
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002826-32.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: ILSON LIMA LOUREIRO
Advogado do(a) APELANTE: LARISSA MENEZES DALAPOLA - SP437388-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002826-32.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: ILSON LIMA LOUREIRO
Advogado do(a) APELANTE: LARISSA MENEZES DALAPOLA - SP437388-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta pelo autor em face de sentença (prolatada em 15/07/2022) que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de tempo de serviço especial e de concessão de aposentadoria especial.
Em suas razões recursais, o autor sustenta, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, requerendo a anulação da sentença, ante o indeferimento da realização de prova pericial. No que respeita ao mérito, alega, em síntese, encontrarem-se preenchidos os requisitos para o reconhecimento da especialidade de todos os períodos descritos na inicial e, corolário disso, para a concessão do benefício objetivado, razão pela qual os pedidos haviam de ser julgados procedentes.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002826-32.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: ILSON LIMA LOUREIRO
Advogado do(a) APELANTE: LARISSA MENEZES DALAPOLA - SP437388-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade; dele, pois, se conhece.
Pretende o autor o reconhecimento de tempo de serviço especial e, como consequência, a concessão de aposentadoria homônima.
Os pedidos foram julgados improcedentes em primeiro grau, com o que não se conforma o autor, que desfia as razões de recurso que a seguir serão analisadas.
Do cerceamento de defesa
Aflui do apelo autoral questão preliminar.
Queixa-se o autor do indeferimento da realização de perícia, prova que sustenta indispensável à demonstração do direito aviado.
Conquanto a prova se destine à formação do convencimento do magistrado, casos há em que seu indeferimento acarreta efetivo prejuízo à parte que a requer.
De fato, se os documentos apresentados, que não foram produzidos pelo autor, apresentam informações imprecisas (ID 265136605 – Págs. 16/19), estas que, na hipótese dos autos, revestem questão crucial ao deslinde do feito -- por se referirem à indicação de níveis variáveis de pressão sonora a que o autor esteve exposto --, não há como bloquear a realização de perícia.
De acordo com o referido documento, no período de 01/04/1998 a 05/02/2019, houve a exposição a ruído, sendo constatados diferentes níveis para o mesmo intervalo, os quais oscilavam abaixo e acima do limite de tolerância, como seguem:
- De 01/04/1998 a 31/03/2003: 81 a 83 dB (A)
- De 01/04/2003 a 31/03/2004: 80 a 84 dB (A)
- De 01/04/2004 a 31/03/2005: 80 a 83 dB (A)
- De 01/04/2005 a 31/03/2006: 81 a 86 dB (A)
- De 01/04/2006 a 31/03/2007: 80 a 86 dB (A)
- De 01/04/2007 a 31/03/2008: 79 a 85 dB (A)
- De 01/04/2008 a 31/03/2009: 78 a 85 dB (A)
- De 01/04/2009 a 31/03/2010: 77 a 80 dB (A)
- De 01/04/2010 a 31/03/2011: 76 a 83 dB (A)
- De 01/04/2011 a 31/03/2012: 74 a 82 dB (A)
- De 01/04/2012 a 31/03/2013: 71 a 80 dB (A)
- De 01/04/2013 a 31/03/2014: 72 a 80 dB (A)
- De 01/04/2014 a 30/04/2015: 71 a 82 dB (A)
- De 01/05/2015 a 31/07/2016: 72 a 81 dB (A)
- De 01/08/2016 a 30/11/2017: 71 a 81 dB (A)
- De 01/12/2017 a 30/11/2018: 70 a 79 dB (A)
- De 01/12/2018 a 05/02/2019: 74 a 78 dB (A)
Em casos em que é constatada a exposição à pressão sonora variável, deve ser observado o entendimento sedimentado no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia - REsp nº 1886795/RS (Tema nº 1083), com acórdão publicado no DJe em 25/11/2021, ementado da seguinte maneira:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTE NOCIVO RUÍDO. NÍVEL DE INTENSIDADE VARIÁVEL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. METODOLOGIA DO NÍVEL DE EXPOSIÇÃO NORMALIZADO - NEN. REGRA. CRITÉRIO DO NÍVEL MÁXIMO DE RUÍDO (PICO DE RUÍDO). AUSÊNCIA DO NEN. ADOÇÃO.
1. A Lei de Benefícios da Previdência Social, em seu art. 57, § 3º, disciplina que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência, ao segurado que comprovar tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado em lei, sendo certo que a exigência legal de habitualidade e permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho.
2. A questão central objeto deste recurso versa acerca da possibilidade de reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, considerando-se apenas o nível máximo aferido (critério "pico de ruído"), a média aritmética simples ou o Nível de Exposição Normalizado (NEN).
3. A Lei n. 8.213/1991, no § 1º do art. 58, estabelece que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita por formulário com base em Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho - LTCAT nos termos da legislação trabalhista.
