em 20/09/2017, verifica-se que os depoentes Geneci
Bezerra da Silva e Manoel Inácio de Sousa afirmaram conhecer a requerente e ter conhecimento
de que ela exerceu as lides rurais.
Geneci Bezerra da silva e Manoel Inácio de Sousa, em que pese afirmarem o labor campesino da
autora, o fizeram de forma genérica e vaga, sem aquilatar o teor das atividades desenvolvidas,
espécie de lavoura, horários, inclusive quanto a atividades escolares.
Destarte, considero insatisfatório o conjunto probatório apresentado para a comprovação do labor
campesino intervalo requerido pela demandante, razão pela qual, improcedente essa parcela do
pedido inicial.
Ausente o reconhecimento do labor rural no intervalo de 1º/01/1979 a 31/12/1987, desnecessária
a análise do pleito para a sua conversão inversa.
Considerado os períodos de labor especial reconhecidos nestes autos, de 07/01/1988 a
05/03/1997 e de 19/11/2003 a 17/07/2013, não se mostra possível o acolhimento do pedido para
a condenação do INSS à concessão do benefício de aposentadoria especial, na data do
requerimento administrativo em 06/11/2012 (DER), uma vez que não comprovado o tempo
mínimo de 25 (vinte e cinco) anos em atividade nociva, pressuposto ao deferimento do benefício
previdenciário vindicado.
Outrossim, não se mostra possível, o acolhimento do pedido para a reafirmação da DER para
data posterior ao requerimento administrativo formulado aos 06/11/2012, uma vez que a prova do
labor especial apresentada nos autos, se deu até 02/09/2013, data de emissão do PPP
apresentado nos autos.
Na hipótese, ainda que considerado o labor especial até essa data, o tempo de labor especial se
apresenta inferior a 25 (vinte e cinco) anos de atividade especial.
Destarte, por todos os ângulos enfocados, apresenta-se possível o parcial acolhimento do pedido
formulado na inicial para o reconhecimento dos intervalos de atividade especial de 07/01/1988 a
05/03/1997 e de 19/11/2003 a 17/07/2013, com a condenação do INSS à respectiva averbação.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do NCPC, que manteve a sistemática da Lei n.
1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Ante o exposto, anulo a r. sentença extra petita e com fulcro no art. 1.013, § 3º, inciso II do CPC,
julgo parcialmente procedente o pedido apenas para reconhecer os períodos de labor especial de
07/01/1988 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 17/07/2013, com a condenação do INSS à respectiva
averbação, nos termos da fundamentação acima. Prejudicados os recursos de apelação da parte
autora e do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. ART. 1.013 §3º, INCISO II DO CPC. ANULAÇÃO. ATIVIDADE
ESPECIAL. RUÍDO ACIMA DO NÍVEL LEGAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PARCIALMENTE
PREENCHIDOS. AVERBAÇÃO.
- De acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil atual, não será aplicável o
duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de
valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
- Caracterizada a ocorrência de julgamento "extra petita", de rigor a sua anulação, a teor do
disposto no artigo 492 do CPC. Feito se encontra em condições de imediato julgamento, com à
análise do mérito, com fulcro no artigo 1.013, § 3º, inciso II, da lei processual.
- O conjunto probatório dos autos revela o exercício de labor com exposição ao agente nocivo nos
intervalos indicados, devendo ser reconhecida a especialidade.
- Ausentes os pressupostos ao deferimento do benefício de aposentadoria especial, o qual
pressupõe o exercício de tempo de serviço especial mínimo de 25 anos.
- Anulada a sentença extra petita. Parcial procedência do pedido. Prejudicados os recursos de
apelação do INSS e da parte autora. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu anular de ofício a r. sentença extra petita, e nos termos do art. 1.013, § 3º,
inciso II do CPC, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na inicial e julgar
prejudicados os recursos de apelação da parte autora e do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