4. A partir do Decreto n. 4.882/2003, é que se tornou exigível, no LTCAT e no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), a referência ao critério Nível de Exposição Normalizado - NEN (também chamado de média ponderada) em nível superior à pressão sonora de 85 dB, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial.
5. Para os períodos de tempo de serviço especial anteriores à edição do referido Decreto, que alterou o Regulamento da Previdência Social, não há que se requerer a demonstração do NEN, visto que a comprovação do tempo de serviço especial deve observar o regramento legal em vigor por ocasião do desempenho das atividades.
6. Descabe aferir a especialidade do labor mediante adoção do cálculo pela média aritmética simples dos diferentes níveis de pressão sonora, pois esse critério não leva em consideração o tempo de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho.
7. Se a atividade especial somente for reconhecida na via judicial, e não houver indicação do NEN no PPP, ou no LTCAT, caberá ao julgador solver a controvérsia com base na perícia técnica realizada em juízo, conforme disposto no art. 369 do CPC/2015 e na jurisprudência pátria, consolidada na Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, observado o critério do pico de ruído.
8. Para os fins do art. 1.039, CPC/2015, firma-se a seguinte tese:
"O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço."
9. In casu, o acórdão do Tribunal de origem manteve a sentença que concedeu ao segurado a aposentadoria especial, consignando ser possível o reconhecimento do labor especial por exposição a ruído variável baseado nos picos de maior intensidade, quando não houver informação da média de ruído apurada segundo a metodologia da FUNDACENTRO, motivo pelo qual merece ser mantido.
10. Recurso da autarquia desprovido" (REsp n. 1.886.795/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 18/11/2021, DJe de 25/11/2021).
Em síntese, ao apreciar a questão controvertida, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese:
"O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço".
A espécie dos autos amolda-se inteiramente à tese assentada no RRC citado.
Aqui ficou evidenciado que o indeferimento da prova pericial impossibilitou a efetiva demonstração das condições agressivas a que o autor sustenta ter-se submetido no intervalo compreendido entre 01/04/1998 e 05/02/2019.
Depois disso sobreveio sentença a qual, considerando insuficientes as informações contidas no PPP, julgou improcedente o pedido, recusando especialidade.
Ora, comparece cerceamento de defesa quando o juiz indefere a realização de prova pericial, requerida oportuna e justificadamente pela parte com o fito de comprovar suas alegações, e o pedido é julgado improcedente exatamente pelo fato de que a prova que o promovente logrou produzir entremostrava-se frágil e insatisfatória (Agint no REsp n. 2.004.764/SP, Quarta Turma, Rel. o Min. Raul Araújo, j. de 26/09/2022, DJe de 13/10/2022).
A prolação de sentença, sem a realização de mencionada prova, útil e necessária para o esclarecimento da matéria controvertida, decerto malfere o disposto nos artigos 369 e 370, ambos do estatuto processual civil.
Confira-se, a esse propósito, julgado deste TRF3:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Os documentos apresentados não contêm informações suficientes para se apurar se a parte autora efetivamente foi submetida à ação de agentes agressivos durante todo o período em que laborou na empresa elencada na peça inaugural, sendo imprescindível, para o fim em apreço, a realização da perícia técnica.
2. A inexistência de prova pericial, com prévio julgamento da lide por valorização da documentação acostada aos autos caracterizou, por conseguinte, cerceamento de defesa.
3. Preliminar de apelação acolhida. Anulada a r. sentença a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos. Prejudicada a análise do mérito do recurso” (ApCiv 5001847-41.2019.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, 10ª Turma, Intimação via sistema DATA: 05/04/2021).
Assim, em que pese a fundamentação da respeitável sentença, faz-se necessária a realização de prova pericial para a apuração das condições ambientais de trabalho a que o autor ficou exposto, no período mencionado.
Impõe-se, pois, invalidar o julgado recorrido, com o retorno dos autos à vara de origem, para a regular instrução do feito.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para, acolhida a matéria preliminar, anular a sentença, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PPP COM DIFERENTES NÍVEIS DE EFEITO SONORO. TEMA 1083 DO STJ. NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA JUDICIAL. SENTENÇA ANULADA.
- Ao apreciar a questão controvertida, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese: "O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.".
- O caso concreto se amolda inteiramente à hipótese tratada no referido tema, de modo que, a fim de dar a devida eficácia à decisão acima destacada, faz-se necessária a realização de perícia técnico-judicial.
- Ficou evidenciado que o indeferimento da prova pericial impossibilitou a demonstração das condições agressivas a que o autor sustenta ter-se submetido.
- A sentença entendeu insuficientes para a comprovação da especialidade o PPP apresentado. Fundada nisso, sem dilargada instrução, não reconheceu a referida especialidade.
- Havendo imprecisão nos documentos comprobatórios, sendo que o correto preenchimento deles não compete ao segurado, mas é de responsabilidade do empregador, o indeferimento de perícia judicial caracteriza cerceamento de defesa.
- A anulação da sentença proferida é medida que se impõe.
- Acolhida a matéria preliminar de apelação. Recurso parcialmente provido.
